Jornal do Brasil - 26/01/2010
Em nota divulgada ontem, a Funai afirma que ISA e CTI trabalham em conjunto com a autarquia e nega que as duas ONGs exerçam papel do Estado junto às comunidades indígenas. “É importante destacar que a política de demarcação de terras indígenas é de responsabilidade exclusiva do estado brasileiro (...) Portanto, cabe unicamente a Funai e a União realizar os procedimentos administrativos de estudos de identificação e delimitação de terras indígenas”, diz um dos trechos da nota. Ela explica que os convênios são legais e, assim como as parcerias, “fazem parte da história do indigenismo brasileiro”.
A Funai argumenta ainda que a reestruturação prevista no decreto 7.056 irá “fortalecer as atividades voltadas aos povos indígenas e reafirma o papel do Estado”, com a criação de um comitê gestor paritário que garante a participação dos povos indígenas na elaboração das políticas públicas. A substituição das Administrações Executivas Regionais por Coordenações Regionais tem como objetivo, segundo o órgão, otimizar o orçamento e realizar uma gestão na qual o “protagonismo indígena é o principal indutor de políticas públicas”. “A substituição dos Postos Indígenas pelas Coordenações Técnicas Locais irá modernizar e acelerar o atendimento aos povos”, diz o órgão na nota, destacando ainda que, até 2012, 3.100 concursados serão incorporados aos quadros da Funai por causa do decreto.
Influência excessiva de ONGs e obras do PAC preocupam
A parceria entre a Funai e organizações não governamentais para executar serviços de gestão em áreas indígenas, reforçada pelo decreto que reestruturou o órgão, fragiliza, na avaliação de indígenas, os controles governamentais sobre as aldeias.
– Apenas duas ONGs vão cuidar da gestão do desenvolvimento em 80 povos e da proteção dos índios isolados. Se o governo já não consegue resolver os problemas das fronteiras, porque deixar essas tarefas nas mãos delas? – indaga a kaingang Rosane de Mattos, representante da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul.
Indigenistas acham que a extinção de postos indígenas e de órgãos da administração da Funai que estavam próximos a aldeias em várias regiões do país fortalece a atuação das ONGs, diminui o papel do Estado e pode abrir brechas para invasões de garimpeiros, madeireiros ou até a presença de estrangeiros nas regiões mais distantes.
– O risco é grande. Com a terceirização o país perde o controle. O trabalho com os índios isolados deveria ser exercido exclusivamente pela União – observa o cacique Neoli Kafy.
Os índios questionam os convênios firmados entre Funai e as duas principais ONGs indigenistas, o Instituto Socioambiental (ISA) e o Centro de Trabalho Indigenista (CTI), dirigidos, respectivamente, pelo ex-presidente da autarquia e ex-deputado, Márcio Santilli, e pelo antropólogo Gilberto Azanha.
O CTI é detentor de vários convênios em áreas indígenas, entre os quais o mais polêmico é o que trata da proteção de índios isolados, uma atribuição que o governo brasileiro sempre deixou exclusivamente nas mãos de sertanistas e indigenistas dos quadros da Funai.
Os levantamentos mais recentes apontam para a possibilidade de existirem atualmente entre 60 a 70 grupos de índios que não foram contactados ou não querem se aproximar da população branca. Parte desses grupos estariam no Mato Grosso, Amazonas e em regiões próximas à fronteira com o Peru.
Embora a Funai exerça o controle sobre todas as atividades em áreas indígenas, com o convênio as ONGs circulam livremente entre as terras das comunidades e podem buscar parcerias ou receber doações de empresas ou órgãos governamentais do exterior. Elas também recebem dinheiro do governo brasileiro para trabalhar em áreas indígenas.
– As ONGs estão dentro da Funai, dão palpite sem consultar os povos indígenas e influenciam em decisões como o decreto de reestruturação – afirma Rosane de Mattos.
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