Mais pragmático, Fórum Social retorna a Porto Alegre
Autor(es): Luciano Máximo
Valor Econômico - 22/01/2010
A ação do Estado para socorrer as economias da crise financeira e a eleição de Barack Obama nos Estados Unidos ajudaram a mudar o foco do Fórum Social Mundial (FSM), mesmo sem nenhum planejamento. O enfrentamento do processo de globalização sob a lógica do liberalismo e do imperialismo militar da maior potência do planeta, grife do governo George W. Bush (2001-2009), não é mais a grande bandeira do Fórum, que, após cinco anos, retorna a seu berço, Porto Alegre, para a décima edição, entre os dias 25 e 29 deste mês. Até o lema "Um outro mundo é possível", utopia adotada como marca do encontro desde 2001, não norteará as atividades.
Sem as tradicionais mobilizações que chegaram a aglomerar até 200 mil pessoas nas ruas da capital gaúcha e outras tantas mil em várias cidades nos cinco continentes, o evento chega a 2010 descentralizado e mais compacto, com a proposta de fazer um balanço dos últimos dez anos e estabelecer agenda mais pragmática para o futuro. Na pauta estão o fortalecimento das lutas ambientais e a construção de um multilateralismo que garanta maior poder de decisão aos países em desenvolvimento. Há ainda esforços para corrigir a dispersão dos velhos militantes e cativar novos - o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) constata que os participantes atualmente são mais jovens e menos engajados.
"O fórum nasce da crítica à imposição do Consenso de Washington e do fortalecimento das lutas contra os tratados de liberalização do comércio internacional, da energia gerada nos protestos contra a OMC em Seattle, em 2000", recorda Cândido Grzybowski, diretor do Ibase e integrante do comitê internacional do FSM. "No ano passado, em Belém, isso já estava superado, a agenda socioambiental está emergindo muito claramente. Também não é só falar de neoliberalismo. Discutir globalização é pensar uma nova arquitetura para o mundo. Não é mais só o G-8 que decide, o G-20 tem um papel a cumprir na atual realidade geopolítica mundial. Como se constrói um novo multilateralismo?", questiona Grzybowski. Ele acrescenta que a crise financeira e o agravamento da questão ambiental revelaram uma globalização em colapso. "Não devemos continuar só entoando o lema "Um outro mundo é possível". É preciso mudar", completa.
Prova dessa "mudança de foco" é o aprofundamento das discussões e ações no campo ambiental em Porto Alegre e cidades vizinhas e em outras 26 localidades onde haverá programação do FSM 10, como Kpomassé (República do Benin, na África), Madri, Praga e Salvador. Segundo Grzybowski, os trabalhos vão debater o fracasso da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (CoP-15) e a preparação de entidades da sociedade civil para a CoP-16, na Cidade do México, no fim do ano. "O movimento ambientalista demorou alguns anos para aderir ao fórum, porque já tinha autonomia e estrutura para dialogar com governos e empresas. Mas quando se envolveu, foi criada a rede internacional de justiça ambiental."
O que não muda é a diversidade e o caráter não deliberativo do evento e suas centenas de atividades simultâneas - 500 seminários, painéis, palestras, reuniões compõem a agenda na região de Porto Alegre. "O fórum é um espaço de diálogo e articulações, nem sempre buscamos o consenso", avalia Grzybowski. Também continua idêntica a posição de contraponto ao Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suiça, que ocorre entre 27 e 31 de janeiro. "Nós representamos um poder constituinte e eles, um poder constituído. Superamos Davos em termos de agenda, até a "The Economist", que não é lá muito nossa amiga, reconheceu. Ano passado, meses depois da explosão da crise internacional, publicaram que Davos era um velório, enquanto o fórum de Belém estava em festa."
Mas enquanto Davos "velava" uma economia global prostrada - e alguns anos antes disto -, pouco se ouvia as vozes dos militantes altermundistas ligados ao FSM. Eduardo Mancuso, da coordenação-geral do Fórum Social no Brasil, reconhece que houve dispersão desde que o evento passou a ter edições descentralizadas, de 2006 para cá. "A conjuntura mundial mudou. No México e na Europa, os movimentos sociais têm perdido espaço, inclusive com eleição de governos conservadores", explica. Questionado sobre a pouca visibilidade e influência do FSM na discussão sobre os porquês da última crise - muitos deles sempre presentes na agenda do fórum, como os excessos da financeirização do mundo -, Grzybowski admite que a esquerda foi pega de surpresa. "Sempre questionamos o excesso de poder das corporações, anunciamos o problema nas discussões, mas esperávamos que essa crise fosse acontecer no tempo de uma geração, em 25 anos", completa.
E os atuais representantes da "esquerda e da democracia" latino-americana terão espaço nos dez anos do Fórum Social Mundial. Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Hugo Chávez (Venezuela), Evo Morales (Bolívia), Fernando Lugo (Paraguai) e o recém-eleito José Mujica (Uruguai) confirmaram presença. Lula também cumpre agenda no fórum de Davos, onde receberá o primeiro "Prêmio Estadista Global". Três pré-candidatos à presidência brasileira também devem ir a Porto Alegre: Dilma Rousseff (PT), Marina Silva (PV) e Ciro Gomes (PSB). José Serra (PSDB) não foi convidado.
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