A questão do aborto no contexto do Plano Nacional de Direitos Humanos (Artigo)
O Globo
28/01/2010
Edson de Jesus Sardano
O polêmico Plano Nacional de Direitos Humanos do Governo Federal, que avança corajosamente na defesa de alguns direitos e atropela outros, quando propõe a liberação do aborto, demonstra, entre uma saia justa e outra, uma grande contradição. Sem entrar no proselitismo religioso, gostaria de questionar a legitimidade das pessoas que tanto reivindicam a autonomia absoluta sobre o corpo da mulher, incluindo aí o direito a abortar.
Houve alguma espécie de consulta popular, alguma pesquisa ampla, ou meia dúzia de materialistas históricos estão querendo impor suas vontades goela abaixo do povo, sob o disfarce da liberdade e da redução de danos? Creio que há aí um viés ideológico muito maior que o enfoque de saúde pública, pois apesar dos milhares de abortos clandestinos e suas nefastas sequelas, nunca foi desenvolvida uma política de prevenção mais audaciosa. Por que não usar a mesma impetuosidade num programa de planejamento familiar? Está parecendo mais uma versão letal da queima de sutiãs do final dos anos 60 que, segundo consta, resumiu-se a pouquíssimas militantes e nem mesmo a fogueira aconteceu.
A lei brasileira já contempla o aborto legal em hipóteses até combatidas por alguns movimentos religiosos, mas perfeitamente compatíveis com a realidade e com o bom senso, como na gravidez decorrente de estupro ou no caso de risco à vida da mãe. Fora dessas duas situações, teremos o aborto eletivo, a confissão do fracasso da educação e das políticas de saúde pública, notadamente preventivas; enfim: falência total!
Acreditando em Deus ou não, é impossível negar que a natureza elegeu a fêmea para abrigar, como depositária, uma nova vida, única via da perpetuação da espécie, de modo que a gravidez é algo de fora para dentro. A criança não brota no útero espontaneamente, como uma divisão celular autônoma.
Dispor livremente do próprio corpo deve restringir-se ao próprio corpo. O feto é corpo alheio, colocado ali voluntariamente mediante parceria predeterminada, salvo na hipótese de violência, já contemplada pela lei, de modo que todo o investimento do poder público deve ser feito no sentido de promover uma política de prevenção ampla, sem hipocrisia, com farta distribuição de anticoncepcionais, camisinhas, inclusão do tema nos currículos escolares, para que a mulher só engravide quando quiser. Todavia, uma vez grávida, o interesse passa a ser humanitário, pois trata-se de outra individualidade, vindo ao mundo da única forma possível, o que transforma a gravidez em um direito humano, não individual.
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