Cresce o número de garotos que trocam namoro, sexo e a convivência com os amigos pela formação religiosa. Eles contam por quê
O Globo
19/01/2010
Lauro Neto
RIO - Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz e siga-me". As palavras de Jesus, que teriam sido pronunciadas há mais de dois mil anos, segundo o evangelista Marcos, ainda encontram eco entre jovens que alimentam o sonho de ser padres. Dados do último Anuário Católico (Centro de Estatísticas Religiosas e Investigações Sociais/Promocat) mostram que, de 2000 a 2008, o número de presbíteros saltou de 16.772 para 20.561 - aumento de 22,59%, quase o dobro do crescimento médio da população brasileira no período, de 11,85%. Como o primeiro passo para se tornar um padre é entrar para um seminário diocesano ou para uma ordem religiosa, fomos atrás de jovens em diferentes fases desse processo, que chega a durar 12 anos, como no caso dos jesuítas. Afinal, o que leva um cara em plena juventude a largar a namorada, os amigos, a família e os prazeres da vida mundana para seguir um caminho de provações como o celibato? As tentações são muitas (inclusive as sexuais), e alguns percebem, no meio do caminho, que não têm a vocação sacerdotal. Outros superam as privações da vida em comunidade, como o pouco dinheiro - que pertence a todos -, e continuam firmes na fé. Veja histórias daqueles que seguem o apelo do falecido papa João Paulo II: "Precisamos de santos que bebam Coca-Cola e comam cachorro-quente, que usem jeans e sejam internautas". E conheça as razões de quem pôs em dúvida a vocação religiosa.
O primeiro dia do resto de uma vida casta
Mauricio Fernandes viaja amanhã para Minas Gerais, onde ingressará na ordem franciscana conventual. Aos 22 anos, ele largou o curso de Letras da PUC e o conforto da casa da avó em Botafogo para se dedicar a Deus. No sábado, despediu-se dos amigos e da vida mundana num bar da Zona Sul carioca.
O desejo de ser padre se manifestou há dois anos, depois de Mauricio ter flertado com outras religiões como espiritismo, umbanda e judaísmo, além de um período de quatro meses fora de casa por desentendimentos com o pai e a avó. Como na parábola bíblica, o bom filho à casa tornou, renovado.
- Sonhava com o teatro, tinha feito vestibular para a Unirio, mas não passei. Eram muitas dúvidas em relação ao mercado de trabalho e à vida afetiva, pois queria encontrar uma namorada. Nessa fase turbulenta, me encontrei mais com Deus, buscando uma resposta - ele recorda.
Nesse período, Mauricio namorou duas meninas, mas sua maior adoração foi a São Francisco de Assis, santo que conhecia desde os tempos de criança, quando estudou no Colégio Santo Amaro, da ordem beneditina. Fez retiros no Mosteiro de São Bento, mas o silêncio, o claustro e o latim não o seduziram. Foi então que achou em casa uma revista franciscana em que havia um convite para um encontro vocacional. Mauricio participou de quatro, antes de dar seu "sim" a Deus no último 4 de outubro, dia do santo.
- Quando vi os freis dando a benção aos animais, fiz uma contemplação e me vi transportado para a época de Francisco de Assis. Orando com a imagem do santo, senti que era o meu momento - ele diz.
Desde então, ele se apaixonou por uma menina e ficou com outra:
- Fiquei pela necessidade hormonal, mas em momento algum coloquei o afeto por alguém acima da vocação. A partir de amanhã, terei uma vida absolutamente casta.
Quando Rafael Barros decidiu entrar no Seminário São José, em 2008, seus amigos e familiares não botaram muita fé. Sambista criado em Copacabana, ele deixou para trás um namoro de cinco anos e um noivado de dois pelo desejo de ser padre.
Meus vizinhos, que sempre me viam chegar com uma namorada diferente, não acreditavam - brinca Rafael.
Depois de um processo de discernimento vocacional de três anos, ele foi seminarista por um ano. Hoje repensa sua vocação sacerdotal fora do seminário e namora uma jornalista, mas diz que não foi isso o que mais pesou na decisão.
- Tinha dia no seminário em que eu só pensava em mulher. Caí em tentação algumas vezes, mas procurava evitar, pois a masturbação é um pecado contra a castidade. Mas a minha maior dificuldade foi conviver com os limites dos irmãos - conta Rafael.
Devoto de São Jorge, ele continua a frequentar missas e a fazer orações e garante que continua casto, mesmo namorando. É diretor de bateria de blocos de carnaval, percussionista do grupo de samba Nega Terê e mantém a rotina esportiva que não abandonou no seminário, quando jogou pelo Filhos do Céu Futebol Clube e foi campeão de atletismo.
- Jogava bola, corria e ia ao estádio torcer pelo Vasco. O seminarista é um jovem como outro qualquer - exagera.
No momento, Rafael "aguarda novos sinais de Deus" quanto à sua vocação, como quando viu o pai militar chorar pela primeira vez, em sua missa de envio, e dizer que teria orgulho de ter um filho padre:
- Podemos desistir de Deus, mas Ele não desiste de nós. A decisão cabe mais a Ele do que a mim.
Vocação surgiu num retiro
Gustavo Malta volta hoje de uma missão rural em Montes Claros (MG). Desde que decidiu se tornar um padre jesuíta, em 2006, sua vida tem sido "em tudo amar e servir", ideal de Santo Inácio, fundador da Companhia de Jesus. O chamado veio em um retiro de oito dias que fez numa casa de retiro jesuíta que fica em Itaici, na cidade paulista de Indaiatuba. O convite para o retiro partiu de uma diretora do colégio religioso onde estudou.
- Logo no primeiro dia do retiro, tive um experiência que mudou minha vida: rezei o texto em que Jesus chama os discípulos para irem para a outra margem do lago. Vi Jesus me chamando para segui-Lo e fui junto. Antes eu pensava em me casar - conta.
No início, sua mãe ficou triste com a decisão, mas hoje o apoia. Durante o noviciado, quando fez os votos, o contato com a família se restringia a alguns telefonemas mensais e a cartas. Malta sobrevivia com R$ 30 ou 40 por mês:
- E ainda sobrava. Peregrinei a pé e sem dinheiro de Campinas a Aparecida, com o intuito de me entregar aos desígnios de Deus. É incrível como encontramos nos mais pobres a caridade para ajudar.
Entre o casamento e o sacerdócio
Hebert Queiroz levou apenas 9 meses no Seminário São José, no Rio Comprido, para descobrir que tinha vocação para o matrimônio, o que não o impediu de querer continuar na vida religiosa. Em novembro de 2008, ele deixou de ser seminarista, mas hoje é coordenador dos coroinhas da sua paróquia em Brás de Pina.
- Nesse período, percebi que não queria ser padre, mas servir a Deus de forma completa. Jogávamos futebol todas as segundas e quartas num colégio e, quando via as crianças brincando, ficava pensando que não poderia ter filhos, e o desejo de constituir família falou mais alto - conta Hebert.
Ele diz que não viveu grandes tentações no período de internato e que lidou bem com o rigor da rotina de acordar às 5h30, ir à missa às 6h30, tomar café às 7h20, ter aulas das 8h às 12h20, almoço às 12h30, visitas a asilos ou hospitais na parte da tarde, oração às 18h30, jantar às 19h e recolhimento às 22h40.
- Era um dos mais disciplinados lá dentro. Quando disse que sairia, o reitor não acreditou - relembra.
Dois meses depois de sair do seminário, ele conheceu a atual namorada, com quem garante manter a castidade há um ano:
- Todo católico é chamado a ser casto. A maior vontade do sacerdote é celebrar uma missa. Percebi que a minha era a de aconselhamento espiritual, e eu não preciso ser padre para isso. Agora quero ser diácono.
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