“Medicamento não é bala mágica”, critica
especialista em HIV/Aids
por Clarissa Pains – O
Globo
Estudiosos dizem que, embora tratamento esteja
avançando, prevenção é o grande gargalo no combate à epidemia
RIO — Embora o número de
mortes relacionadas à Aids tenha caído 26,7% nos últimos cinco anos, como
mostra o relatório divulgado na terça-feira pelas Nações Unidas, a taxa de
novas infecções no mundo permanece quase a mesma. Em 2010, ocorreram 2,2
milhões infecções, e em 2015, foram 2,1 milhões. Para especialistas, isso
evidencia que o grande gargalo no combate à epidemia de Aids é a prevenção.
A queda na mortalidade
se deve, segundo a ONU, a um aumento expressivo no número de pessoas tratadas
com terapias antirretrovirais. Se em 2010 apenas 7,5 milhões de pessoas com HIV
recebiam medicamentos — o equivalente a 22,5% da população infectada na época
—, em 2015 a cobertura chegou a 17 milhões, isto é, 46% dos infectados. A marca
ultrapassou em dois milhões a meta da ONU para o ano.
No entanto, a queda no
índice de mortes poderia ser bem maior caso novas infecções tivessem sido
evitadas nos últimos cinco anos. O coordenador de projetos da Associação
Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), Veriano Terto Jr., critica o fato
de o relatório do Unaids, Programa das Nações Unidas para a Luta contra a Aids,
incentivar que parte expressiva dos investimentos globais seja no tratamento, e
não na prevenção do vírus.
— Se as políticas
públicas enfatizarem apenas o tratamento, deixando os programas de prevenção
como secundários, não será possível controlar a epidemia de Aids em 2030, como
a ONU estipula — afirma ele. — Não se pode achar que o medicamento é uma bala
mágica, que resolverá todos os problemas. É preciso educação sobre DSTs
(doenças sexualmente transmissíveis).
Ele faz uma analogia com
a situação da sífilis no Brasil. Os casos da doença não param de crescer,
apesar de já existir medicamento poara tratá-la desde 1927.
— Não é a existência do
medicamento, pura e simplesmente, que fará as pessoas não contraírem a doença e
não sofrerem com ela. É preciso fortes políticas públicas de prevenção para
combater doenças como a sífilis e a Aids — avalia Terto Jr.
DESIGUALDADE DE GÊNERO - Segundo
o relatório, o grupo de maior risco para o HIV é o de jovens e adolescentes,
sobretudo entre a população feminina. Mulheres de 15 a 24 anos representaram
20% das novas infecções em 2015, apesar de serem apenas 11% da população
contaminada. De acordo com o Unaids, desigualdade de gênero, pobreza, violência
e obstáculos para educação das mulheres e para o acesso a serviços de saúde
reprodutiva estão na raiz dessa vulnerabilidade maior.
O objetivo da ONU é
alcançar, até 2020, o modelo conhecido como “90-90-90”: diagnosticar 90% dos
infectados pelo HIV, oferecer terapias antirretrovirais para 90% dessas
pessoas, e alcançar supressão viral em 90% dos pacientes que recebem o
tratamento.
BRASIL: 12 MIL MORTES em 2014 - Um
mecanismo de prevenção que deve ser aprovado ainda este ano para uso no Brasil
é a profilaxia pré-exposição (PrEP), uma pílula que reúne dois antirretrovirais
— o tenofovir e a emtricitabina — e que pode ser tomada diariamente ou antes de
uma relação sexual para evitar a contaminação pelo vírus. A ideia é que ela
seja indicada para pessoas que se relacionam com quem tem HIV e para homens que
fazem sexo com homens, grupo que reúne a maior parte dos infectados no país.
Essa pílula já é aprovada nos EUA e na Europa.
— Há estudos indicando
que a PrEP chega a ser mais eficaz do que a camisinha, mas quem for tomá-la
precisa de acompanhamento médico, porque pode provocar efeitos colaterais — diz
Paulo Abrão, professor de Infectologia da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp).
O Brasil registrou 40
mil novos casos e 12 mil mortes em 2014, último ano com dados divulgados. Ambos
índices se mantêm estáveis em comparação com 2010. Para José Valdez Madruga,
coordenador do Comitê Científico de HIV/Aids da Sociedade Brasileira de
Infectologia (SBI), o estigma ainda é uma das principais barreiras no país.
— Existe muito
preconceito com a testagem, o que acaba atrasando o diagnóstico e, assim, o
início do tratamento.
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