COLUNA NO GLOBO
10/03/2010
Esse ângulo da questão da mulher é o que o professor José Eustáquio Diniz Alves chama de “déficit democrático”. José Eustáquio, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas, a Ence do IBGE, me mandou esse impressionante ranking com o qual preparei uma pequena lista para a ilustração abaixo. O Brasil está entre os piores. Ganha dos dez países que empataram no 141º lugar, com 0% de mulheres no parlamento, entre eles, a Arábia Saudita.
Há várias outras questões dentro dessa inquietante questão. O IBGE registrou uma pequena queda da diferença salarial entre homens e mulheres, agora as mulheres ganham 72% do que os homens ganham. Há uma tese de que o que explica a diferença de salário entre homens e mulheres é que elas têm carga horária menor. Os dados do IBGE mostram, sim, que essa diferença é de 4,6 horas semanais, mas evidentemente não é isso que explica a desigualdade.
O professor José Eustáquio acha que é preciso levar em consideração os dados da menor carga horária, na hora de calcular a desigualdade salarial, para não acusar o mercado de trabalho de produzir mais desigualdade do que normalmente produz. Mas ele acha que as mulheres muitas vezes são levadas ao trabalho com uma carga horária menor porque o trabalho doméstico e o cuidado com os filhos estão quase inteiramente sobre seus ombros:
— Está sendo feita uma revolução no mercado de trabalho, mas não está ocorrendo uma revolução nos lares. Está havendo uma feminilização da economia, mas não está havendo uma masculinização do serviço doméstico.
O estranho no Brasil é que quanto maior é a escolaridade, maior é a diferença salarial entre homens e mulheres. No grupo com curso superior completo, as mulheres ganham 62% do que os homens ganham. Quando o percentual é para toda a sociedade, é de 72%. E isso acontece apesar de ser menor a diferença de carga horária exatamente nessa faixa com mais escolaridade.
Na faixa de trabalhadores com 11 anos ou mais de estudo, há mais mulheres do que homens. Isso deixa mais evidente a discriminação que impede a mulher de chegar no topo das suas carreiras, tanto no setor público, quanto no setor privado.
— O acesso ao emprego público se dá por concurso, e isso neutraliza qualquer discriminação, mas quando se analisa os empregos com DAS (cargos em comissão), o percentual de mulheres vai caindo na proporção que o DAS vai subindo — diz o professor.
A revista “Economist” publica uma capa assustadora sobre a morte de meninas, ou aborto de meninas, em vários países do mundo, causados pela mistura perigosa do preconceito e da redução do tamanho das famílias. Na Índia e na China, as estatísticas mostram 120 meninos nascidos por 100 meninas. Normalmente, a natureza equilibra, e o percentual de meninos e meninas é praticamente o mesmo. Na China, na geração que nasceu em 1980, era 108 por 100. E agora já é 124 por 100. Em algumas províncias chinesas, chega a ser 130 por 100. Não estão deixando as meninas nascerem e esse desequilíbrio na população é crescente e tem provocado problemas sociais graves, segundo a “Economist”.
"A destruição é pior na China, mas tem se espalhado muito mais além. Há distorções de proporção entre homens e mulheres em outros países do leste da Ásia, incluindo Taiwan e Cingapura, países ex-comunistas, nos Bálcãs ocidentais e no Cáucaso, e até em algumas partes da população americana, como as de origem chinesa e japonesa.” A revista criou a expressão “gendercide”, para definir esse extermínio de um gênero, que ela acha que pode chegar a 100 milhões. “O gendercídio existe em quase todos os continentes.”
Meninas, eu vi. Vi muito avanço das mulheres nos últimos anos. Na minha vida profissional, elas foram de 18% para 44% do mercado de trabalho brasileiro. Mudaram valores. Conquistaram tanto. Ganharam até o Oscar de direção. Fizeram uma guerra ao terror da discriminação. Mas, meninas, ainda há muita briga pela frente.
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