17/01/2010
Jornal do Brasil
Lançar programas com objetivos irreais não é novidade. Se dependesse do que fica apenas no papel, por exemplo, o Brasil já não teria analfabetos e as doações de órgãos para transplante não teriam caído
A recente polêmica que envolveu o Plano Nacional de Direitos Humanos traz à tona uma discussão: as propostas dos planos nacionais são mesmo realistas? A julgar por alguns programas elaborados nos governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, a resposta é: nem sempre. Se as metas e os objetivos de alguns planos nacionais tivessem saído do papel, o Brasil hoje não teria analfabetos, haveria quase o dobro de turistas estrangeiros passeando por aqui e todas as nossas escolas seriam modernas. Veja a seguir como é o Brasil de fantasia dos planos nacionais.
Educação
No Brasil de fantasia concebido pelo governo FHC, não há analfabetos no país desde o final do ano passado. Essa era a meta estabelecida, por lei, no Plano Nacional de Educação, de 2001.
No Brasil real, a coisa é bem diferente. Segundo dados do IBGE de 2008, o número de jovens e adultos analfabetos ultrapassa 19 milhões - ou seja, 10% da população do país. Entre os países da América Latina e do Caribe, o Brasil amarga o nono lugar no ranking de analfabetismo.
Deixar de ter analfabetos não era a única previsão furada do Plano Nacional de Educação de FHC. Pelo programa tucano, todas as escolas de ensino infantil e fundamental do país, sem exceção, estariam funcionando, desde 2006, sob padrões europeus. Teriam sistema de segurança, mobiliário apropriado para crianças com necessidades especiais, visão para a área externa, material pedagógico apropriado e espaço para a prática de esportes, entre outras melhorias.
O governo FHC também estabeleceu metas irreais para as escolas de ensino médio. Pelo plano tucano, desde 2006, os professores de todos os estabelecimentos de ensino médio do país teriam diploma de ensino superior.
Cultura
Em 2008, depois de cinco anos de discussão interna, o governo Lula lançou as diretrizes do Plano Nacional de Cultura. Na apresentação, o então ministro da Cultura, Gilberto Gil, e o então presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia (PT-SP), ressaltaram o aspecto democrático do programa, segundo eles, "escrito por milhares de mãos". "Vivemos tempos de aprofundamento de nossa democracia e qualificação de políticas públicas", afirmaram Gil e Chinaglia. Lendo o plano, porém, percebe-se um viés intervencionista: o governo queria interferir na programação das TV comerciais.
O plano partia de um diagnóstico verdadeiro ("A diversidade cultural ainda não é satisfatoriamente representada nos meios de comunicação do país.") para propor uma intervenção: "(...) o Estado deve adotar iniciativas voltadas à expansão das estruturas de difusão e à regionalização dos conteúdos veiculados". Se tudo tivesse caminhado conforme o planejado, as TV comerciais hoje teriam "cotas de programação" de temas regionais e culturais.
A interferência na programação das TV comerciais também estava prevista no Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Elaborado no ano passado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, o plano sugeria a criação, ainda em 2009, de uma comissão encarregada do "controle social junto às redes de TV, programas de auditório e humorísticos a fim de coibir as discriminações por gênero, orientação sexual, identidade de gênero, sexo, etnia, geracional e deficiência". Era o governo impondo que o humor fosse politicamente correto.
Turismo
Em abril de 2003, quando ainda não tinha completado quatro meses de governo, o presidente Lula baixou o Plano Nacional de Turismo, que vinha sendo elaborado pelo seu antecessor, Fernando Henrique. A meta do plano era ousada: em 2007, num cenário de "condições ótimas de mercado", o Brasil teria 9 milhões de turistas estrangeiros, que gerariam US$ 8 bilhões em divisas. Caso as condições de mercado fossem apenas "boas", a previsão caía: 7,5 milhões de turistas estrangeiros e receita de US$ 7,1 milhões.
As metas do plano não passaram perto da realidade. Em 2007, o Brasil teve 5 milhões de turistas estrangeiros, que deixaram aqui US$ 4,9 bilhões. Ou seja, o governo conseguiu realizar apenas dois terços de sua meta menos otimista.
E não se pode dizer que as tais "condições de mercado" tenham conspirado contra o país naquele período. Em 2008, quando o Brasil repetiu o resultado do ano anterior (5 milhões de turistas estrangeiros), outros países da América Latina tiveram resultado comparativamente bem melhor. A Argentina recebeu um número de turistas quase igual ao do Brasil: 4,6 milhões. Países pequenos e de infraestrutura limitada também tiveram resultados significados. A República Dominicana, por exemplo, teve 3,9 milhões de turistas estrangeiros, equivalente a 78% do resultado brasileiro. Já o México registrou 22 milhões e turistas estrangeiros, número quase quatro vezes e meia maior que o do Brasil.
Saúde
No final de 2004, o governo Lula baixou, por meio de uma portaria, o Plano Nacional de Saúde. Uma das metas era aumentar as doações de órgãos em 30% a cada ano, até 2007. Como em 2004 foram registrados 7,6 doadores para cada
grupo de 1 milhão de habitantes, esse número deveria ter crescido para 16,7 em 2007. No entanto, no Brasil real, o que se verificou foi uma queda drástica nas doações. De acordo com a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), a relação de doadores para cada grupo de 1 milhão de habitantes caiu seguidamente em 2005 (6,4 doadores para cada grupo de 1 milhão de habitantes), 2006 (5,8) e 2007 (5,4).
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