Mulheres conjuradas (artigo)
Correio Braziliense - 16/04/2010
Frei Betto Escritor, é autor do romance Um homem chamado Jesus (Rocco), entre outros livros
Nessa cultura machista que nos assola, quase não se destacam as figuras heroicas de mulheres envolvidas com a Conjuração Mineira liderada por Tiradentes. Mulheres que assumiram a coragem de apoiar os homens que amavam, comprometidos com a principal conspiração de nossa história: a que pretendeu libertar o Brasil do domínio português.
Mulheres que padeceram a dor de ver seus companheiros presos, torturados, degredados, os bens sequestrados, a infâmia proclamada sobre sucessivas gerações, sem a esperança de, no futuro, voltar a abraçá-los. Só uma delas o conseguiu.
Tomás Antônio Gonzaga, quarentão, apaixonou-se por Maria Doroteia Joaquina de Seixas, 23 anos mais nova do que ele. Eternizada sob o pseudônimo poético de Marília de Dirceu, os poemas apaixonados teriam sido escritos antes de o autor enamorar-se dela. Segundo Tarquínio J. B. De Oliveira, a verdadeira Marília é Maria Joaquina Anselma de Figueiredo, viúva enricada, amante de Luís da Cunha Menezes.
Os atritos de alcova entre o governador e o ex-ouvidor de Vila Rica teriam dado ensejo a que este redigisse, sob autoria anônima, as Cartas chilenas, nas quais desprestigia Menezes, tratado pela alcunha de Fanfarrão Minésio.
Gonzaga, promovido para a Bahia, valeu-se do noivado com Maria Doroteia para prolongar sua permanência em Vila Rica e, assim, encobrir sua militância na conjuração. A delação de Silvério dos Reis os impediu de casar. O poeta, degredado para Moçambique, ali constituiu família. Maria Doroteia faleceu em Minas, aos 85 anos.
Bárbara Heliodora, mulher de Alvarenga Peixoto, teria evitado que o marido, uma vez preso, passasse de conspirador a delator. Ao ser decretado o sequestro de todos os bens dos conjurados, ela conseguiu provar ser casada em separação de bens e, assim, manter a posse do que lhe pertencia.
Nos meus tempos de grupo escolar, os alunos recitavam emocionados o poema que Peixoto, encarcerado no Rio, lhe dedicara: “Bárbara bela / Do Norte estrela / Que o meu destino / Sabes guiar, / De ti ausente / Triste somente / As horas passo / A suspirar. / Por entre as penhas / De incultas brenhas / Cansa-me a vista / De te buscar. (...)”
O romantismo criou o mito de que Bárbara Heliodora teria enlouquecido ao ver o marido condenado ao degredo na África. As fontes históricas atestam que soube gerir o seu patrimônio e educar os filhos José, João e Tristão, internados no colégio de Itaverava.
Outra mulher que merece destaque é Inácia Gertrudes, a quem Tiradentes recorreu, no Rio, à notícia de que o vice-rei o perseguia. Viúva de Francisco da Silva Braga, porteiro da Casa da Moeda, vivia com sua filha única, de 29 anos, a quem Tiradentes curara de uma chaga cancerosa.
Para evitar maledicências por abrigar o líder conjurado em casa de uma viúva e uma moça solteira, convocou seu sobrinho, padre Inácio Nogueira de Lima, e encarregou-o de procurar seu compadre, o ourives Domingos Fernandes da Cruz, que homiziou Tiradentes. Ali o prenderam.
Quitéria Rita era filha de Chica da Silva com o contratador de diamantes João Fernandes de Oliveira. Chica havia nascido escrava na fazenda do pai de padre Rolim; era, portanto, sua irmã de criação. O padre e Quitéria amasiaram-se, embora não vivessem sob o mesmo teto. Antes de ser preso, Rolim cuidou de internar Quitéria e as filhas no Recolhimento de Macaúbas (ativo até hoje).
Rolim passou 13 anos encarcerado em Portugal. Em 1805, aos 58 anos, retornou ao Brasil e bateu à porta do Recolhimento, onde resgatou Quitéria e os filhos, instalando-se em Diamantina. Como fiel Penélope, ela jamais perdeu a esperança de rever o amado.
Hipólita Teixeira, rica e culta, casou-se com o coronel Francisco Antonio de Oliveira Lopes. Preso o marido, e degredado para a África, teve ela todos os bens sequestrados. Foi ela quem contra-atacou, em carta ao Visconde Barbacena, governador de Minas, a delação de Joaquim Silvério dos Reis. E também redigiu e espalhou os avisos sigilosos dando notícias aos conjurados de que Tiradentes havia sido preso no Rio, a 10 de maio de 1789.
História é substantivo feminino. Contudo, nela as mulheres costumam figurar como mera adjetivação de heróis masculinos. É hora de voltarmos aos tempos em que os hebreus ressaltavam a atuação destemida de mulheres, a ponto de a Bíblia incluir três livros com seus nomes: Rute, Judite e Ester. Sem contar a erótica do Cântico dos cânticos e a gloriosa mãe dos sete irmãos mártires descrita no Segundo Livro dos Macabeus.
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