Falta governo na saúde
O Globo - 19/04/2010
Negativa de cirurgias, exames, consultas, próteses e órteses; demora na liberação de guias; aumentos abusivos; cancelamento unilateral do contrato. É notório que os planos de saúde são extremamente problemáticos e, reiteradamente, causam transtornos nos momentos em que o consumidor mais precisa.
Basta sair às ruas e colher a impressão dos cidadãos. Não é à toa que o setor ocupa, há dez anos, o topo do ranking de reclamações recebidas pelo Instituto de Defesa do Consumidor.
As reclamações sobre planos de saúde registradas nos Procons, compiladas no Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor, aumentaram, de 2008 para 2009, 20,39%. Mesmo os dados divulgados pela Agência Nacional de Saúde demonstram o aumento em mais de 78%, entre 2008 e 2009, de reclamações sobre planos de saúde recebidas pela agência.
Há que se considerar que muitas das questões que dizem respeito a planos de saúde são diretamente encaminhadas ao Poder Judiciário, por dizerem respeito a atendimentos emergenciais.
No Superior Tribunal de Justiça, última instância judicial a se manifestar sobre conflitos entre consumidores e operadoras de planos de saúde, entre 1991 e 1998 (pré-regulamentação) foram julgados oito recursos especiais sobre planos de saúde. De 1999 a 2008 (pós-regulamentação), foram 87 recursos especiais.
Dos casos julgados, 89,47% dizem respeito à negativa ou limitação de cobertura ou assistência médica, e deuse ganho de causa ao consumidor em 82,1% das demandas.
A Constituição Federal é clara ao determinar que “o Estado deve promover, na forma da lei, a defesa do consumidor” (art. 5o, XXXII). Mas a ANS reluta em exercer o seu papel de proteção e defesa do consumidor, chegando a afirmar, em correspondência enviada ao Idec, que “o funcionamento do mercado e o respeito às leis setoriais são outros aspectos por nós analisados e que terminam, por vezes, a afastar a própria aplicação da lei 8.078/90 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor)”.
Detalhe: pela legislação, o Código é norma que não pode ser afastada.
Diante de tal cenário, a ANS insiste em mitigar o seu papel regulador e em adotar postura regulatória ineficaz.
Além de resistir a aplicar o Código de Defesa do Consumidor, a agência não regula completamente planos de saúde coletivos e planos de saúde antigos — assinados antes de janeiro de 1999.
Enquanto a ANS sustenta que os planos de saúde coletivos não precisam de sua intervenção, nos Estados Unidos acaba de ser aprovada reforma do sistema de planos de saúde que contempla a regulação estatal sobre esse tipo de plano.
Os Estados Unidos são país extremamente liberal na condução da sua vida política, econômica e social. E mesmo lá já se chegou à conclusão que, em matéria de planos de saúde, o mercado não dá conta de se autorregular adequadamente, sendo necessária a intervenção do Estado. Quando no Brasil se fará o mesmo?
DANIELA BATALHA TRETTEL é advogada e assessora do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec).
Coretesia: Clipping Bem Fam(19/04/010)
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