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Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 14 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismo
- É aquela doença do passado que matou escritores como Franz Kafka e George Orwell e influenciou a obra do poeta modernista Manuel Bandeira, num tempo em que a tuberculose era considerada um estímulo à criatividade.
- É uma das mais graves ameaças atuais. Uma pandemia que provoca 1,7 milhão de mortes por ano. Uma praga que está se tornando cada vez mais resistente aos antibióticos e fazendo vítimas em todas as classes sociais. Qualquer um pode pegar a doença. No ônibus, no metrô, no avião.
Uma afirmação não exclui a outra. Infelizmente, elas se complementam. A tuberculose, que poderia ser apenas uma má lembrança, é nos dias de hoje uma ameaça concreta. A partir de segunda-feira (23) os brasileiros vão ouvir falar muito sobre tuberculose. O Rio vai sediar o principal evento mundial de combate à doença, organizado pela Organização Mundial da Saúde. Uma das estrelas do encontro será o ex-presidente de Portugal, Jorge Sampaio. Ele governou o país de 1996 a 2006 e atualmente é enviado especial da ONU na luta contra a doença. Conversei com ele por telefone, de Lisboa, para antecipar aos leitores desta coluna o que a imprensa vai divulgar na próxima semana.
Jorge Sampaio – Durante as últimas décadas ela deixou de receber atenção. Acreditava-se que ela não se desenvolvia como nos 50 anos anteriores. A indústria farmacêutica deixou de investir em novos antibióticos porque parecia não haver mercado para isso. Hoje vemos que a tuberculose não é algo dos tempos românticos. É uma pandemia atual. Mata 4,5 mil pessoas por dia. A cada ano, ocorrem 1,7 milhão de óbitos no mundo.
Sampaio – De forma nenhuma. O mundo todo está diante de uma nova ameaça complexa: a tuberculose multirresistente (MDR). Ela ocorre quando a pessoa abandona o tratamento e o bacilo se torna resistente aos antibióticos. Há algo ainda pior: a tuberculose extremamente resistente (XDR). Nesse caso, o bacilo resiste à maioria das drogas. Começam a aparecer casos de XDR em todos os países. Se esses casos continuarem aumentando, teremos uma situação gravíssima.
Sampaio – Não acho que seja uma vergonha. O Brasil teve um grande sucesso no combate à aids. E tem todas as condições de triunfar também na luta contra a tuberculose. O país tem bons serviços médicos de atenção à doença e investigação dos casos. Precisamos de pesquisa científica que possa levar à descoberta de novos fármacos e vacinas. O Brasil tem cientistas estudando isso. Eu me atrevo a dizer que o Brasil pode liderar os países fortemente afetados pela tuberculose. Estive na Favela da Rocinha no ano passado e conheci o belo trabalho que está sendo feito lá.
Sampaio – Com exemplos. Mostrando que qualquer pessoa pode ter a doença -- não apenas os pobres. A transmissão pode ocorrer em qualquer lugar: no ônibus, no metrô, nos aviões. Em Portugal, pessoas conhecidas que tiveram tuberculose aceitaram participar de propagandas. Isso funcionou muito bem. É preciso que os médicos estejam atentos aos sintomas e que a mídia divulgue esse assunto. Todo mundo precisa saber que a tuberculose existe e pode ser devastadora. Mas é curável.
Sampaio – Isso pode acontecer. Os poderes políticos precisam se comprometer a derrotar a tuberculose mesmo com a crise mundial. O agravamento da pobreza aumenta o risco de transmissão da doença. Precisamos chamar a atenção dos governantes e da sociedade. Precisamos mostrar que não podemos descuidar da tuberculose. Espero que os países do G-8 e do G-20 não esqueçam de suas doações. Teremos uma situação dramática se não conseguirmos manter o atual financiamento.
Sampaio – Vamos ter um balanço das medidas de combate à tuberculose no mundo. Vamos discutir o que está dando certo e se há novas maneiras de atacar a doença. Espero que a reunião do Rio produza um documento com conclusões sobre as ações globais. Isso é muito importante. A partir de 2006, as taxas de cura no mundo estacionaram. Precisamos avançar. Se conseguirmos tratar bem a tuberculose básica (a primeira a afetar o doente), vamos diminuir os casos de MDR e XDR.
Enquanto eu conversava com o ex-presidente, lembrava de pessoas de classe média que eu conheço e que tiveram a doença recentemente. Ela sempre esteve associada à pobreza porque desnutrição, más condições de higiene, alcoolismo e grandes aglomerações facilitam sua propagação, principalmente no inverno. Mas qualquer pessoa pode ter a doença.
A convite da OMS, a fotógrafa coreana Jean Chung registrou casos de vítimas da doença no mundo todo. Essas imagens foram feitas na Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro
Estima-se que um terço da população mundial carregue nos pulmões o bacilo de Koch, o causador da tuberculose. Na maioria dos casos, ele permanece latente. Mas 10% dos infectados desenvolvem a doença em algum momento da vida. Em geral, quando o sistema imune está enfraquecido - por desequilíbrios passageiros ou problemas graves como diabetes e aids. É muito comum encontrar pessoas que adoecem de tuberculose depois de um forte estresse, como o vestibular ou a queda da Bolsa de Valores.
O bacilo é disseminado por tosse e espirro. Os sintomas mais comuns são tosse por mais de 20 dias, febre, emagrecimento e suores noturnos. Os pacientes também costumam sentir dores no tórax. Se não for tratada, a doença destrói os pulmões.
A pior praga, a XDR, já foi identificada no Brasil. Dois casos foram registrados no Rio. A cepa está se espalhando rapidamente pelo mundo. Segundo a OMS, a perspectiva de uma epidemia de tuberculose intratável está diante de nós. Por isso é tão importante que o paciente siga o tratamento até o fim. Só isso podemos evitar que as cepas MDR e XDR se espalhem ainda mais.
Durante o evento, o Ministério da Saúde vai divulgar os dados nacionais sobre a doença. Vai mostrar que as taxas de cura estão aumentando. Um bom exemplo é o caso da Favela da Rocinha. A incidência nacional de tuberculose é de 48 casos a cada 100 mil habitantes. De todos os estados brasileiros, o Rio tem os piores números: 94 casos a cada 100 mil.
Na Favela da Rocinha, o índice era absurdamente alto: mais de 500 casos a cada 100 mil foram verificados em 2003. Atualmente, o número baixou para 440 a cada 100 mil. Ainda é altíssimo, mas o trabalho feito na favela está no caminho certo. Agentes comunitários são treinados para procurar novos casos e evitar que o doente abandone o tratamento.
Você conhece alguém que teve tuberculose? Qual a sua impressão sobre essa nova ameaça global? Queremos ouvir a sua opinião.
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