Quinta, 25 de fevereiro de 2010, 10h34
Somos presos a uma leitura moral da corrupção, diz Bignotto
Carolina Oms
Especial para Terra Magazine
Não é preciso buscar por muito tempo na memória ou no noticiário para encontrar algum escândalo de corrupção na vida pública brasileira. Denúncias não faltam. Documentadas, filmadas ou grampeadas elas envolvem vereadores, senadores, deputados ou presidentes da república e marcaram a imagem que o eleitor brasileiro tem dos seus eleitos.
Preocupados com essa percepção da gravidade do problema e em oferecer uma análise capaz de compreender o fenômeno para além dos fatos pontuais um grupo de intelectuais radicados na UFMG (os professores Newton Bignotto, Juarez Guimarães Leonardo Avritzer e Heloisa Maria Murgel Starling) estabeleceu um centro de estudos com o objetivo de aprofundar tais questões.
Um dos resultados desses estudos é o livro Corrupção Ensaios e Críticas, lançado recentemente pela editora da UFMG. Um dos organizadores do livro, o professor de filosofia Newton Bignotto, falou a Terra Magazine sobre o tema.
Terra Magazine - Qual a proposta do livro?
Newton Bignotto - A nossa preocupação com o livro é pensar a corrupção sob vários pontos de vista, para orientar e compreender o fenômeno da corrupção. Buscamos fazer uma obra de referência nesse sentido. Somos presos a uma espécie de leitura moral da corrupção.
O fenômeno da corrupção é muito complexo se nós o olhamos justamente nesse momento em que ele aparece. E quando a gente observa as razões mais longas, esses acontecimentos já se esvaíram. Então nossa preocupação é adotar uma visão linear do fenômeno da corrupção que muitas vezes se confunde com a preocupação moral. Tentamos observar o fenômeno da corrupção em toda sua complexidade.
Isso não nos levaria a pensar que a corrupção é algo inevitável?
A corrupção é fato no sentido de que ela é uma possibilidade da vida pública, mas ela não é uma necessidade. A gente tem que compreender na especificidade, por exemplo, nos índices de corrupção, o Brasil aparece com índices ruins, o que faz sentido. Mas ao mesmo tempo, países que estão sob o regime de ditaduras aparecem bem classificados. É por que não tem corrupção? Não, é por que ela não é investigada. Então é preciso evitar essa visão muito plana da coisa que mascara o fato. A ditadura não é menos corrupta, pelo contrário. Mas a partir do fato que você não apura esses desvios, a opinião pública é menos sensível, a imprensa não pode apurar por estar censurada...
Como o senhor avalia as recentes denúncias de corrupção e de captação ilícita de recursos de campanha no Distrito Federal e na cidade de São Paulo, respectivamente?
O que está posto é a mistura entre o público e o privado. Em que o lugar do poder é corrompido no momento em que a instância privada se apossa dos meios para que as pessoas que cheguem lá. Isso faz com que no Brasil haja uma permeabilidade muito grande.
E o pior, quando a gente fala da corrupção do agente público a gente esquecer que esse agente tem que ser corrompido por alguém. Ninguém pode se corromper sozinho e justamente aí os interesses privados tendem a bloquear essa segunda via de investigação do corruptor. No Brasil nós quase não temos investigação do corruptor.
O que falta para garantir que os corruptos e corruptores sejam punidos?
A influência que a mistura entre o público e o privado tem no sistema eleitoral confunde as coisas. As regras brasileiras já são por demais fluidas e permitem esse tipo de jogo. Uma reforma política se impõe, se você não dá transparência às campanhas, a possibilidade de que algo ocorra aumenta. Mas essa legislação precisa ser aplicada continuamente para que ela se imponha como regra, se não, o sentimento de impotência da sociedade só vai aumentar.
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