As outras chagas de Chagas
VEJA
22/FEVEREIRO/2010
Em abril, será lançada a primeira cartilha médica sobre a infecção causada pelo barbeiro. A doença agora ameaça moradores de grandes cidades e pode ser transmitida por via oral
Adriana Dias Lopes
A doença de Chagas sempre esteve associada à zona rural, em especial às populações mais carentes, sem acesso a condições sanitárias adequadas. Sua forma clássica de contaminação ocorre pela picada do barbeiro, um inseto que abriga em seu intestino o parasita Tripanosoma cruzi, causador da infecção. Nos casos mais graves, ela pode levar à insuficiência cardíaca, obrigando o paciente a um transplante de coração. Graças a um intenso programa de erradicação do barbeiro na zona rural de todo o Brasil, a Organização Pan-Americana da Saúde decretou, em 2006, o fim no país da infecção pelo contato direto com o inseto. A doença de Chagas parecia, assim, um problema superado. Em abril, porém, a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) pretende lançar a primeira cartilha para prevenção, diagnóstico e tratamento da doença. Isso porque, nos últimos cinco anos, as contaminações ressurgiram. Agora, elas ocorrem por via oral e estão disseminadas também nas áreas urbanas. Os casos mais recentes da doença de Chagas aconteceram pelo consumo de restos do barbeiro misturados a alimentos como o açaí e o caldo de cana. Os novos doentes já somam 600. O número de casos registrados cresce, em média, 20% ao ano.
"A transmissão pelo alimento é extremamente difícil de ser controlada", diz o infectologista João Carlos Dias, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e um dos responsáveis pelo Comitê de Doenças Parasitárias da Organização Mundial de Saúde (OMS). "Ao contrário da contaminação pela picada, ela não está limitada a uma população específica." O sinal de alerta para os riscos da infecção por via oral ganhou força em fevereiro de 2005, em Santa Catarina. De um único ponto de venda de caldo de cana, próximo à cidade de Navegantes, no litoral catarinense, 28 pessoas (entre as quais um turista italiano) foram contaminadas. O vereador Claudir Maciel, de Balneário de Camboriú, então com 33 anos, estava entre elas. Dez dias depois, num sábado à tarde, Maciel foi acometido por uma febre súbita de 40 graus, forte dor de cabeça e inchaço nos gânglios. No domingo, como os sintomas não cediam a antitérmicos, ele procurou um hospital. O diagnóstico veio por meio de um exame de sangue. "Fiquei surpreso", lembra o vereador, hoje curado. "Jamais imaginei que poderia ser contaminado com Chagas sem ter sido picado pelo barbeiro." Os sintomas da infecção costumam durar cerca de três semanas, e o tratamento é feito à base de medicamentos que atacam diretamente o parasita.
Em sua forma clássica de transmissão, o barbeiro pica sua vítima e, em seguida, defeca. Os parasitas contidos nas fezes do animal caem na corrente sanguínea da pessoa quando ela coça o local da picada. Nos casos da contaminação por via oral, o Tripanosoma cruzi entra na circulação sanguínea pelo trato digestivo. O parasita consegue sobreviver até 48 horas após a morte do barbeiro. É isso que explica por que o barbeiro ainda pode causar danos mesmo depois de morrer - em geral, durante o processo de moagem da cana e do açaí. Dessa maneira, a quantidade de parasitas que entram no organismo humano chega a ser dez vezes maior em relação à picada do barbeiro. "O intestino do barbeiro pode conter milhares de parasitas", diz o cardiologista José Carlos Pachón, do Hospital do Coração, em São Paulo. Por isso, a doença transmitida por via oral tende a ser mais agressiva. Além dos sintomas tradicionais, o paciente pode ser acometido por hemorragia intestinal. Um dos tópicos da cartilha sobre a prevenção da doença de Chagas é só consumir alimentos pasteurizados ou que tenham sido higienizados com hipoclorito de sódio, um composto capaz de matar o Tripanosoma cruzi.
Cortesia Clipping Bem Fam(22/02/010)
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