FAZER É MAIS FÁCIL QUE FALAR
Folha S. Paulo
22/02/2010
Doze anos depois, o Datafolha volta a sondar a sexualidade dos brasileiros. Entre avanços e recuos, ficou mais fácil falar de sexo e diminuiu a distância entre o comportamento do homem e o da mulher. Velhos tabus convivem com novas paranoias, como a obsessão pelo desempenho.
Liberados são os outros
Há descompasso entre a ideia que os pesquisados fazem do povo brasileiro e a imagem que têm de si mesmos em relação à sexualidade
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
DA REPORTAGEM LOCAL
Na visão de 45% dos entrevistados pelo Datafolha, os brasileiros, do ponto de vista sexual, são "totalmente liberados, abertos a qualquer experiência". Já 37% acham que, embora liberadas, as pessoas no Brasil fazem restrições a algumas experiências.
Curiosamente, quando os entrevistados respondem sobre eles mesmos, apenas 24% se classificam como totalmente liberados -ao passo que 42% declaram ter restrições.
Para a psicanalista Maria Rita Kehl, o descompasso entre a imagem que se tem dos outros e a que se tem de si próprio pode ser explicado pelo fato de a pergunta envolver uma "idealização da nacionalidade".
De forma análoga, argumenta ela, "você poderia dizer, como manda o clichê, que o brasileiro é alegre, sempre pronto a sambar, mas ao mesmo tempo considerar que você não é tão alegre assim".
A ideia do brasileiro liberado não estaria ligada necessariamente à atitude "na cama", mas a uma certa "sociabilidade cordial" que também se manifesta por meio do erotismo. "Aqui não há muitas barreiras morais no modo de olhar e vestir", diz ela. "Somos menos codificados" -o que poderia reforçar a imagem de liberação.
A pesquisa registrou aumento no total de pessoas que veem os brasileiros como totalmente liberados. Na sondagem de 1997, eram 21%, contra 45% agora. O que mudou?
Para o também psicanalista Contardo Calligaris, uma hipótese seria o aumento no prestígio da identidade brasileira, que vem se tornando mais bem vista nos últimos anos. "Os traços considerados proverbialmente positivos da identidade nacional, como um certo tipo de liberdade sexual, acabam sendo valorizados."
Mas Calligaris considera que, na vida real, a sociedade brasileira é restritiva. Nascido na Itália, com experiência de vida em Paris e Nova York, ele não vê comparação entre o padrão de liberação das grandes cidades brasileiras com o de Paris, por exemplo.
"Não me refiro a andar de sunga e rebolar quando toca um samba. Isso é cultura de praia, não é liberdade sexual. Se compararmos São Paulo, a cidade mais avançada do país, com Paris, mais liberada do que Nova York ou Roma, veremos que a sociedade urbana brasileira é cheia de restrições". diz.
Para ele, os brasileiros têm uma relação "modesta" com a prática da fantasia sexual. Para explicar, faz um paralelo com a culinária. "Muita gente acha que ninguém bate a cozinha brasileira por causa do picadinho com ovo a cavalo... Ora, o picadinho pode ser ótimo, mas é só alimentação. A cozinha começa quando a gente já renunciou ao picadinho ou o transformou em algo infinitamente mais sofisticado." O mesmo ocorreria no plano da fantasia.
Maria Rita Kehl discorda: "Será que as pessoas fantasiam menos ou estão tranquilas com suas fantasias e não falam muito delas com analistas? É uma possibilidade", questiona.
Preguiça de fazer sexo ou sinal de libertação?
23% estavam havia 8 meses sem sexo, no momento da pesquisa
Oito meses sem transar é muito? De janeiro ao início de setembro de 2009, 23% das pessoas consultadas pela pesquisa não haviam tido relações sexuais. A maior parte está na faixa de 35 a 60 anos.
"O número não me espanta. Ao contrário, acredito que, na vida real, possa ser maior", diz o psicanalista Contardo Calligaris. Ele também não estranha que 23% dos "sem-transa" sejam casados.
"Podemos morar com um parceiro ou parceira charmosíssimos, ficar nos acalentando, dormir juntinhos... mas transa é algo que precisa ser cultivado. E cultivar o desejo de transar é cultivar fantasias. Quem tem certa preguiça para isso acaba transando menos."
Contardo chama a atenção para outro aspecto: "Como terapeuta, posso testemunhar que há uma dificuldade de achar alguém interessante, não necessariamente para casar e ter filhos, mas só para transar".
Para Maria Rita Kehl, o número também não provoca estranheza. Ela imagina que a situação atual possa ser um avanço em relação ao passado. "Talvez, há 50 anos, muito mais gente se conformasse com a ideia de que a relação sexual acaba na separação, na viuvez ou no amadurecimento", diz.
A psicanalista levanta a hipótese de que o dado possa ser também um sinal de libertação da "obrigação de fazer sexo", algo que teria se tornado muito presente no mundo pós-1968. "A obrigação pode gerar um efeito contrário, a pessoa dizer: chega, quero ficar sem, não sou obrigado", diz. (MAG)
O tabu da masturbação resiste
Maioria diz que se masturbar é "saudável e natural", mas não assume a prática; dificuldade com o tema é mais gritante entre as mulheres
Inacreditável. Sessenta por cento da população do país não se masturba. A maioria dos brasileiros pesquisados reconhece que a prática é "saudável e humana", mas não a admite, na hora de preencher o questionário sobre os próprios costumes.
As mulheres elevam a taxa da população brasileira que supostamente não se toca: 78% disseram não ter o hábito. Entre os homens, metade afirmou o contrário.
"Esse resultado só mostra que a mulher ainda não pode falar no tema", diz a antropóloga Mirian Goldenberg. A psicanalista Regina Navarro Lins acrescenta: "Embora elas se masturbem menos que os homens, não é nessa proporção que aparece na pesquisa".
Pelo menos nas regiões mais desenvolvidas do país, as mulheres estão se masturbando mais, "ainda com muita culpa", fala a psicanalista. No raciocínio dela, um termômetro é o crescimento do mercado de sex shops, "que têm muito mais objetos para as mulheres".
Na última década, o homem deixou de ser o maior alvo dos sex shops -talvez por isso muitas lojas adotem agora a classificação de "butique erótica". Nesse negócio, que cresce 15% ao ano, o público feminino já responde por mais de 70% das vendas, segundo a Associação Brasileira do Mercado Erótico.
"As brasileiras compram esses produtos para a masturbação. Poucas têm coragem de usá-los com o companheiro, porque ele compete com o vibrador, acha ofensivo. São tantas que não têm coragem de potencializar seu prazer nem sozinhas, quanto mais com parceiros", diz Navarro Lins.
Os números acanhados da masturbação feminina impressionam até o psiquiatra Joel Rennó Júnior, coordenador do Pró-Mulher do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. "É surpreendente perceber que, apesar das conquistas dos últimos anos, o tabu persiste." Ele diz ainda ver, na prática clínica, homens chocados ao descobrir que suas parceiras também se divertem sozinhas.
A dificuldade de admitir a masturbação é a dificuldade de admitir a importância do prazer na vida, na tradução didática da educadora Maria Helena Vilela, do instituto Kaplan -Centro de Estudos da Sexualidade Humana. "Para a mulher que não se estimula sozinha, é mais difícil aprender a gozar numa relação a dois", lembra.
A mulher não pratica ou não assume a masturbação porque não pode mostrar que gosta de sexo. "É evidente que a mentalidade mudou muito, mas a mudança de comportamento é bem mais difícil. Predomina ainda a crença do século 19 de que mulher séria não gosta de sexo", diz a psicanalista.
É por isso também, segundo ela, que algumas não transam no primeiro encontro, ou não telefonam para o homem do seu interesse. Agem por condicionamento e estratégia, para não ""assustar" o homem com sua autonomia sexual, para evitar o julgamento e o descarte. "Algumas fingem tanto que acabam se convencendo de que não gostam de sexo", afirma.
Rennó reforça: "Mesmo que não se dê o direito ao prazer, toda mulher saudável, tenha a idade que tiver, gosta tanto de sexo quanto o homem".
Dar e receber
Pode ser. Mas eles gostam muito mais de sexo anal do que elas. Embora 57% das mulheres afirmem praticar essa variação, mais da metade dessas declaram não gostar. Entre os homens, 72% praticam, 22% dos quais dizem não gostar.
"Homens têm fixação no ânus, relatam que é mais apertado e quente que a vagina, por isso a relação seria mais prazerosa", diz Vilela. Segundo a educadora, a resistência maior da mulher está ligada ao fato de que essa prática exige dela um nível muito alto de excitação, para ultrapassar o desconforto.
Outro problema para a mulher é que o sexo anal ainda tem conotação pejorativa, socialmente. "É mais sacana. Exatamente por aí que estimula mais o homem", analisa Vilela.
Os homens também se divertem muito mais fazendo sexo oral nas parceiras, do que elas, neles. A pesquisa mostrou que 81% deles praticam a modalidade e que só 14% desses não gostam. Entre as mulheres, 72% praticam, mas 24% dessas disseram não gostar. Por que fazem, então? "Porque é dando que se recebe", brinca Maria Helena Vilela. (HELOÍSA HELVÉCIA)
Segue alta a porcentagem de brasileiras que não sentem prazer; para essas,a proposta do tantra é separar mente e corpo
Quem só conhece o sexo sem orgasmo pode recorrer ao orgasmo sem sexo, desenvolvido, praticado e transformado em terapia por um grupo de tantra.
Numa definição tosca, tantra é a linha hinduísta que busca evolução espiritual a partir do prazer. Para ampliar a potência sexual, atingir hiperorgasmos e abrir a consciência, tantristas usam métodos milenares.
Usam também vibrador, no caso do centro Metamorphosys (centrometamorfose.com.br), que funciona em várias capitais. Em São Paulo, suas três unidades são procuradas por mulheres com anorgasmia e homens com ejaculação precoce e impotência.
"Recebemos mulheres com 40, 50 anos, que conhecem orgasmo aqui, pela primeira vez", diz a terapeuta Deva Manisha, uma loira com sotaque alemão que trocou o diploma de letras pelo caminho do tantra.
Na descrição dela, o que lá chamam de orgasmo é um estado de percepção diferente, uma sucessão de ondas de energia que faz todo o corpo vibrar.
"Aqui, elas experimentam a ejaculação feminina logo na primeira sessão, têm orgasmos contínuos e atingem a supraconsciência", vende Manisha. Sim, mas qual é a técnica? "Difícil explicar com palavras, o tantra é sensorial. É preciso passar pela experiência."
Quem passou pela experiência, como a atriz paulistana V.R., diz que a massagem "yoni" (vagina, em sânscrito) "leva a um êxtase superior ao alcançado em relações sexuais".
Mas é tudo "sem malícia": "É um atendimento profissional, sem intenção sexual ou afetiva entre cliente e terapeuta". Na comparação dela, é como ir ao dentista extrair um dente.
Só que será extraído um orgasmo. V., de 47 anos, resolveu procurar o centro de tantra porque depois de sair de um casamento de 20 anos não conseguia mais se entender na cama com nenhum namorado novo.
A atriz conta que, na sessão, a paciente se deita nua sobre um colchão forrado, porque provavelmente vai ejacular. O ou a terapeuta (o cliente escolhe) coloca uma luva cirúrgica. As outras ferramentas são óleos, lubrificante e um vibrador, que não se parece com um pênis.
Não se parece porque toda a conduta ali tem o objetivo de neutralizar as projeções, as memórias e o erotismo. "Usamos estímulos físicos nos genitais para despertar a inteligência sexual do corpo. São diferentes dos estímulos psicológicos, disparados por recordações ou fantasias sexuais", explica Manisha. "Quando você dissocia o pensamento do orgasmo, posso dizer que ele vem, é garantido."
A massagem começa com toques na parte interna das coxas, que lembram os da drenagem linfática e visam a umidificação da vagina. Em seguida, há toques na pélvis, na virilha, na vulva, nos lábios externos e internos, no períneo.
O clitóris é manipulado e alongado, em um método criado pelo fundador do centro, Deva Nishok. Segundo ele, é possível aumentar o tamanho desse órgão (e o prazer), liberando-o dos vínculos ligamentosos do osso púbico. É a fase, na massagem, chamada de "extrusão do clitóris".
No final da sessão, o terapeuta usa o vibrador em vários pontos dos genitais da mulher.
"São estimulados pontos internos também, como o G. Quando a vibração começa, eu choro, me alivia. As ondas se espalham pelas áreas sensíveis e acordam outras, muitas, que estavam adormecidas. O prazer toma o corpo todo, são muitos orgasmos. É fantástico", diz V.
Ela afirma que foi buscar ajuda para a falta de prazer nas relações, mas achou um sistema de cura mais profundo. "Depois da massagem, sinto alívio emocional. Fico em um estado diferente que dura uma semana."
Muitas endorfinas, oxitocinas e serotoninas depois, a atriz levou o namorado ao centro. Ela aprendeu a fazer nele a massagem "lingam" (pênis) -na qual, segundo Manisha , o homem prova até quatro ejaculações e de oito a dez orgasmos secos, tudo isso em uma hora e meia. E ele aprendeu a fazer nela a "yoni". O casal incorporou as técnicas tântricas nas suas relações, final feliz.
Mas espera aí: terapeuta faz cliente gozar como nunca, e não acontece jamais nenhuma confusão entre esses dois humanos? Nenhuma paixonite, nenhuma dependência, nenhuma transferência?
"Também pensei que fosse impossível", depõe o terapeuta Evandro Palma. "Afinal, é um corpo ali à disposição, e você vai proporcionar tudo aquilo para ele. Mas esvaziamos o conteúdo erótico disso, separamos orgasmo do sexo. Trabalhamos a energia sexual, mas o foco é expansão espiritual", diz.
Segundo ele, a pessoa não fica dependente da técnica. "A gente viabiliza, mas o orgasmo é de quem sente", diz. E fecha: "Ao perceber a grande descarga energética que seu corpo é capaz de produzir, a pessoa fica autônoma, para de enxergar o parceiro como projeção de si, o que facilita as relações."
É pagar -R$ 299 por 90 minutos de loucura- para ver. (HH)
Entre o armário e o preconceito
Só 2% dos brasileiros se declaram homossexuais; estudos mostram que esse grupo já representa até 12% da população mundial.
Cortesia Clipping Bem Fam(22/02/010)
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