"Eu desisto"
Cansado de ser chamado de "ladrão e bandido", o secretário-geral do PT, José Eduardo Cardozo, diz que não disputa mais a eleição
Octávio Costa Promiscuidade, descrédito, desestímulo e decepção. Citando essas palavras para definir a atividade política no País, o secretário-geral do PT, deputado José Eduardo Cardozo (SP), anunciou que está fora da próxima campanha eleitoral. “Eu desisto da Câmara”, disse. Segundo ele, o escândalo do Mensalão fez seu eleitorado encolher de 300 mil para 129 mil votos. Em muitos lugares, Cardozo ouvia a pergunta: “O sr. também recebe Mensalão?” Em outras ocasiões, incomodou- se em ser tratado “socialmente” como ladrão ou bandido. “Perdi a paciência”, afirmou em entrevista à ISTOÉ. A desistência de Cardozo ocorre depois de ele ser preterido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o Ministério da Justiça e também de perder uma disputa interna para assumir a presidência da legenda. No entanto, o deputado aponta como maior motivo de sua decisão, depois de duas legislaturas, o modelo de financiamento de campanha no País. “Esta é a porta de entrada para a corrupção”, disse Cardoso. Aos 51 anos, o dirigente petista – mesmo sem mandato – vai continuar na vida política e até admite ter alguma recaída no futuro e voltar a concorrer a um cargo majoritário. Mas pretende, agora, dedicar-se à função de procurador do município de São Paulo, à conclusão de um doutorado e ao magistério. “Uma pessoa me perguntou: o sr. também recebe Mensalão? Tive de me conter. O descrédito é grande” “Você é misturado na bacia das almas e, se for acusado, não adianta explicar” “Não tem sentido permanecer deputado sem estímulo para o mandato. Seria um engodo com os eleitores”
ISTOÉ – Por que o sr. decidiu não se candidatar à reeleição?
Cardozo – Com as regras em vigor, a possibilidade de ser exposto a uma execração judicial e pública é muito grande, mesmo se comportando com correção. Percebi o encarecimento gradativo das campanhas. Isso torna muito difícil uma pessoa de princípios éticos obter recursos.
ISTOÉ – Não é possível atuar dentro da lei?
Cardozo – Independentemente de sua postura ética, você é tratado como ladrão, como um bandido, socialmente, mesmo sem acontecer nada. Tem gente doando para gente que faz coisas erradas. E você é misturado na bacia das almas. E, se for acusado de alguma coisa, não adianta se explicar. Ninguém vai acreditar. Amanhã ou depois um doador seu é metido numa falcatrua e surgirá logo o nome de quem recebeu o dinheiro. Mesmo sem ter nada com aquilo, as pessoas vão dizer: “Até você, hein?” Por isso, alguns filhos de parlamentares nem sequer dizem que o são. Se revelarem, ouvem logo o seguinte comentário: “Seu pai é ladrão”.
ISTOÉ – O sr. já passou por situações assim?
Cardozo – Pelo simples fato de eu ser parlamentar, fui atacado várias vezes. Durante uma palestra sobre tema jurídico, uma pessoa me perguntou: “O sr. também recebe Mensalão?” Tive de me conter. Houve até jogo de futebol em que as pessoas gritavam, “Mensalão, Mensalão”. O descrédito é tão grande que, mesmo depois de eu dizer que vou deixar a Câmara, fui imediatamente questionado. Recebi um e-mail de uma cidadã dizendo que vou sair, mas vou ganhar carro oficial e direito a aposentadoria de dois mandatos. De onde tiraram isso?
ISTOÉ – Mas os políticos não dão motivos para que isso ocorra?
Cardozo – No nosso sistema eleitoral, a relação entre o doador e o beneficiário é uma linha ética muito tênue. Por mais que se estabeleçam critérios, isso acaba trazendo problemas.
ISTOÉ – Aconteceu com o sr.?
Cardozo – Já. O empresário doou dinheiro porque tenho postura ética, mas depois disse que se eu indicasse uma pessoa para um cargo no governo não teria mais problemas em minhas campanhas. Logo, é uma relação muito difícil entre os doadores e os beneficiários. Há uma promiscuidade muito grande na relação de financiamento eleitoral. O pior momento para um candidato é sair atrás de dinheiro de campanha. A porta de entrada da corrupção no Brasil é o nosso sistema de financiamento eleitoral. Eu afirmo isso com todas as letras.
ISTOÉ – Um parlamentar não é capaz de mudar isso?
Cardozo – Depois que um parlamentar vende a alma para o diabo, ele não sai mais do inferno. E assim reforça a concepção preconceituosa sobre a classe política. Reforça a ideia de que todo político é bandido. E isso tem um efeito colateral perverso: você legitima o bandido.
ISTOÉ – O Mensalão do PT não contribuiu para esse desgate?
Cardozo – De fato, na eleição de 2006 eu tive uma redução brutal em meus votos, de cerca de 300 mil em 2002 para 129 mil, por causa do Mensalão e dos aloprados. Há, sem dúvida, companheiros do partido que erraram. O Mensalão existiu.
ISTOÉ – Seu adeus à vida parlamentar é definitivo?
Cardozo – Perdi a paciência. Não tem sentido permanecer deputado sem estímulo para exercer o mandato. Seria um engodo com os eleitores. Desisto da Câmara dos Deputados.
ISTOÉ –Vai abandonar a política?
Cardozo – Não deixo a vida política. Vou participar da campanha presidencial e não descarto a possibilidade de, no futuro, disputar campanhas majoritárias (prefeito e governador).
ISTOÉ – Mas não é a mesma coisa?
Cardozo – No caso do candidato majoritário, a relação com os doadores é diferente.
ISTOÉ – Qual é a diferença?
Cardozo – É o partido que arrecada. Você não tem que correr o chapéu.
ISTOÉ – O sr. recentemente perdeu a eleição para presidente do PT e foi preterido também na substituição de Tarso Genro no Ministério da Justiça. Isso não pesou na decisão?
Cardozo – Não fiquei abalado por isso. Na verdade, eu tinha clareza que as possibilidades de ganhar as eleições no partido eram ínfi mas. Foi mais para colocar ideias. Hoje nossa corrente tem 20% dos votos no partido, o que foi um avanço. Na questão do Ministério da Justiça, eu já tinha vontade de não disputar as eleições. E quando veio a sondagem para ser ministro da Justiça era uma boa alternativa. Meu problema estaria equacionado, mas o presidente optou pela linha de secretários-executivos. Mas minha decisão já estava tomada.
ISTOÉ – Quanto custa para se eleger?
Cardozo – Na última campanha, gastei R$ 1,5 milhão e achei muito caro. Agora, esse seria o mínimo.
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