Estatuto da Criança e do Adolescente ainda é teoria, diz especialista
Agencia Brasil
13/07/2010
Brasília - Vinte anos depois de sancionado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o texto proporcionou vários avanços na proteção dos direitos específicos, mas muita coisa ainda precisa melhorar, segundo o representante do Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (Conanda) Ariel de Castro Alves. Se, por um lado, 98% das crianças tem acesso à escola, a qualidade do ensino, por exemplo, ainda é uma meta a ser alcançada.
“A qualidade do ensino precisa melhorar bastante. As próprias pesquisas dos últimos dias mostram exatamente isso, no ensino infantil a questão das creches também é um problema grande. Só 15% das crianças até 3 anos são atendidas no Brasil. Temos mais de 11 milhões de crianças nessa faixa etária, e apenas um 1,7 milhão [delas] são atendidas por creches”.
Outro problema citado pelo conselheiro é a violência e a exploração. “Em média 16 crianças e adolescentes são assassinados todos os dias no Brasil, o número 100, que é o disque denúncia, recebeu mais de 130 mil denúncias de maus-tratos, de abusos, de exploração sexual desde 2003. Uma média de 92 denúncias diárias atualmente.”
A professora Maria Lúcia Leal, do departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB), diz que o estatuto é uma legislação revolucionária, mas que os seus 241 artigos ainda não foram colocados em prática. “Uma coisa é o direito estar constituído, outra coisa é o direito estar construído efetivamente e refletir diretamente na qualidade de vida de crianças e adolescentes, em todos os sentidos.”
Para os próximos dez anos, o Conanda pretende reforçar a prioridade dos orçamentos do governo para garantir políticas públicas para crianças e adolescentes. Outro ponto a ser reforçado é o fortalecimento dos conselhos tutelares, além da ampliação das varas da Infância e Juventude e a implantação das delegacias especializadas.
Falta cobrança da sociedade para a implementação do ECA, avalia associação
No Brasil existem 61 milhões de crianças e adolescentes de até 18 anos, o que equivale a um terço da população nacional. Para a presidente da Associação Brasileira de Magistrados e Promotores (ABMP), Helen Sanches, após duas décadas de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), há muitos avanços, mas a sociedade brasileira ainda não exige a sua implementação. A Lei nº 8.069, que criou o ECA, foi sancionada no dia 13 de julho de 1990, dois anos após a promulgação da Carta Magna de 1988.
“O ECA foi um novo marco legal nas leis que integravam a Constituição. Antes as crianças e os adolescentes só eram vistos e lembrados quando cometiam delitos. Os desafios vêm no sentido de aprimorar as estruturas e se apropriar do seu conteúdo. Falta cobrança da própria sociedade”, enfatiza.
Com o ECA, várias mudanças conceituais e estruturais ocorreram. O estatuto substituiu o antigo Código de Menores, a Lei Federal nº 6.697/79, que enfatizava o aspecto punitivo e não os direitos das crianças e dos adolescentes.
Outra novidade foi a criação dos conselhos tutelares, responsáveis por zelar pelo cumprimento dos direitos da criança em cada município. Atualmente existem conselhos em 98% das cidades brasileiras. Segundo Helen Sanches, apesar da falta de estrutura, os conselhos são uma conquista.
Para Margarida Marques, da Coordenação da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced), não bastam leis. Ela defende a mudança na mentalidade sobre a criança e o adolescente.
“A legislação é avançada, mas as mentalidades não mudaram na sua essência. Quando se pensa em ECA, pensa-se em adolescente em conflito com a lei”, diz.
Existem no país 17,5 mil adolescentes em conflito com a lei em unidades de acolhimento. A subsecretária nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, da Secretaria de Direitos Humanos (SDH), Carmen Oliveira, destaca que as medidas socioeducativas são uma das questões mais difíceis na implementação do estatuto.
“Existe uma volúpia punitiva que coloca o adolescente [em conflito com a lei] como um inimigo social, mais do que uma vítima que precisa ter mais oportunidades para sair da carreira delitiva. O dado promissor é que a taxa de crescimento [da internação] passou de 102% entre 1996 e 1999 para 9% entre 2006 e 2009, o que demonstra uma redução [no ritmo de aumento desse índice].”
Carmen reforça a necessidade de se garantir a toda criança e a todo adolescente as mesmas oportunidades.
“Algumas áreas como a saúde e a educação estão próximas à universalização, mas ainda longe da qualidade necessária. O estatuto não está voltado apenas à implementação para segmentos pobres da população. A questão das drogas, do abuso sexual e das práticas de humilhação como o bullying [agressões físicas ou verbais recorrentes nas escolas] são preocupantes também na elite”, destaca.
De acordo com o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), em 20 anos, a mortalidade infantil diminuiu 58%, passando de 60 mortes em cada grupo de mil crianças nascidas para 19 por mil. Na área de educação, apenas 15% das crianças de até 3 anos têm acesso a creches no Brasil. Isso significa que, dos 11 milhões de pessoas nessa faixa etária, apenas 1,7 milhão de meninos e meninas são atendidos.
Segundo Carmen Oliveira, o grande legado dos 20 anos do ECA é a constituição de um plano decenal para as ações voltadas à infância e à adolescência, uma decisão tomada na 8ª Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, realizada em 2009. O documento ainda precisa ser aprovado pelo Conanda e pelos principais conselhos setoriais, que atuam em áreas como saúde, educação e desenvolvimento social.
“Pela primeira vez teremos um plano de médio prazo que projete prioridades, metas e ações para a próxima década. Em direitos humanos precisamos ser suprapartidários e trabalhar na perspectiva de política de Estado e que tenha a necessária continuidade”, salienta.
Após a aprovação, o Conanda irá pedir aos candidatos à Presidência da República que assinem um termo de compromisso com o plano.
Cortesia: Clipping Bem fam(13/07/010)
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