Agora que termina a Copa do Mundo e os olhares retornam para as preocupações diárias que norteiam o nosso caminhar, surgem no horizonte de nossas preocupações as próximas eleições em nosso país.
Começam a aparecer as orientações emanadas pelas Dioceses, Regionais da CNBB, grupos organizados ligados à Igreja que publicam documentos sobre o assunto. A nossa Conferência Episcopal, na Assembléia Geral ocorrida em Brasília no último mês de maio, também publicou algumas orientações gerais sobre o momento presente.
Um dos fatores novos nas eleições deste ano é a lei chamada de “ficha limpa”, aprovada pelo Congresso Nacional, sancionada pelo Executivo e confirmada pelo Judiciário para vigorar já neste ano.
Porém, devido ao teor da mesma, são muitas as discussões a respeito da validade da chamada Lei da Ficha Limpa. É inegável que a referida lei busca, principalmente, moralizar a atividade política brasileira que atualmente encontra-se tão desgastada diante dos sérios problemas advindos das eleições e mandatos anteriores. Ocorre que, apesar do referido instituto ter sido brilhantemente aprovado pelo Tribunal Superior Eleitoral no último dia 17 de junho, o citado diploma legal vem sendo questionado na Justiça por diversos setores da sociedade e também candidatos.
Em breve síntese, a Lei da “Ficha Limpa” determina que políticos condenados pela Justiça, em decisão colegiada, não poderão ser candidatos ao próximo pleito eleitoral. Seu principal objetivo é concretizar os anseios da sociedade, de que a política brasileira necessita urgentemente ser moralizada através da admissão de políticos honestos, que deverão assumir os cargos eletivos existentes na administração pública. Segundo a referida lei, o político que tiver condenação por órgão colegiado não poderá se candidatar, tampouco assumir o cargo almejado.
Outra lei, mais antiga, também procura ajudar o Brasil para que tenhamos eleições com candidatos que respeitam o país e o eleitor não comprando votos, pois costuma existir a prática de “doar, oferecer, prometer, ou entregar ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública”. É a Lei n.º 9.840, de 1.999.
Outro importante benefício instituído pela Lei da Ficha Limpa é o fato de ela poderá ser aplicada já para a próxima eleição, que será realizada no mês de outubro. Essa possibilidade representa, a bem da verdade, o anseio da população, desejosa de ver o país andar ainda mais nos caminhos da justiça e do progresso. Além da aplicação da lei, o importante é que o assunto, discutido e noticiado, cria uma mentalidade no eleitor que pensará melhor ao escolher os seus candidatos.
Atualmente assistimos a várias tentativas de medidas judiciais para que não vigore a referida lei. Será muito importante que, além da nova mentalidade que cresce com a discussão, o eleitor reflita sobre as razões que levam a tal situação e, muito além das leis e do ordenamento jurídico, perceba a ética e os interesses que estão aparecendo com esses gestos.
O que se espera das decisões a serem proferidas pelo Judiciário, a respeito desses pedidos de liminares, é que o interesse social prevaleça sobre o interesse particular, a fim de que a letra da Lei da Ficha Limpa não seja considerada letra morta.
Para que a Lei da Ficha Limpa tenha real validade e aplicabilidade deve prevalecer o entendimento adotado pelo eminente Ministro Ricardo Lewandowski, Presidente do TSE, segundo o qual: ”O eleitor pode ter certeza de que a Justiça Eleitoral aplicará a Lei da Ficha Limpa com o máximo rigor. Ela vai pegar, pois corresponde ao desejo manifestado pela sociedade brasileira, de moralização dos costumes políticos”. (Estado de São Paulo, 21/06/2010).
A Igreja Católica, através da Conferência Episcopal e das Dioceses, fez a sua parte, sendo a responsável por mais de 90% das assinaturas do projeto de Lei Popular que se transformou nesta lei esperada e festejada. Porém, sabemos que não bastam as leis. As orientações que estão sendo publicadas supõem também uma visão da vida humana que contribua não só para a moralização do país, mas, também, para a construção da civilização do amor. Por isso recordamos que não basta apenas votar nos candidatos que têm ficha limpa. É necessário um passo maior: que procurem saber a posição do candidato acerca da vida, da família, da moral, do matrimônio. Quais são as posições sobre assuntos importantes para a vida e para sociedade de hoje e de amanhã? Para os católicos as preocupações vão muito além de uma “ficha limpa” e da legislação eleitoral.
A busca para encontrar os melhores caminhos para o país foi que levou ao trabalho do projeto de lei popular, mas, para as pessoas de fé, as preocupações são ainda maiores, estão além da legislação, para que o católico exerça bem o seu direito de escolha pensando no bem da humanidade, olhando a dignidade da pessoa humana com todos os seus direitos e deveres e iluminados pela fé. Os valores que norteiam a vida vão muito além das leis que conseguimos aprovar – estão na experiência de Deus em nossas vidas, que iluminam os corações desejosos de andar pelos caminhos de um povo que sabe do seu papel na história e não se deixa conduzir pelas facilidades de hoje, mas busca ideais muito maiores para o país onde vive.
Para o ordenamento social válido para todas as pessoas existem as leis aprovadas pelo Congresso Nacional, mas, para aqueles que creem, há uma responsabilidade ainda maior, pois olhamos não apenas o bem-estar em um certo momento da história, mas também o futuro da humanidade que estará sendo construído pelas pessoas que iremos colocando com responsabilidade nos diversos cargos eletivos da nação. A consciência a que somos chamados a ter nos compromete com a vida e o futuro das pessoas.
Agora que começam as conversas sobre as eleições e as discussões, debates e disputas se sucedem, eis um tempo importante para nossa reflexão e nosso compromisso.
+ Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ
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