Paloma Oliveto
Publicação: 24/03/2010 07:00 Atualização: 24/03/2010 11:20
|
Além de falar sobre a novidade, Drauzio Varella comentou, durante a entrevista, diversos assuntos relacionados à saúde, do envelhecimento ao controle de natalidade. Ele lembrou que os brasileiros não devem se deixar levar por boatos sobre possíveis riscos da vacina contra o H1N1, alertou que não existe no país um controle eficaz de epidemias e criticou a falta de acesso às políticas de contracepção por parte da população carente: “O conjunto de fatores que leva à falta de planejamento familiar é uma violência absurda que a sociedade brasileira comete”.
O médico de todas as famílias
Eu tomei a vacina, receito para meus pacientes, para minha família... É uma gripe importante, que pode trazer alguns problemas sérios, e que está associada a uma mortalidade que não é exagerada, mas é expressiva. Morrer de gripe é uma coisa muito humilhante”
“Doutor” Google
Há uma quantidade absurda de informações sobre saúde hoje na internet. Tiro por mim mesmo. Às vezes, procuro alguma informação e fico confuso. Há das mais variadas, desde fontes aparentemente sérias, outras nem tanto, e outras completamente desvinculadas da realidade. Eu não acho mau, em princípio, você ir ao Google e tentar ver o que existe a respeito daquele agravo de saúde que lhe preocupa naquele momento. No passado, as pessoas eram muito ignorantes a respeito dos temas médicos. Hoje, todos nós que clinicamos vemos que os pacientes já chegam ao consultório com um grau de informação razoável. O problema é que nem sempre essa informação vem dirigida; então, você encontra grandes avanços tecnológicos ao lado de tratamentos alternativos que não têm nenhum significado do ponto de vista prático, ao lado de condutas que nunca foram testadas cientificamente. Isso dificulta para quem não tem formação na área a interpretar e entender essas informações tão variadas.
Vacina contra o H1N1
Tem corrido pela internet uma quantidade de informações completamente tresloucadas a respeito da vacina. Uma delas entrevista uma (pessoa) que seria ex-ministra da Saúde da Finlândia. Eu já tive oportunidade de ver algumas entrevistas dessa senhora pela internet e fico pensando: “Que raios pensaram os finlandeses em colocar uma pessoa como essa como ministra da Saúde?”. Pega muito mal para a Finlândia isso. As coisas que ela afirma são levianas. Eu tomei a vacina, receito para meus pacientes, para minha família... É uma gripe importante, que pode trazer alguns problemas sérios, e que está associada a uma mortalidade que não é exagerada, mas é expressiva. Morrer de gripe é uma coisa muito humilhante.
Controle de epidemias
Nós não estamos preparados para lidar com as epidemias. Temos gente preparada no ministério (da Saúde), nas secretarias, mas você pega uma epidemia como dengue, por exemplo. Primeiro que você não consegue acabar com o mosquito, isso é impossível. O mosquito cresce em água parada por volta das casas; você tem que conseguir que cada um tenha a responsabilidade de não deixar água parada, e o poder público tem de ter a responsabilidade de impedir a água parada nos espaços públicos. Isso tudo já não é fácil, e se a gente pega a desordem com que crescem as populações urbanas no Brasil, com favelas, com pessoas que moram de formas precárias, é praticamente impossível impedir que o mosquito se prolifere. Mas você pode diminuir a proliferação, com campanhas, com medidas governamentais, com esclarecimento à população. Não precisa ter tantos casos de dengue como a gente tem. O fato de não conseguir acabar com o mosquito não quer dizer que as pessoas têm de morrer de dengue. Eu já disse isso mais de uma vez: não é vergonha existir dengue no Brasil, a vergonha é morrer gente de dengue no Brasil. Tem certas epidemias que vamos enfrentar e conviver com elas, então precisamos de uma estrutura que permita combatê-las.
Saúde na mídia
Nós, médicos, criamos um canal de comunicação com a sociedade, que muitas outras profissões não conseguiram criar. Você não encontra no Brasil uma pessoa que não saiba que fumar faz mal. Todo mundo tem uma ideia do que é o colesterol, nós sabemos que a obesidade não é uma coisa boa; temos, enfim, um esclarecimento razoável da população brasileira. Temos proporcionalmente um número inferior de fumantes no Brasil em comparação aos Estados Unidos, mesmo com todas as coisas que eles fizeram (para coibir o tabagismo). Houve uma grande mudança no comportamento em função do trabalho de divulgação que foi feito. Se você compara isso com outras profissões, podemos dizer que a medicina avançou mais depressa. Por exemplo, se eu perguntar quais são os grandes problemas da engenharia ou da arquitetura no Brasil, ou mesmo do ensino, poucas pessoas saberão dizer. Então, nesse sentido, a medicina conseguiu fazer um trabalho melhor. Está longe do ideal ainda, há um caminho grande para ser percorrido, e acho que esse caminho vai ser pelos meios de comunicação de massa.
Qualidade de vida
Quando se fala em qualidade de vida, é aquilo que todas as pessoas querem: ter tempo para lazer, ficar com a família, tomar um chopinho... Infelizmente, o mundo moderno cai em cima de nós, temos inúmeros papéis para desempenhar. Antigamente, era mais fácil porque a mulher ficava em casa e era responsável por todos os problemas do lar; os homens trabalhavam fora e eram responsáveis por trazer o dinheiro. Não estou dizendo que isso era bom, mas era assim, e as pessoas tinham os papéis muito definidos. Hoje temos vários papéis, e para as mulheres é pior. Elas ainda são responsáveis pela casa, pelos filhos, e ainda trabalham e têm que competir com os homens. Esse tipo de pressão cria problemas, é difícil ter de acordar às cinco e meia da manhã, ter de alimentar os filhos, levar para escola, passar o dia inteiro no trabalho, buscar as crianças, organizar a vida doméstica... Não é fácil. Mas a gente tem de pensar que o corpo humano é uma máquina, que precisa ser cuidado. E esses cuidados implicam basicamente atividade física, alimentação saudável e tentar se ver livre dessa pressão que chamamos de estresse. E, além disso, outras medidas óbvias: não dá para fumar, beber exageradamente, usar drogas... O problema nosso é que o mundo moderno nos joga na cadeira o tempo inteiro, passamos o dia inteiro sentado. Pagamos um preço alto por isso. A vida sedentária faz muito mal para o corpo. Temos de encontrar no dia a dia um jeito de praticar atividade física. Se você não tem tempo de ir à academia e ficar uma hora fazendo exercícios, tente incorporar a atividade no dia a dia: sobe escada, anda, no fim do dia você vai somar esses exercícios que, às vezes, são mais importantes do que ficar o dia inteiro na academia.
Jovens e Aids
Tivemos em relação à Aids três fases. Na primeira, era considerada uma ‘peste gay’, só pegava em homossexual. Infelizmente, pagamos um preço alto, muitas mulheres e usuários de drogas injetáveis se infectaram porque achavam que não havia riscos. Depois passamos para uma fase de conscientização da sociedade, com campanhas, com o medo de pegar uma doença incurável, que significava a morte depois de um ano de sofrimento. Aí passamos para a fase dos remédios com alta eficácia, o chamado coquetel, e a Aids parou de ser uma doença mortal a curto prazo. Mas a doença não tem cura, ela tem tratamento. As gerações mais novas que não viram o começo da Aids e não sentiram o impacto daquelas pessoas cadavéricas, com problemas gravíssimos de saúde, hoje se descuidam muito. As populações onde a Aids mais crescem são as mulheres com mais de 50 anos e os mais jovens; especialmente, os homossexuais mais jovens. Os homossexuais mais velhos, que estiveram no epicentro da epidemia, são mais cuidadosos. Os mais jovens têm uma atitude mais irresponsável em relação à transmissão do HIV.
Envelhecimento
O envelhecimento é inevitável, não há como deixar de envelhecer. Aliás, a alternativa para não envelhecer é horrível, é você morrer moço. O que mudou na medicina moderna é que envelhecimento não é uma condição que leva necessariamente à doença. Quando eu era estudante, você pegava um senhor de 75 anos e ele vinha com uma pressão arterial de 16 por 11. Aí você dizia: ‘Mas é um senhor, para ele está bom’. Hoje, um senhor desse chega com uma pressão e você diz que ele está hipertenso e tem de ser tratado agressivamente porque sabemos que com essa pressão ele pode ter um derrame cerebral, ter um ataque cardíaco... Esse conceito mudou muito. Se você toma as precauções consegue empurrar as doenças para mais tarde na velhice. Uma hora, nós vamos ficar doentes e morrer mesmo. Mas isso não deve acontecer a partir dos 45, 50 anos, como era no passado. No passado, uma mulher de 40 anos era uma senhora, considerada de idade. Hoje, uma pessoa de 50 anos está em plena atividade, não é considerada velha, de jeito nenhum. Hoje, o envelhecimento não é sinônimo de doença. Você encontra homens e mulheres —especialmente mulheres — com mais de 80 anos, e que são pessoas sem nenhum problema de saúde, algumas não tomam nenhum remédio.
Gravidez na adolescência
Informação não falta. Tenho estudado muito esse tema, você pega qualquer menina, de 12, 13 anos, onde quer que ela esteja, ela sabe que a gravidez não acontece por obra do acaso. Então por que ela engravida se for pobre e não engravida se pertencer a uma classe social com mais acesso? Porque se ela tem uma condição familiar melhor, mais estudos, um objetivo na vida, ela sabe que não pode engravidar aos 13, 14 anos. Ela não deixa de ter relações, mas ela vai tomar todas as precauções para não engravidar. Se mesmo com esses cuidados ela engravidar, ela vai fazer um aborto. Porque no Brasil, o aborto é livre para quem tem dinheiro. Pega a outra menina. Ela não tem um ginecologista, não tem acesso à pílula... E ainda temos no Brasil uma das maiores violências contra as mulheres pobres, que é o fato de você negar o acesso à contracepção às classes sociais desfavorecidas. Você pega uma mulher de 30 anos, de classe social alta, que tem dois filhos. Ela não quer mais filhos, então faz uma laqueadura, coloca DIU, tem acesso ao controle da fertilidade. Agora, pega a menina que engravida aos 14 anos. Essa menina sai da escola, compromete seu futuro, e o pior, ela vai engravidar de novo aos 17 anos, aos 19 anos. Que futuro essa menina vai ter dessa maneira? A sociedade brasileira tem de deixar de ser hipócrita dar o direito à anticoncepção às crianças pobres, e fazer campanhas dirigidas às meninas pobres. E não só para as solteiras, porque as casadas também têm a maior dificuldade para conseguir fazer laqueadura nos hospitais públicos. A lei brasileira assegura, mas ela não consegue fazer em lugar nenhum. Ela chega no serviço público e os médicos têm a maior má vontade de atender. O conjunto de fatores que leva a essa falta de planejamento familiar é uma violência absurda que a sociedade brasileira comete.
Entrevista ao Correio Brasiliense
Nenhum comentário:
Postar um comentário