Opinião: Dourado, Dicesar, Morango e a camisinha
JAMES CIMINO
da Folha de S.Paulo
Quando Marcelo Dourado abriu a boca para expor toda sua sabedoria a respeito das formas de transmissão do vírus da Aids no "BBB10", a Globo até que tentou minimizar a declaração do lutador. Na internet, muitos questionavam um suposto favorecimento da emissora em relação ao participante pelo fato de, no pay-per-view, ele ter dito, no último dia 2 de fevereiro, que homem heterossexual não pegava Aids e a declaração só ter sido veiculada alguns dias depois, acompanhada de um discurso de Pedro Bial isentando a emissora de qualquer responsabilidade jurídica sobre a declaração infeliz e irresponsável do lutador.
O tom de Bial obviamente foi quase de Jesus Cristo perdoando os fariseus. Só faltou dizer: "perdoe-o audiência, ele não sabe o que diz". Ficou claro que a Globo não queria endossar o total desserviço que Marcelo Dourado prestou à saúde pública na maior emissora do país, que chega a 100% dos lares brasileiros que têm televisão e em horário nobre, mas também não queria demonizar seu participante mais polêmico e carismático. Porque, digam o que quiserem, televisão não é entretenimento barato e inocente. Fosse assim, nunca teria havido censura e os políticos jamais fariam questão do horário eleitoral gratuito.
Neste fim de semana a polêmica continuou. Angélica, conhecida como Morango, falou que também não usava camisinha com outras mulheres e que só homens podiam transmitir Aids. Hoje, por volta do horário do almoço, o maquiador Dicesar, gay assumido que também trabalha como drag queen, disse aos gritos que Dourado afirmara que "todo gay que existe no mundo tem Aids".
O que Dourado disse foi exatamente o seguinte: todo homem que tem Aids "em algum momento teve relação com outro homem" e que "Hetero não pega Aids, isso eu digo porque eu conversei com médicos e eles me disseram isso. Um homem transmite para outro homem, mas uma mulher não passa para o homem".
Reduzir essa polêmica a gays versus heteros é empobrecer o debate, já que o "BBB" não é um jogo, mas uma eleição e, como toda eleição, tem caráter moral. Os participantes estão sendo julgados pelo seu caráter, não pela orientação sexual, fosse assim, Jean Wyllys não teria sido o campeão da edição 5.
Em primeiro lugar, quando Dourado diz que homem heterossexual não contrai Aids, fora a evidente ignorância de sua declaração, cria um ruído. O cara age com total irresponsabilidade ao dizer isso numa TV que serve como única fonte de informação de uma população de semianalfabetos e iletrados, os maiores atingidos pela epidemia de Aids, pois involuntariamente cria o seguinte discurso na cabeça da audiência: "Se heterossexual não pega Aids, logo a Aids é coisa só de gay. Todo gay já vem munido do vírus HIV, então não tenho que me cuidar e devo odiar os gays por serem esse malvados transmissores de Aids." Prova disso é que Dicesar, que pela forma como se expressa com ausência de plurais e deficiência de coesão e coerência não teve educação formal eficiente, interpretou a fala de Dourado exatamente dessa maneira. Se foi por oportunismo ou não, pouco importa, o ruído está estabelecido e a desinformação generalizada. Ou seja, a discussão voltou aos anos 80, quando a Aids era chamada de o "câncer gay".
Já o caso de Angélica, a Morango, é um pouco mais específico. Não usar camisinha no caso dela, que é lésbica assumida, é quase que um imperativo. O sexo homossexual feminino por definição não implica em penetração, já que há ausência de pênis. Quando ocorre a penetração é por meio de dildos ou de dedos, que não possuem mucosa, o que dificulta a transmissão do vírus. Obviamente que isso não quer dizer que lésbicas não pegam Aids transando sem camisinha, pois, como em toda relação sexual, há secreções que podem conter o vírus.
Agora, ficam algumas perguntas no ar: alguém faz sexo oral em mulheres com camisinha? Após quantas transas com camisinha um casal abole o uso de preservativo? Quais os cuidados que se deve tomar antes da prática do sexo sem camisinha, afinal de contas, em algum momento todos nos arriscamos a transar sem camisinha. Tanto é verdade que ainda hoje há gravidez indesejada, gravidez na adolescência, golpes da barriga no mundo das celebridades e abortos em clínicas clandestinas. Se o ser humano praticasse sexo unicamente com camisinha, não haveria mais bebês e, em pouco tempo, adeus humanidade.
Esses fatos não querem dizer, no entanto, que possamos ir à TV e incentivar o sexo sem camisinha, já que, por mais que os BBBs não sejam o ministro da Saúde, sua palavra vale mais que a do ministro quando dita no horário nobre, infelizmente.
Sexo sem camisinha pode transmitir Aids sim, seja você gay, lésbica, bissexual, trangênero, simpatizante, heterossexual, católico, protestante, muçulmano, budista, negro, branco, oriental, alto, baixo, magro, gordo, pobre, rico, analfabeto ou erudito.
Portanto, no debate Dourado, Dicesar, Morango, camisinha e Aids, é como o slogan do filme "Alien x Predador", não importa quem vença, todos perderão.
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