A decisão feminina de ter menos filhos está derrubando as previsões de um planeta com gente de mais para recursos naturais de menos
Há pelo menos dois séculos a perspectiva de uma explosão demográfica no planeta preocupa a humanidade. Em 1798, o economista inglês Thomas Malthus vaticinou um mundo à beira do colapso, com gente de mais e comida de menos,em seu Ensaio sobre o Princípio da População. No fim dos anos 60, o biólogo americano
Paul Elirlich anunciou as consequencias trágicas do crescimento demográfico desmedido no best-seller A Botnba Populacionat A previsão da Organização das Nações Unidas (ONU) de que a população mundial, hoje na casa dos 6,9 bilhOes, chegará a 9,1 bilhOes de pessoas daqui a quatro décadas, estabilizando se a partir de então, voltou a alimentar o temor de um planeta superpovoado - e sem recursos naturais para suprir as necessidades de tamanho contingente humano. A drivida é se a estimativa feita dois anos atrás ainda reflete a realidade. Uma corrente que ganha força nos estudos demográficos garante que nao há motivo para alarme. De acordo com ela, a bomba demográfica está sendo lentamente desarmada, e a população mundial não passará dos 7,9 bilhões em 2050. Daí em dia me. a tendência será de queda. Como? Da forma mais simples possivel. Explica o pesquisador inglês Fred Pearce: "Em todo o mundo, as mulheres estão tendo menos tilhos. Se a queda da taxa de fecundidade se mantiver, será dificil a humanidade ultrapassar os 8 bilhões de pessoas. O mais provável é que ela aumente até atingir esse patamar e depois pare de crescer".
Fred Pearce. que escreve sobre ambiente para algumas das principais publicações inglesas, é autor do recém-lançado The coming Population Crash and Our Planet"s Surprising Future ( O Novo Choque Populacional e o Futuro Surpreendente do Nosso Planeta). No livro, ele compila relatórios demográficos já publicados de pesquisadores de diversos países, alguns de âmbito regional, e também os da própria ONU. O estudo revela como a decisão das mulheres de ter menos filhos, em todo o mundo, está modificando a curva estatística que preve uma população de mais de 9 bilhões em 2050. "Muitos trabalhos mostravam a participação feminina na freada populacional, mas de forma pulverizada", diz Pearce. O resultado da compilação mostra que o mundo não está à beira do precipício demográfico, pelo contrário. A taxa de fecundidade do planeta nunca foi tão baixa. Há quatro décadas, na média mundial, cada mulher tinha entre cinco e seis filhos. Hoje, tem 2,6. Em mais de sessenta países, que juntos possuem, as taxas de fecundidade estão abaixo de 2,1 filhos por mulher. Quando a taxa de fecundidade de um país fica abaixo desse índice, a população passa a crescer em ritmo cada vez mais lento e, depois de duas ou tres décadas, começa a diminuir. Isso coloca esses países aquém do nível de reposição da população. Entre os países nessa situação estão o Brasil, o Japão, a China e a Coreia do Norte. Nos próximos vinte anos, Índia. Indonésia e México devem entrar para a lista.
Segundo o estudo que resultou no livro de Fred Pearce, nos últimos cinco anos, a queda das taxas de fecundidade se acentuou em quase todo o mundo. "Pelo ritmo atual, a taxa mundial vai estar. em 2020. abaixo do nível de reposição, mas isso pode acontecer antes, se as famílias decidirem ter menos filhos por causa de crises econômicas, como ocorreu nos anos 30, com a Grande Depressão", disse Pearce a VEJA. A decisão de ter menos filhos não se limita a mulheres com nível financeiro o educacional elevado. Mulheres de classes sociais mais pobres e com pouca formação escolar, que tradicionalmente tem mais filhos, também optam por gerar proles menores. Fatores políticos e religiosos deixaram, ainda, de ser determinantes no tamanho das famílias. No Irã, há duas décadas, as mulheres tinham em média oito filhos cada uma. Hoje, essa média é de 1,7. As iranianas vão contra os preceitos dos aiatolás e não dão ouvidos ao presidente Mahmoud Ahmadinejad, que incentiva a natalidade. Até mesmo nas zonas rurais da India, onde o nível de escolaridade é muito baixo, o número de filhos por mulher caiu - hoje está em 2,8, quase um terço do que era há duas décadas.
A Africa é a região que apresenta as maiores taxas de crescimemo demográfico. De 1950 a 2000, a população quase quadruplicou - passou de 227 milhões para 819 milhões. Pelos cálculos da ONU, cada mulher africana tem 4,9 filhos, o dobro da média mundial. Na Libéria, cuja renda per capita é a segunda mais baixa do mundo, a taxa de fecundidade chega a 6,8 filhos por mulher. Em Ruanda, onde já foi de 8,5, está em torno de 6. Apesar de os números permanecerem altos, já é possível notar uma queda nos índices. Em 2002, vinte países do continente apresentavam taxas superiores a 6,1 filhos por mulher. Atualmente, só nove mantém esse padrão.
O Brasil, hoje com 193 milhões de habitantes, registrou uma queda na taxa de fecundidade surpreendente nas últimas décadas: de 5.8 filhos por mulher em 1970 para 1,8 atualmente. Previa-se que o país chegaria a esse índice apenas daqui a trinta anos. Se a taxa de fecundidade de 1970 tivesse se mantido, - o Brasil teria hoje 300 milhões de pessoas. Os motivos que fizeram a taxa de fecundidade despencar no país são os mesmos que provocaram a queda na maior parte do planeta. Um dos principais é a migração do campo para as cidades. Nas zonas rurais, as crianças fazem parte da força de trabalho e, portanto, quanto mais filhos, maior a produtividade da família Nas cidades educá-los e alimentá-los custa caro. A melhora nas condições sanitárias também contribuiu para a queda da taxa de fecundidade. Antes com o alto índice de morte entre recém-nascidos e crianças, as mulheres precisavam ter mais filhos para garantir uma prole.
Outro motivo para o encolhimento é que as mulheres começaram a participar mais ativamente da força de trabalho e não estão dispostas a sacrificar a carreira em prol de uma família numerosa. Em países como o Japão, onde até três décadas atrás elas se casavam aos 18 anos. hoje mais da metade das mulheres com 30 anos está solteira. Na Coreia do Sul, estima-se que 40% da população feminina na mesma faixa etária continua solteira. "O Brasil é um dos poucos países onde a diminuição no número de filhos não está atrelada ao adiamento do casamento e da primeira gravidez", diz o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, professor de estudos populacionais e pesquisas sociais da Escola Nacional de ciências Estatísticas. "As brasileiras, ao contrário das orientais e das europeias. tem o primeiro filho entre 20 e 24 anos e depois optam pelos métodos ANTICONCEPCIONAIS para evitar novas gestações", completa.
Menos gente no planeta significa menor exploração dos recursos naturais, mas há outras equações que determinam o impacto da superpopulação. "Apesar de o aumento da população ser visto por muitos cientistas como a força propulsora da devastação planetária, o que mais conta na manutenção do equilíbrio entre homem e natureza é o nível de renda de seus habitantes" diz Henrique Cortez, especializado em riscos ambientais. Quanto maior a renda per capita de um país, maiores seu consumo e choque ambiental. Para entender o que isso significa. tome-se como exemplo a relação entre consumo e emissão de dióxido de carbono (CO,), o principal gás causador do aquecimento global. Metade das emissões no mundo é produzida por apenas 7% da população, justamente nos países mais ricos. Ainda tomando como base os gases poluentes, as emissões de um americano equivalem às de quatro chineses, vinte indianos, quarenta nigerianos e 250 etíopes.
A espécie humana não dominou o planeta de uma hora para outra. Desde o aparecimento do Homo sapiens, há 200 000 anos, alterações climáticas, doenças e outras ameaças mantiveram os Índices de expectativa de vida baixos e os de mortalidade muito altos. Só em 1804 a população mundial atingiu a casa do primeiro bilhão. A partir de meados do século XIX. com as melhoras nas condições sanitárias e os avanços da medicina, o crescimento demográfico se acelerou. Desde a profecia pessimista de Malthus, o núnero de pessoas no planeta se multiplicou por 7. Ao contrário do que o economista inglês esperava, porém. não houve fome. O desenvolvimento tecnológico permitiu a expansão da agricultura - a chamada revolução verde - e a consequente produção de alimentos suficientes para todos. Em parte devido ao aumento da produção agrícola. o pico de crescimento populacional ocorreu na década de 1960. Na ocasião, a população aumentava 2,1% ao ano, o dobro do ritmo atual. A primeira estimativa para 2050 foi feita pela Divisão de População da ONU em 1968. A previsão era de 12 bilhões de pessoas. Deste então, o órgão tem revisado suas estimativas para baixo. Se as mulheres de todo o planeta continuarem a ter menos filhos, é bem possível que outra correção seja feita pelas Nações Unidas em breve. -
Cortesia Clipping Bem Fam(05/07/010)
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