MP: verba pública favoreceu Garotinho
O Globo - 05/03/2010
O caminho do dinheiro, rastreado pelo Ministério Público Estadual, comprovou: em 2006, a pré-campanha do ex-governador Anthony Garotinho à Presidência da República pelo PMDB recebeu recursos desviados do estado. As empresas Emprim, Inconsul e Teldata, que fizeram doações, depositaram R$600 mil na conta do PMDB do Rio após receberem por supostos serviços prestados a ONGs contratadas pela Fundação Escola de Serviço Público (Fesp), do governo do estado. Na época, Rosinha Garotinho era governadora do Rio. A estimativa preliminar do MP é de que esse braço do "esquema das ONGs" causou um prejuízo ao erário de R$58,7 milhões.
Garotinho, agora pré-candidato ao governo do estado pelo PR, Rosinha e 86 réus foram denunciados à Justiça por improbidade administrativa. Se condenados, os réus ficarão inelegíveis, perderão os direitos políticos por dez anos e terão que devolver o dinheiro aos cofres públicos. Ontem, a juíza Mirella Letízia Guimarães Vizzini, da 3ª Vara de Fazenda Pública, determinou o bloqueio dos bens de todos os acusados e a quebra do sigilo bancário de oito deles, de junho de 2003 a dezembro de 2007. Entre os que tiveram o sigilo bancário quebrado não está o casal Garotinho.
O caso também está sendo investigado na esfera criminal pelo MP, o que, segundo os promotores, pode levar a outras denúncias, como lavagem de dinheiro. Há outras quatro ações sobre o esquema das ONGs na Justiça. Em uma delas, Garotinho já tinha virado réu.
Dinheiro usado para compra de imóvel
Depois de terem rastreado os recursos empregados na campanha, os promotores investigam o destino dado ao restante do dinheiro desviado. Os primeiros levantamentos já demonstraram que os operadores da fraude compraram imóveis e fizeram pagamentos a "laranjas" e empresas fantasmas.
- Fica comprovado, sem margem para dúvida, que a pré-campanha à Presidência do ex-governador Garotinho, em 2006, foi financiada com desvio de dinheiro público - disse o promotor Eduardo Carvalho, um dos autores da ação.
A movimentação bancária da Teldata em 17 de fevereiro de 2006 deixa claro o esquema. Naquele dia, o IBDT, contratado pela Fesp, fez dois pagamentos na conta da Teldata, de R$140 mil e R$30 mil. Já o Inep, outra ONG que recebia recursos da Fundação e nada tem a ver com o órgão do Ministério da Educação, depositou R$80 mil para a empresa. Os dois pagamentos totalizavam R$250 mil. No mesmo dia, foram compensados cinco cheques sequenciais (de R$50 mil, R$48 mil, R$52 mil, R$66 mil e R$34 mil) da Teldata em favor do PMDB. Ou seja, uma doação no mesmo valor pago pelas ONGs, e no mesmo dia. Para o MP, o único intuito dos pagamentos feitos à Teldata era dissimular a verdadeira origem dos recursos da campanha.
De acordo com o MP, o "esquema das ONGs" teve início com uma ordem da governadora Rosinha para que todos os órgãos estaduais contratassem a Fesp para a execução de projetos de "contornos vagos e imprecisos", que geralmente envolviam mão de obra terceirizada. A orientação teria sido formalizada por um decreto em agosto de 2005. A fiscalização desses projetos era omissa, e os custos, segundo a denúncia, não eram verificados. Depois, a Fesp subcontratava ONGs que, por sua vez, pagavam milhões a empresas fantasmas por serviços que não eram prestados. As pessoas que estavam por trás dessas empresas ganhavam "comissões" e devolviam o dinheiro - em geral sacado na boca do caixa de uma mesma agência bancária no Centro do Rio - aos organizadores do esquema.
Apesar do grande número de ONGs contratadas pela Fesp, as investigações se concentraram no Inep, Inaap, IBDT e CBDDC. Entre 2003 e 2005, as quatro entidades receberam mais de R$257 milhões, a maior fatia do total de recursos distribuídos pela Fundação. Na outra ponta, os promotores focaram três das quatro empresas que doaram para Garotinho: Emprim, Inconsul e Teldata. Numa série de reportagens publicadas em 2006, O GLOBO mostrou que as três empresas, mais a Virtual Line, também citada na ação, não prestavam serviço ou não funcionavam nos endereços fornecidos pelo PMDB. Os sócios, por sua vez, dirigiam ONGs contratadas pelo estado.
O MP relata na ação que o esquema montado era extremamente complexo e exigia a articulação entre dezenas de pessoas e empresas. Porém, ressalta que o controle da organização ficava nas mãos de um grupo restrito. Dentro do governo, havia núcleos na chefia do Executivo, na direção dos órgãos públicos contratantes e na Fesp. Fora, funcionava um núcleo operacional, chefiado pelo empresário Ricardo Secco, que controlava a maior parte das ONGs e captava notas frias. Outro, vinculado ao PMDB de Petrópolis, era chefiado por Tufi Soares Meres, secretário do diretório do partido no município. Na época, o presidente do diretório era Carlos Alberto da Silva Lopes, que também presidia o CCBDC. Por último, havia um núcleo de lavagem de dinheiro, sob a responsabilidade do contador Ruy Castanheira, que montava as empresas fantasmas. Preso na Operação Águas Profundas, Castanheira é acusado de participar de fraudes contra a Petrobras.
Os promotores também denunciaram dirigentes de empresas do estado que contrataram a Fesp para executar projetos em que teriam ocorrido desvios. De nove órgãos que contrataram a fundação entre 2003 e 2006, num total de R$426,5 milhões, sete teriam participado das fraudes. Os ex-presidentes da Cedae Aluízio Meyer e Lutero de Castro Cardoso são denunciados, além de Oscar Berro, ex-presidente do Instituto Vital Brazil, e do ex-secretário de Saúde Gilson Cantarino, preso na Operação Pecado Capital. De 2003 a 2006, a Fesp empenhou R$410 milhões para ONGs. As quatro investigadas pelo MP receberam 62,76% desse total.
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