Esta semana foi marcada por uma notícia desanimadora a respeito do PLC 122. Surgiram especulações que seu nome seria modificado, que seu conteúdo seria alterado e/ou até mesmo o projeto seria arquivado. Neste meio tempo, surgiram também especulações sobre a proposta de texto que será apresentada ao PLC, até que o conteúdo foi divulgado (e ainda não foi apresentado ao Senado). Vamos explicar a situação para que vocês, leitoras e leitores, possam entender o que está acontecendo e o posicionamento da equipe Eleições – Homofobia Já Era (@EleicoesHoJE) em relação ao assunto. Arquivamento, mudança de nome, outro texto ou outro projeto?
As primeiras informações sobre o novo andamento do PLC, durante o mês de junho, foram sobre um acordo entre ABGLT, Marta Suplicy, Demóstenes Torres e Marcelo Crivella sobre o texto do projeto havia sido atingido, um novo texto foi elaborado, que seria apresentado como emenda e aguardava aprovação da
Bancada Evangélica.
Não se sabia nada a respeito de qual seria este acordo e o conteúdo do texto. No entanto, nesta terça surgiu o rumor que o arquivamento do PLC seria parte do acordo para substituílo por um
novo projeto.
O arquivamento seria, segundo Marta Suplicy, um alternativa para aprovação, uma vez que o projeto foi “demonizado” e um novo projeto, escrito por integrantes da Bancada Evangélica seria apresentado. Assim, adquiriria uma nova numeração, poderia “apagar” esta estigma que o projeto carrega. Ou se poderia apoiar um outro projeto, de autoria do Senador Paulo Paim, que se encontra na Câmara: o
PL 6418/2005 ou ir ao STF, como foi no caso da união homoafetiva.
Eis que a comunidade e a militância LGBT se revoltam nas redes sociais contra o possível arquivamento da proposta. Diante de toda a polêmica, surge a notícia que o PLC não seria arquivado, mas ele daria lugar a uma outra proposta que tramitaria em conjunto (ou apensado, usando o termo correto) a que será/seria apresentado
nesta semana.
O possível texto que foi divulgado daria lugar ao que foi aprovado na Comissão de Assuntos Sociais do Senado e presente em nosso site.
Hoje, Marta Suplicy declarou que “número do projeto ou autor não são relevantes, o importante é que a lei anti-homofobia seja aprovada”
Ao contrário do que havia sido divulgado, Marta declara que o debate deva ser ampliado para outros segmentos e parlamentares pró-LGBT, além dos que já foram consultados (muitos destes claramente opositores a qualquer tentativa de promoção da cidadania LGBT). E finalmente a íntegra da nova proposta a ser apresentada ao PLC 122.
Um novo PLC?
Este é o texto fruto do acordo entre Crivella, Marta, Demóstenes Torres e ABGLT: “EMENDA – CDH (SUBSTITUTIVO) Projeto de Lei da Câmara 122, de 2006
Criminaliza condutas discriminatórias motivadas por preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero e altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal para punir, com maior rigor, atos de violência praticados com a mesma motivação.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º Esta Lei define crimes que correspondem a condutas discriminatórias motivadas por preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero bem como pune, com maior rigor, atos de violência praticados com a mesma motivação.
Art. 2º Para efeito desta Lei, o termo sexo é utilizado para distinguir homens e mulheres, o termo orientação sexual refere-se à heterossexualidade, à homossexualidade e à bissexualidade, e o termo identidade de gênero a transexualidade e travestilidade. Discriminação no mercado de trabalho
Art. 3º Deixar de contratar alguém ou dificultar a sua contratação, quando atendidas as qualificações exigidas para o posto de trabalho, motivado por preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero: Pena – reclusão, de um a três anos.
§ 1º A pena é aumentada de um terço se a discriminação se dá no acesso aos cargos, funções e contratos da Administração Pública.
§ 2º Nas mesmas penas incorre quem, durante o contrato de trabalho ou relação funcional, discrimina alguém motivado por preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero.
Discriminação nas relações de consumo
Art. 4º Recusar ou impedir o acesso de alguém a estabelecimento comercial de qualquer natureza ou negar-lhe atendimento, motivado por preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero: Pena – reclusão, de um a três anos. Indução à violência
Art. 5º Induzir alguém à prática de violência de qualquer natureza motivado por preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero: Pena – reclusão, de um a três anos, além da pena aplicada à violência.
Art. 6º O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art.61………………………………………………………………………. II…………………………………………………………………………………
m) motivado por discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero.”
Art.121…………………………………………………………………………….. § 2º…………………………………………………………………………………… …………………………………………………………………………………………
VI – em decorrência de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero.” (NR)
Art.129…………………………………………………………………………… ……………………………………………………………………………………….
§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade ou em motivada por discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero.” (NR)
Art. 140…………………………………………………………………………….. “
§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero: ………………………………………………………” (NR)
“Art.288…………………………………………………………………………… …………………………………………………………………………………………
Parágrafo único – A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado ou se a associação destina-se a cometer crimes por motivo de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 7º Suprima-se o nomem iuris violência doméstica que antecede o
§ 9º, do art. 129, do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Agora, com o texto em mãos, nós do
@EleicoesHoJe temos mais segurança em fazer uma análise.
Primeiro, faremos nossas críticas quando ao conteúdo do texto e em seguida sobre o processo político em torno do projeto.
Críticas ao texto:
Quanto à parte do texto, nossas críticas são:
1º) Sob a ótima formal, o presente texto, ao contrário do PLC 122 aprovado na Comissão de Assuntos Sociais do Senado, não modifica a Lei de combate ao Racismo (Lei Federal 7.716/89). Trata-se da proposta de uma lei autônoma que teria, em tese, a pretensão de definir os crimes motivados por homofobia.
2º) Curiosamente, a proposta, que tem a pretensão de definir os crimes de homofobia, não o faz em nenhum momento. Não se teve o cuidado de definir o que seria homofobia. O presente texto, de forma incompleta, elege ALGUMAS condutas homofóbicas e as tipifica criminalmente. Em suma, além de não tratar a causa da discriminação por orientação sexual, o texto trata alguns poucos efeitos da homofobia, ou seja, “nada na superfície”.
3º) As penas cominadas a tais condutas são EXTREMAMENTE TÊNUES. Basta mencionar que, de acordo com o art. 89 da Lei dos Juizados Especiais (Lei Federal 9.099/95), o agente homofóbico teria direito ao benefício da suspensão condicional do processo:
“Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).”
A homofobia é algo muito sério para ser resolvido através de subterfúgios processuais penais.
4º) A inclusão dos atos de “homofobia verbal” no rol dos atos tipificados como injúria grave soa mais como um deboche do que como uma medida a ser levada a sério. Da mesma forma que os demais crimes desta lei, as injúrias graves resultantes de homofobia seriam resolvidas através da suspensão condicional do processo.
5º)
Os únicos aspectos positivos deste projeto de lei residem no fato de que o mesmo, de uma forma bastante limitada, visa a defender o mercado de trabalho e os direitos inerentes à relação de consumo da população LGBT. Além disso, há a previsão do aumento de 100% da pena nos casos em que houver formação de quadrilha com o intuito de cometer crimes motivados por homofobia. As demais modificações no Código Penal tão-somente declaram o que já era amplamente aceito pela jurisprudência dos tribunais.
Conforme o Princípio da Reserva Legal, que norteia a produção legislativa penal e aplicação de penas criminais, as condutas criminais devem ser DETERMINADAS, CLARAS, CONGRUENTES E POSSÍVEIS. Assim, a interpretação que se tem do art. 1º desta proposta ao PLC 122 nos aponta que apenas as condutas tipificadas no corpo do projeto seriam condutas homofóbicas. Nenhuma outra conduta, por mais aviltante que seja, seria condenada criminalmente como homofobia. Tomando por base o texto PLC 122 apresentado pela ex-Senadora Fátima Cleide , eis as condutas que ficariam a descoberto:
1) Recusar, negar, impedir, preterir, prejudicar, retardar ou excluir, em qualquer sistema de seleção educacional, recrutamento ou promoção funcional ou profissional;
2) Sobretaxar, recusar, preterir ou impedir a hospedagem em hotéis, motéis, pensões ou similares;
3) Sobretaxar, recusar, preterir ou impedir a locação, a compra, a aquisição, o arrendamento ou o empréstimo de bens móveis ou imóveis de qualquer finalidade;
4) Impedir ou restringir a expressão e a manifestação de afetividade em locais públicos ou privados abertos ao público;
5) Proibir a livre expressão e manifestação de afetividade do cidadão homossexual, bissexual ou transgênero, sendo estas expressões e manifestações permitidas aos demais cidadãos ou cidadãs.
6) Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero. Isto é, qualquer discurso que promova tais condutas de reprodução do ódio ao grupo, não apenas ao indivíduo.
Entendemos que este projeto sequer pune exemplarmente as mirradas condutas que tipifica. Razão pela qual o consideramos incompleto e ineficaz.
Em primeiro lugar, vale a máxima que amplamente vem sendo divulgada nas rede sociais: se não chamaram os racistas para elaborar a Lei contra o Racismo, por que chamar homofóbicos para o processo. Entendemos que o debate deva ser amplo, mas por que dar ouvidos à lideranças políticas que estão mais interessadas em causar confusão a respeito do projeto a chegar a um acordo sobre a proposta? Outro ponto a ser considerado: toda a discussão prévia (já relatada no
histórico do PLC 122 presente em nosso site) foi descartada. Não foi levado em consideração o texto aprovado na Comissão de Assuntos Sociais e suas discussões, como se estes fossem descartáveis e não tivessem lições a serem aproveitadas.
O futuro do PLC é ainda incerto. Não se sabe ainda que rumo o projeto tomará pois as possibilidades de caminhos são amplas. Vamos listar as prováveis:
1. Arquivamento do PLC para começar da estaca zero com um novo projeto de lei.
2. Arquivamento do PLC e apoio ao PL 6418/2005, já apresentado acima.
3. Apresentação de um novo projeto de lei no Senado, para tramitar em conjunto ao PLC. Com isto, Marta Suplicy (relatora do projeto) poderia optar pela rejeição do PLC e pela aprovação do novo projeto apresentado.
4. Apresentação de uma emenda ao PLC 122 para alterar o seu conteúdo e ser acatada por Marta.
5. Ir o Supremo Tribunal Federal para que este se pronuncie se o crime de homofobia possa ser enquadrado na Lei Federal 7.716/89.
As possibilidades mais fortes de ocorrer são as previstas nos pontos 3 e 4. Contudo, há que se considerar o apoio ao PL 6418/2005, que aponta no cenário como uma alternativa, apesar de ainda não contemplar todos os pontos pretendidos.
Infelizmente, a comunidade e a militância LGBT não foram protagonistas deste processo de debate, como o Deputado Federal
Jean Wyllys bem pontuou.
Surgiu uma ótima proposta de mudança de título do projeto.
Na mídia LGBT surge propostas de mudança no nome do projeto para que o “PLC 122 ou qualquer que venha a ser a lei aprovada que torne a homofobia CRIME seja
Alexandre Ivo - Jovem brutalmente assassinado vítima de homofobia aos 14 anos
Nós do @EleicoesHoJE apoiamos esta iniciativa porque ela representa o quão cruel, vil e estúpida é a face da violência homofóbica que um LGBT ou qualquer um que “pareça um gay” possa sofrer. Vale ressaltar que a sugestão é quanto ao título do projeto e não ao conteúdo, cujas críticas já foram colocadas em nosso texto. É urgente a necessidade de ampliação do debate para que as reais necessidades da população LGBT sejam pontuadas em qualquer projeto de lei que venha a criminalizar a homofobia. Um projeto que criminaliza em partes e de modo superficial a homofobia está longe de realmente combatê-la. Não queremos mais debates e medidas paliativas feitas em torno de alianças partidárias, que promovem mais vaidades e interesses políticos particulares, preterindo a vontade da população LGBT.
Devemos nos atentar a eventuais “pegadinhas” que este texto possa ter, na tentativa de ludibriar, confundir ou fragmentar os LGBT’s em sua luta. A homofobia não é apenas a agressão ou a morte: ela esta presente na privação da manifestação do afeto, no tratamento diferenciado em vários setores da sociedade e nos discursos de extremistas ou fundamentalistas que, reproduzidos por muitos leigos que desconhecem a realidade, caem na má-fé e legitimam o preconceito, a intolerância, o ódio e a desumanização dos LGBT’s.
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