O respeito à diferença (Artigo)
O Globo - 07/05/2010
HENRIQUE ZAREMBA DA CÂMARA
A questão da convivência com as diferenças tem uma história datada. Começa no século XVIII, no Iluminismo, quando o Ocidente europeu formula uma nova forma de organizar seus modos de vida.
O reconhecimento de que o indivíduo dispõe de direitos pelo simples fato de ser humano constitui-se uma formulação revolucionária. O homem que, ao longo das sociedades autocráticas e absolutistas, nunca conseguiu viver com a autonomia da razão, agora, sob o influxo das ideias iluministas, ousou pensar, ousou saber, ousou assumir a responsabilidade de construir sua própria humanidade; tomou em suas mãos a missão de organizar a vida social, pela força da razão.
A simples ideia de que a felicidade é um direito já demonstra o grau de ousadia daquele momento histórico.
Fazê-la inscrita em um documento como a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América foi um marco. Como também é um marco a Declaração dos Direitos do Homem, herança da Revolução Francesa de 1789.
Os franceses e os ingleses, por exemplo, nos legaram um acervo formidável de ideias capazes de construir convivências, não a partir de poderes sobrenaturais, mas a partir de contratos sociais, de acordos entre pessoas, de direitos gravados em documentos institucionais. Nasceu a democracia representativa, nasceram os cidadãos que se igualavam em face da lei e das constituições.
Não mais o súdito imobilizado.
Mesmo a escravidão, abominável, passou a ser intolerável a partir destes novos modos de pensar que ofereceram os instrumentos necessários para que almas sensíveis pudessem travar a luta pela abolição daquela infâmia.
Um novo mundo se formou, a partir da valorização do outro como portador de direitos garantidos pela natureza e pela constituição. A revolução iluminista moldou o mundo em que vivemos, nós, ocidentais.
A liberdade de expressão, junto com a garantia da livre circulação das ideias, é um desses monumentos à inteligência e à grandeza da civilização que só se tornou possível em face da valorização das diferenças.
Ameaçar estes direitos é um atentado de lesa-humanidade, inaceitável sob qualquer ponto de vista.
Além das conquistas históricas e sociais derivadas do Iluminismo moderno, uma outra lição ainda se fez presente: a lição de que o grau de civilização de nossas sociedades pode ser medido pela maneira como convivemos com as diferenças. O outro se tornou uma questão, e a questão do outro é a base de uma pedagogia civilizada.
Aprendemos, ao longo destes últimos trezentos anos, que somos indivíduos coletivos, não podemos viver senão em comunidade, compartilhando valores semelhantes ou próximos, almejando mais ou menos o mesmo projeto de vida, rezando, muitas vezes, as mesmas orações.
Por mais que se fragmente a realidade, ela ainda nos une a partir de certos laços de solidariedade e de convivência.
Reconhecer este caráter ecumênico, esta constante antropológica, é parte fundamental do processo civilizatório que a educação agencia.
Portanto, a educação que se deve praticar, neste cenário, é aquela livre de qualquer tipo de sectarismo ou dirigismo, seja por parte do Estado ou decorrente de crenças religiosas ou ideológicas, que limite o direito de escolha, a liberdade de opinião, as prerrogativas democráticas e, sobretudo, o respeito às diferenças. Nesse caso, a escola particular tem muito a oferecer, porque inspirada nos valores da liberdade.
Convido os leitores para uma reflexão sobre a diferença.
Vivê-la, intensa e plenamente, é uma das condições da modernidade. Afinal, é imensa a responsabilidade de viver em uma época cheia de oportunidades e de conflitos igualmente graves, como é o caso dos terrorismos. Mas essa realidade cambiante exige certas aberturas mentais e sociais que só a educação com liberdade pode estimular.
Cada vez mais, viver significará conviver, respeitando o limite do outro, como observou Kant, um campeão do pensamento iluminista.
Respeitar a diferença, aprender a conviver com ela, em liberdade e em paz, é a forma mais eficaz de se integrar ao admirável mundo novo já presente em nossa história.
Cortesia:Clipping Bem Fam(07/05/010)
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