Publicação: 23/03/2010 07:00
Uma casa, uma família, um quarto e duas irmãs. Quando crianças, Vanessa, 22 anos, e Alessandra, 20, precisavam dividir tudo: o controle da televisão, os pais e o mesmo espaço físico e sentimental. A necessidade de repartir foi, por muitas vezes, motivo de conflitos, mas também de entendimentos. “As brigas aconteciam por causa de espaço. Se ela queria ficar na televisão e eu também, a gente brigava”, lembra a irmã mais velha, estudante de veterinária. A mãe das jovens, Zélia Goes Gadelha Dias, 57 anos, afirma que o principal motivo das brigas era mesmo esse: “Dividir o espaço fora de casa, com amigos, é uma coisa. No dia a dia, é outra. Sempre observei que as discussões estavam ligadas à área que uma ocupava e que a outra poderia considerar sua”.Segundo especialistas, a disputa entre irmãos é natural e inevitável, e a solução para esse problema está dentro de casa, na forma como os pais lidam com a situação. “É importante que os pais deixem que os filhos expressem o que sentem em uma situação de conflito e que tentem resolver entre eles”, explica a psicopedagoga Adriana Jatobá. A intervenção, porém, pode ser necessária. “Se houver agressão física, os pais devem agir, pois eles ensinarão aos filhos que as coisas não são resolvidas por meio de violência, mas sim pela conversa”, completa.
A psicopedagoga da Clínica Passo a Passo Renata Garcia também orienta os pais para que deixem as crianças se entenderem nas desavenças. Segundo a especialista, a formação da personalidade dos irmãos depende dos conflitos. “Os pais devem deixar que as crianças resolvam entre elas, claro, se não houver agressão física. Isso faz com que elas aprendam a encarar desafios, encontrar autonomia, exercer liderança, compartilhar sentimentos e lidar com as diferenças com respeito”, afirma.
A diferença de personalidades é outro fator que pode originar disputas. Alessandra, que estuda ciências contábeis, recorda que sofria um pouco com o gênio forte da irmã. “Quando dormíamos no mesmo quarto, ela costumava estudar até tarde e deixava a luz ligada. Eu dormia normalmente. Mas, quando eu fazia isso, ela reclamava e apagava a luz. Ela também tinha de usar o banheiro primeiro, se não a briga começava”, conta. A mais velha reconhece que sua personalidade era marcante. “Eu sempre fui muito difícil para conviver, e a minha voz tinha de prevalecer”, admite Vanessa.
Para o psicólogo Alexandre Marques, é necessário que as diferenças sejam aceitas. “É preciso respeitar a personalidade de cada um, pois somos seres individuais”, explica. Segundo ele, cada filho deve ser tratado de acordo com seus limites, desde a infância, pois cada ser humano é um universo diferente do outro. Nesse caso, o papel dos pais na criação das meninas foi cumprido e fez com que os conflitos se resolvessem com o diálogo entre elas. “As diferenças têm de ser analisadas e acatadas. Você não é perfeito, e o outro também não será. Irmãos precisam estar juntos, e não separados”, afirma Zélia, mãe das jovens.
Dose dupla
Para o casal Viviani Jordão, 39 anos, e Gustavo Barbosa Netto, 46, a preocupação com as disputas entre os filhos surgiu assim que souberam que esperavam os gêmeos Helena e Henrique, 6. Os pais buscaram ajuda na literatura e em especialistas para saberem a melhor forma de criar os filhos. “Adquirimos conhecimentos por meio da leitura e, durante algum tempo, tivemos apoio de uma psicoterapeuta. Ficamos muito receosos com relação à gemealidade”, revela Gustavo.
Quando as crianças nasceram, os dois buscaram aplicar o conhecimento obtido. Por meio de histórias, nas quais os irmãos podiam se identificar com os personagens, o casal fez com que cada um enxergasse suas diferenças e que elas deveriam ser respeitadas e aceitas. Gustavo e Viviani explicaram que o ser humano é provido de personalidade, virtudes e talentos divergentes, e, por isso, deve ser tratado de acordo com seus limites. “São coisas que procuramos passar para eles com exemplos. Criança gosta muito de histórias, ela se vê dentro dos contos. E procuramos sempre nos atualizar nas leituras de bons escritores sobre educação”, explica Gustavo.
Com diálogo e respeito às diferenças, é possível promover uma relação familiar saudável. Conflitos ocorrem, mas não precisam ser tão drásticos quanto as situações representadas na ficção, como a briga aparentemente sem solução entre os gêmeos Jorge e Miguel, interpretados pelo ator Mateus Solano na novela Viver a vida. Para Adriana Jatobá, os pais devem identificar e saber valorizar o que cada filho tem de melhor, nas áreas que cada um prevalece. “Eles devem reconhecer que são bons em tal coisa, mas tomando cuidado para que não haja a determinação de papéis, como: ‘Ele é o atleta da família’, ou ‘Esse é o artista da casa’”, explica. Todo cuidado deve ser tomado para que a definição de um papel não desanime a criança. “Essa denominação faz com que haja uma competição entre os irmãos. Você pode reconhecer que um dos filhos tem determinado talento na área, sem supervalorizá-lo, pois, se o outro faz a mesma coisa, ele pode se sentir desestimulado”, completa a psicopedagoga.
A prática, no entanto, é bem mais difícil que a teoria. O tempo mostrou para a família dos pequenos Henrique e Helena que a tarefa de educar não é fácil e demanda dedicação. Os pais perceberam que, apesar da união dos filhos desde o desenvolvimento na barriga da mãe, a gemealidade os separava quando as personalidades divergentes se confrontavam. “As brincadeiras revelam muito. Nesse momento, a criança quer chamar a atenção e sobressair sobre o irmão, pois é uma época de ela perceber sua identidade. Aí, tratamos essa questão com a conversa: ‘Olha, o Henrique pode ser melhor nisso, mas você, Helena, é melhor naquilo’. Trabalhamos para fazer com que eles tentem respeitar as diferenças e que elas são positivas”, explica Viviani.
A psicóloga Alexandra Girão Fernandes busca acalmar os pais que não veem os filhos tão unidos quanto gostariam. “Essa amizade pode acontecer quando eles crescem. Certamente, essa união será fortalecida pelos tantos anos de contendas. É na convivência com os irmãos que a criança aprende a enfrentar desafios, conquistar seu espaço, ter iniciativa, compartilhar e respeitar o outro”, avalia.
Como agir
Veja algumas dicas para os pais elaboradas pelas psicopedagogas Adriana Jatobá e Renata Garcia
» Evite determinar papéis com frases como “ele é o mais inteligente da família” ou “ela, sim, tem talento para matemática”. Isso pode causar frustração e gerar baixa estima no outro filho
» Não faça comparações do tipo “seu irmão aprendeu a andar de bicicleta mais rápido” ou “ele não tinha dificuldade nessa matéria quando tinha a sua idade”
» Dê a chance para que os irmãos tentem resolver suas desavenças sozinhos, negociando por conta própria. Assim, eles desenvolverão autonomia, liderança e discernimento. Mas interfira se houver agressão física
» Não tente tratar as crianças sempre da mesma forma, pois cada filho é dotado de uma personalidade, que deve ser identificada e respeitada de acordo com os limites
de cada um
» Busque sempre ouvir os dois lados da história, para não gerar um conflito ainda maior e evitar que a revolta e o sentimento de injustiça surjam
» Deixe que as emoções sentidas pelos filhos depois de uma briga sejam expressas. É importante colocar as chateações e angústias para fora, assim, elas sairão e deixarão espaço para as coisas boas entrarem
www.correiobraziliense.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário