Dengue e Zika vírus: comigo não
“Verão sem dengue e sem Aids”. Todos os anos esses slogans aparecem em diversos veículos de comunicação. No entanto, se existem tantas campanhas informativas, tanta gente sabe como pegar, como prevenir e muitas vezes como tratar essas doenças (automedicação é outro assunto), por que elas voltam?
As respostas mais simples seriam provavelmente “porque está chovendo e está calor” ou “porque é verão”. É simples, porque tendemos a ser superficiais, contentamo-nos com respostas simplificadas para problemas complexos.
Steven Levitt em seu Freaknomics mostra eventos históricos, cujas raízes estão muito distantes das causas superficiais apontadas por especialistas. Os números da Aids, especialmente entre jovens, as epidemias anuais de dengue, tão certas quanto o Carnaval, podem ser explicadas se analisarmos profundamente nossa história educacional.
Se conhecemos a prevenção, se os meios de comunicação estão saturados de informações, por que essas doenças estão ai? Minha teoria sobre isso foi batizada de “comigo não”. Nosso modelo educacional é falho no que se refere à prevenção.
Nossas escolas não trabalham a prevenção de acidentes ou de doenças. Mas, acima de tudo, a teoria do “comigo não” se baseia na falta de educação e de compaixão para com o próximo. Afinal, o Aedes do vizinho não é exclusivo dele. Temos dificuldades em formar, ainda na infância, cidadãos coletivamente responsáveis.
Diariamente vejo nas ruas sinais da nossa irresponsabilidade. Reflito: como pode um pai que dirige, usando cinto de segurança para não ser multado, carregar seu filho livre no banco de trás? Como pode esse pai fumar no veículo que leva sua família?
E como esperar que esse cidadão se preocupe com os focos de um mosquito em seu quintal em benefício à saúde de seus vizinhos? Poderia gastar páginas descrevendo exemplos de nossa falta de compromisso com a saúde coletiva: dirigir perigosamente, fumar publicamente, fazer sexo irresponsável.
A lista é grande, mas perceba que esses atos não exercem influência apenas sobre quem os pratica. Quando um vidro se quebra em casa, protegemos os cacos que vão ao lixo pensando na segurança do gari?
A explicação fácil para a dengue é que a culpa é sempre do poder público, nunca de nossa omissão. Outro dia, num mercado, alguém reclamava, pois os agentes de saúde foram a sua casa na hora que ele não estava. Isso acontece conosco, afinal trabalhamos o dia todo e os agentes vão durante o dia.
Mas será que isso nos exime da responsabilidade de zelar por nosso lar? A dengue é um problema coletivo e ela existe graças a nossa conivência e incapacidade de agir de forma altruísta.
Doenças coronarianas, acidentes de trânsito, Aids, dengue, malária são alguns dos agravos que mais matam no mundo. Agora, pense que essas causas de morte poderiam ser prevenidas mediante mudanças educacionais.
Porém, Platão, na “Alegoria da caverna”, e Gardner, em “Mentes que mudam”, ensinam”: mudar não é tarefa fácil; mudar a dieta, mudar a conduta, eliminar o preconceito. Seguimos nossas vidas irresponsavelmente acreditando que tudo isso pode acontecer com os outros. “Comigo não”.
Recentemente, o New England Journal of Medicina publicou artigo descrevendo os crescentes casos de infecção por Zika vírus, outro arbovírus transmitido pelo Aedes aegypti. Felizmente isso ocorre em ilhas da Micronésia.
No entanto, considerando-se o mundo globalizado e veloz, que permite a uma doença percorrê-lo em menos de 24 horas, e o fato de nossas condutas preventivas serem falaciosas e negligentes, é possível que num futuro próximo, além de pegar Dengue, pegaremos Zika, e provavelmente culparemos o azar.
* É biomédico e coordenador do curso de Biomedicina do Cesumar
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