Entrevista
Arnaldo Madeira: "Voto distrital é mais simples e menos sujeito à corrupção"
Sociólogo e ex-deputado explica como o sistema economiza dinheiro público, melhora o trabalho dos políticos e garante a representatividade do eleitor
Carolina Freitas
Nada de descanso: fora do Congresso, Madeira trabalha pelo voto distrital
(Paula Sholl / Agência PSDB)
" Grandes políticos saíram de distritos, como Winston Churchill, Margareth Thatcher e Tony Blair"
O ex-deputado Arnaldo Madeira, 71 anos, formado em sociologia e pós-graduado em administração de empresas, nem pensa em se aposentar. Mesmo assim, seus planos passam longe das próximas eleições. “Sofri uma derrota. Minhas teses foram derrotadas. Essa é a verdade. Não disputo mais eleição. Minha vida eleitoral acabou”, diz sobre o fato de não ter conseguido se reeleger nas eleições de 2010, com uma franqueza rara entre os políticos brasileiros.
Madeira agora divide o tempo entre ler e reler livros – os favoritos são sobre o século XIX –, reorganizar os cerca de 4.000 títulos da biblioteca que mantém em casa e fazer uma defesa ampla e com o maior alcance possível do voto distrital. O modelo prevê a divisão do Brasil em distritos e a eleição de um deputado federal em cada um deles. Cada partido teria de se organizar para apresentar apenas um candidato por distrito. O sistema pode ser aplicado nas esferas estadual, para eleição de deputados estaduais, e municipal, para a eleição de vereadores.
Madeira recebeu a reportagem do site de VEJA para uma entrevista em um café no bairro de Perdizes, na zona oeste de São Paulo. O ex-deputado pelo PSDB analisa os vícios do modelo político brasileiro e dos sistemas propostos pelos partidos nos últimos meses, como o distritão, do PMDB. “Uma aberração”, nas palavras dele.
Para o tucano, o problema central que o Brasil precisa resolver no próximo passo da reforma política é a falta de representatividade do Legislativo. “No Brasil, o conceito de representação inexiste. Tem eleição, mas não tem representação”, afirma. “O cidadão vota e, depois de três meses, não lembra em quem votou, não se sente representado e faz a crítica genérica ao parlamento.” A seguir, os principais trechos da entrevista:
A reforma política se arrasta há anos em Brasília. O senhor acredita que o governo Dilma e os parlamentares darão condições para tirá-la do papel? O Brasil é um país muito repetitivo. Nós estamos sempre discutindo os mesmos temas e andamos pouco. Eu estou lendo um livro, Trem noturno para Lisboa (Editora Record). Ele cita um autor português do século XX que diz estar cansado, esgotado, com asco de ouvir sempre as mesmas palavras, o mesmo discurso, as mesmas frases. Eu estou como ele. Não falo mais em reforma política. As coisas em Brasília são muito vagarosas. Lá não tem um espírito de debate para focar no que é relevante. Estão em debate propostas para mudança na forma de eleição dos parlamentares, mas ainda não se chegou a um ponto crítico para qualquer decisão. Isso leva tempo e o Congresso esta meio perdido.
A sua derrota nas últimas eleições atrapalha sua atuação por mudanças no modelo político brasileiro? O fato de eu não ter me elegido para mais um mandato me dá um certo alívio intelectual. Tive 28 anos de mandato, 16 como deputado federal e 12 como vereador em São Paulo. Sofri uma derrota. Minhas teses foram derrotadas. Essa é a verdade. Eu tive 72.000 votos. E fiz uma campanha só discutindo o Brasil. Eu tenho de ler isso e assumir que tenho de fazer outras coisas. Não disputo mais eleição. Minha vida eleitoral acabou. Mas a vida não é só eleição, nem só política.
Mesmo sem reforma política, o Brasil teve mudanças nos últimos anos, do ponto de vista eleitoral e político. Como o senhor vê essas alterações? Da Constituinte para cá muita coisa avançou, muita coisa melhorou. A reeleição é uma coisa boa, que está funcionando. A qualidade da gestão econômica mudou no país. O prefeito que quer se reeleger faz uma melhor gestão econômica. Isso foi uma conquista. A reeleição é uma parte importante da reforma política que vem sendo feita devagar. A reeleição significa a pessoa ser eleita por oito anos de mandato e, no meio, ter um referendo para ver se ela continua ou sai. Avançamos na reeleição, na transparência, no tempo disponível na televisão e no rádio. Até no uso do recurso público para as eleições. Você tem financiamento público, pelo tempo de televisão e rádio, pelo fundo partidário. É dinheiro público. Estabeleceram-se vários controles sobre as verbas privadas doadas em campanha. Houve mudanças muito significativas. O que se mexeu está correto.
Qual é o maior vício da política brasileira hoje? O problema está na representação parlamentar. O primeiro ponto é a figura do senador biônico, ou seja, o senador que não tem um voto e ganha sete anos e meio de mandato. O senador biônico foi uma criação do período autoritário. Um terço do senado era eleito por indicação do governador, com aprovação da assembleia legislativa. Na democracia, não conseguimos acabar com essa figura, pelo contrário, a pioramos. Criamos o suplente, que ninguém sabe quem é. O suplente é uma namorada, uma secretária, um filho, um irmão, alguém de outro partido. É um sujeito que não tem um voto e, de repente, ganha um mandato de sete, oito anos de graça.
Os suplentes são escolhidos para substituir os senadores em caso de licença ou morte. Como ocupar esse cargo? Para mim é muito claro. Se o político elegeu-se senador, uma das figuras mais importantes da política, mas foi chamado para ser ministro, deve renunciar ao mandato. O governador do estado em que o senador for eleito indica alguém para ocupar a vaga. O nome passa pela assembleia estadual e assume até a próxima eleição, que será municipal. Nesse pleito, faz-se uma votação extra para a vaga de senador. Assim, ninguém terá mais do que dois anos de mandato de suplente. É muito mais adequado que a calhordice que temos hoje. A reforma política, para mim, está restrita a dois pontos: terminar com os senadores biônicos e mudar o sistema de escolha de parlamentares.
O senhor defende o voto distrital. O que muda com esse modelo? No Brasil, o conceito de representação inexiste. Tem eleição, mas não tem representação. O cidadão vota e, depois de três meses, não lembra em quem votou, não se sente representado e faz a crítica genérica ao parlamento porque não tem o representante dele para falar. Eu defendo o voto distrital puro. Você divide o país em zonas eleitorais mais ou menos homogêneas em termos de tamanho e cada região elege um único deputado. Por exemplo, em São Paulo são setenta deputados, então seriam setenta distritos. Cada distrito vai ter cerca de 430.000 eleitores. Cada partido ali só poderia apresentar um candidato. Então você diminui violentamente o número de candidatos. O que for eleito passa a ser o representante do distrito. É o sistema mais simples de entender, menos sujeito à corrupção.
O que leva a menos corrupção neste modelo? O sistema é menos passível de corrupção. A eleição hoje virou uma safra agrícola, um estímulo à corrupção, aos instintos mais primitivos da vida pública. O sujeito arruma um empreguinho durante a eleição para ele, para o filho. O cara vai ter um emprego, como se fosse um cortador de cana, para buscar voto, distribuir material. No distrito você vai ter outras coisa. O cara vai começar a pensar no político como seu representante. O político toma a posição e, se o sujeito estiver interessado, ele sabe quem é o representante dele e quais são as ideias desse político.
No modelo distrital, cada partido lança um candidato para cada distrito eleitoral. Como isso muda a forma de fazer campanha? Se eu sou candidato de um distrito, tenho de estar o tempo todo no meu distrito. Vou gastar menos em viagens, em cabos eleitorais. Depois de conquistado o mandato, a população pode cobrar dele cada decisão que ele tomar em Brasília. Ele terá sempre de voltar para sua base.
Paulo Maluf não seria facilmente eleito no sistema do voto distrital? Na minha opinião, ele teria mais dificuldade com o voto distrital. Ele tem um eleitorado fiel e espalhado. Ele teria de encontrar um distrito em que fosse competitivo.
E o que o eleitor ganha com o voto distrital? O distrito desenvolve o conceito de cidadania. Quem estiver interessado e quiser se envolver com política vai ter a possibilidade de fazê-lo. Uma amiga minha que mora nos Estados Unidos, por exemplo, onde o voto é distrital, me disse de boca cheia que escreveria para o seu representante para falar sua opinião sobre o aborto, que era o assunto do momento no país. Ou seja, você ganha a consciência de que tem um representante. Hoje o eleitor brasileiro sente-se órfão.
A cada eleição, os partidos vivem verdadeiras guerras internas para a escolha de candidatos a prefeito, governador e presidente. Ter de escolher apenas um candidato para o parlamento por região não acirraria ainda mais os ânimos? Não acredito nisso. O voto distrital vai fortalecer os partidos. Se você tem o país dividido em distritos, cada partido vai ter de se organizar dentro de cada distrito, ver quem são as lideranças locais, trazê-las para o partido. Os partidos hoje estão transformados em cartório de registro de candidatura e você só mobiliza os filiados na campanha eleitoral.
Críticos do voto distrital dizem que os parlamentares eleitos por esse sistema, por terem base em bairros ou cidades, dariam prioridade a temas locais. Isso é uma bobagem. Os deputados já são, em grande medida, representantes de regiões, de cidades. Na prática, uma parte do parlamento já é distrital e a maioria dos deputados já tem preocupação com o que vão levar para as cidades que o elegeram. É um preconceito achar que o sujeito que pensa o bairro dele, que está numa região pobre, por exemplo, não é capaz de pensar também o país. Uma parte da esquerda acha que o pobre não é capaz de ver além de seus problemas imediatos. E isso não é verdade.
Há quem diga também que o critério territorial de distribuição dos distritos impediria a eleição de candidatos defensores de causas, como a ambiental. É, mais uma vez, preconceito. Não é porque alguém é representante de Cidade Tiradentes, bairro da zona leste de São Paulo, que ele só tratará de assuntos de Cidade Tiradentes. O cara que está na Cidade Tiradentes pode pensar a posição do Brasil em Honduras ou qualquer outro assunto de relevância nacional.
Mas, para que isso funcionasse, seria preciso também um amadurecimento do parlamentar, não é? Sim, mas isso é possível. Grandes políticos saíram de distritos, como Winston Churchill, Margareth Thatcher e Tony Blair. Um dos grandes argumentos que ouço contra o voto distrital é que não somos um país anglo-saxão e o modelo não daria certo. Então vamos continuar com a nossa mediocridade?
O Brasil tem 22 partidos com assento na Câmara. O voto distrital reduziria esse número? Eu estou preocupado com o seguinte: qual sistema político vai permitir que você tenha uma melhor gestão da coisa pública? Se o voto distrital vai levar a dois, três partidos, acho ótimo. Vai aumentar a governabilidade. Nós estamos com um problema de gestão pública terrível. A coligação entre partidos implica gasto público, em distribuir ministérios e secretarias sem critérios técnicos. Os governos estão fazendo a política mais rasteira, entregando cargos para pessoas sem qualificação específica, por causa de coligações. Se você tem um partido claramente majoritário, você tem mais possibilidade de fazer maioria com menos custo.
Então menos partidos representam economia para o país? Estudos acadêmicos mostram que países com menos coligações e menos partidos têm uma vida orçamentária mais disciplinada, gastam menos recurso público. Hoje vemos uma farra com dinheiro público. O sistema político induz a isso. O Brasil patina porque não se consegue pensar globalmente numa estratégia de desenvolvimento. Fica nessa agonia: a primeira coisa que o político pensa quando ganha a eleição é no que precisa fazer para ganhar a próxima eleição.
O parlamentar eleito pelo voto distrital seria menos comprometido com interesses econômicos e empresariais, de setores? Em uma sociedade democrática capitalista, vão haver sempre interesses. Isso não vai deixar de existir, mas é preciso haver transparência. Nos Estados Unidos, os parlamentares eleitos por distritos onde há presença dos setores do aço ou do algodão atendem às demandas daquele lobby. Isso faz parte da vida democrática. O importante é que o parlamentar represente um distrito com suas peculiaridades. Da soma dos interesses de cada distrito sai a representação. Por isso sou contra o financiamento público de campanha. Financiamento público é dizer: vamos botar o caixa dois para funcionar. Achar que os políticos vão usar só dinheiro do estado para fazer campanha política é demagogia.
E o senhor acha que os parlamentares brasileiros estão prontos para tanta mudança? Há alguma chance, muito pequena, de o Congresso um dia aprovar o voto distrital misto. Mas isso só se houver uma grande mobilização popular pelo modelo, como houve pela aprovação da Lei da Ficha Limpa. Se depender do Congresso, qualquer debate é empurrado com a barriga.
O PT defende o voto em lista fechada, em que o partido organiza uma lista de candidatos e os eleitores votam na legenda. O governo mostrou força na primeira votação importante do governo Dilma, do salário mínimo. Qual a estratégia da oposição para evitar mais uma derrota? Pela minha experiência, a gente corre um risco muito grande de conversar, conversar, debater, debater e ficar tudo do jeito que está. A minha sensação é que a lista fechada terá muita dificuldade para ser aprovada, pois uma mudança desse tamanho tem de ter o apoio de uma maioria. Sem o PMDB, o PT não conseguirá aprovar a lista fechada. Na minha opinião, esse modelo tira do eleitor o direito de escolher o seu representante. Você vota na legenda e o partido define a ordem de preferência dos candidatos. A relação entre representante e representado fica mais distante ainda. O deputado não vai precisar pajear o eleitor, mas a direção do partido, para estar numa boa posição na lista.
E o PSDB está unido na defesa do voto distrital? Sim. O voto distrital está no programa partidário do PSDB. A maioria da bancada defende o distrital misto. Eu sou uma voz isolada a favor do distrital puro, mas topo o misto. Nele, metade do parlamento é eleito por distrito e outra metade, em lista, escolhido pelo partido.
O senhor falou sobre a necessidade de pressão popular para que o modelo seja votado e aprovada no Congresso. O PSDB vai fazer campanha pelo voto distrital? O PSDB está engajado nisso, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso está criando uma plataforma na internet para debater grandes temas e um dos temas será o voto distrital. Tem muita gente trabalhando nisso. Na semana passada o pessoal do PSDB de Santos me convidou para uma palestra sobre assunto. É um movimento que vai crescer.
O PMDB tem defendido a criação do distritão. O modelo acaba com o quociente eleitoral e elege os mais votados em cada estado. Qual a opinião do senhor sobre esse modelo? É uma aberração. Eu acho vexatório que alguém proponha uma coisa deste tipo, sem nenhuma base teórica. O distritão nada mais é do que enfraquecer ainda mais os partidos, colocar todo o peso do mandato para o deputado, sem nenhum controle público. É uma forma de enganar os eleitores. É mais uma prova da falta de foco na política brasileira. O foco de qualquer mudança no critérios das eleições é melhorar a relação entre representante e representado. O distritão faz o contrário.
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