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CORREIO BRAZILIENSE - DF | EU, ESTUDANTE CAMISINHA | LGBT 07/06/2010 Diferente, sim! Meninos e meninas que já assumiram a homossexualidade contam como é lidar com isso no dia a dia na escola Ensino médio não é fácil. Basta tirar uma nota melhor, ser pior em esportes, ou mesmo usar uma roupa mais original, ou seja, ser um pouco diferente, que todo mundo já começa a olhar torto ou encher o saco. Ainda bem que a gente pode contar com os colegas e até com alguns professores para darem aquele apoio quando não se encaixa em algum grupinho da escola. Agora, imagine ter uma orientação sexual diferente de todo mundo, respirar fundo e assumir sua escolha numa boa. Veja como alguns estudantes corajosos encararam essa questão. Mais comum, mas não mais fácil Carlos Moura/CB/D.A Press - 14/5/10 Thammine, 18 anos, pediu ajuda a uma professora Cláudio* tem 17 anos e estuda no 1º ano do Centro Educacional 02 (CED 02) de Sobradinho. Ele é gay e, hoje em dia, todos os seus colegas já sabem. Mas na 5ª série, não era bem assim. "Foi muito difícil. Eu já me sentia diferente, mas só andava com héteros e eles só falavam de futebol e mulheres. Eu não gostava de jogar futebol, era sempre o gandula ou o último a ser escolhido. Gostava de queimada, que era 'coisa de menina'," explica. "As pessoas me perguntavam por que eu não ficava com nenhuma garota, comentavam que a minha voz era mais fina. Eu nunca pertenci mesmo a um grupo, era bem tímido." Aos poucos, Cláudio começou a se abrir. "Quando me sentia à vontade em um grupo deixava escapar alguma coisa sem querer querendo. Muita gente fazia piadinha, mas alguns amigos perguntavam por curiosidade mesmo, sem preconceito, porque isso era novo para mim e para eles." Apesar de ter contado para os amigos, Cláudio ainda não teve coragem de se abrir com a família e os colegas no trabalho. Uma vez, depois de assistir a uma reportagem sobre jovens homossexuais, a mãe perguntou sem rodeios se o filho era gay. "Não tive coragem de contar. Hoje em dia está bem mais comum ser gay, mas não digo que está mais fácil." Invisíveis na sala de aula? O tabu sobre a homossexualidade é uma das coisas que mais incomodam Lucas Goldim. Quando ele estava na 6ª série, a coordenação do colégio chamou seus pais para uma conversa. Achava que o garoto era gay e queria avisá-los. "Apesar de meus pais serem liberais, nunca conversaram comigo diretamente. Só fui descobrir sobre esse dia quando contei para eles." A resistência em relação ao assunto não rola só Carlos Henrique, 18, estudante de letras da Faculdade Mauá, também sentiu falta de aulas sobre o tema no ensino médio. "Até héteros sentem falta, porque se não sabem o que é, não se sentem seguros para lidar com isso. Fala-se sobre CAMISINHA, sexo, tudo. Mas nunca sobre homossexualidade." O garoto faz parte do Elos - Grupo de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais do Distrito Federal. "A gente quer combater o preconceito contra LGBTs. Quando uma criança vê um casal HOMOSSEXUAL não acha estranho. Só depois que o pai diz que ela não pode olhar para aquilo é que ela começa a ter preconceitos. A escola não pode reproduzir essa homofobia." Claudiene Santos, professora doutora em psicologia da Universidade Católica de Brasília, explica que essa "invisibilidade" tem tudo a ver com certa ignorância dos pais e uma omissão das escolas. "É falta de conhecimento. Muitos pais têm medo de que professores e professoras façam uma apologia à homossexualidade." Segundo Claudiene, os parâmetros nacionais de educação preveem o debate sobre homossexualidade em sala de aula e a discussão sobre a diversidade. "A educação tem que ser inclusiva e abordar o ser humano em todas suas expressões. A escola não pode ser omissa e deve promover a diversidade em todas as suas formas. Isso tem que ficar claro nos livros didáticos e também nas aulas," defende. Professor também pode ser aliado! Em casos como esses, a orientação dos professores faz toda a diferença. É o que diz João*, 17, estudante do CED 02, de Sobradinho. "Uma vez alguns colegas estavam me xingando e eu contei pra professora. Ela pediu para o menino ir à direção e ele foi suspenso por um dia. Eu sabia que ainda iria sofrer vários preconceitos, e disse que não precisava tanto. Mas ela me falou que ele tinha a obrigação de me respeitar e que a gente estava em um ambiente escolar, então aquilo serviria de exemplo para ele no futuro. Tenho certeza que ele não vai fazer isso de novo." A forma como o assunto é tratado também influencia. A estudante de serviço social Lusa Portuguez, 22, questiona: "Sinto que as pessoas têm necessidade de rotular, mas não preciso de uma categoria, nem quero. Gosto de pessoas." Além de combater o preconceito, os professores também são importantes conselheiros. Thammine de Medeiros, 18, estudante do 3º ano do Centro de Ensino Médio 03 do Gama, conta que a conversa com uma professora foi importante para resolver os conflitos Thammine é vice-presidente do grupo Ações Cidadãs Orgulho LGBT A solução que Pedro*, 17, agora estudante de ciências sociais da Universidade de Brasília, encontrou para sair do invisível e combater o preconceito foi falar abertamente com os professores de sua escola particular. "Sou gay desde a 7ª série, a partir daí tive um processo de aceitação. No 1º ano, assumi para meus amigos. A galera precisa naturalizar a homossexualidade, ver que o pessoal LGBT está em todos os lugares, não só nos estereótipos." No 3º ano, o garoto começou a combater o preconceito também. "No início eu até aceitava as piadinhas porque tudo é tão silenciado, que só o fato de falar nisso era um ponto positivo. Mas depois comecei a questionar." Pedro conta que, um belo dia, o professor novo de história chegou fazendo uma piadinha homofóbica. No fim da aula, Pedro pediu pra conversar. "Fiquei com raiva e questionei - como é que podia, um professor falar daquele jeito? No dia seguinte, ele pediu desculpas para toda a turma. Eu achei massa e comecei a conversar com todos os professores, explicando como eles poderiam criar preconceito entre os estudantes." Pedro conta que um dia entrou em uma discussão com o dono do colégio, por causa de uma piada homofóbica. Bolsista, ele teve medo de ser expulso. A surpresa foi boa, quando o dono pediu desculpas, após o telefonema de uma mãe que soube da briga. "Tá certo que não foi espontâneo, mas mostra que pelo menos existe uma preocupação." Já Larissa Vasques, 22, agora estudante de psicologia da Universidade de Brasília, não foi tão bem recebida no ensino médio. Quando estudava em uma renomada escola particular do DF, ela e um grupo de amigas do time de futebol foram chamadas à coordenação. "Eles não expulsam você, fazem um convite constrangedor para que você se retire ou consulte um psicólogo. Caso contrário, ameaçam contar para os seus pais. Eu não podia sair do armário para os meus pais naquela época. Tinha só 16 anos. Acabei mudando de colégio." Lucas Gondim conta que o mesmo aconteceu com uma amiga, em outro grande estabelecimento de ensino de Brasília. "Ela não fazia nada demais, mas andava com um pessoal LGBT. Saiu da escola porque não quis fazer tratamento psiquiátrico." Débora Magalhães, 22, estudante de nutrição da UnB, também vivenciou o preconceito no ensino médio. Na festa junina, queria ser par da amiga na quadrilha. "A professora achou um absurdo, disse que ia ficar feio, que os pais não iam entender. Quando dois meninos também disseram que queriam dançar juntos, a coisa só piorou." No fim, a coordenadora deixou as meninas dançarem, mas os meninos foram impedidos de formar um par. O preconceito extrapolou os muros da escola de Débora. Uma de suas amigas foi vista no shopping, com a namorada, pela coordenadora do curso. No colégio, ela chamou a menina para conversar. "No início ela tentou ser bacana, perguntou como era, o que ela sentia. Depois começou a pressionar, perguntando se a mãe dela sabia, o que ela faria." A solução encontrada pelos colegas para protestarem em defesa da amiga, foi fazer um beijaço (manifestação em que meninos e meninas se beijam) na escola. Assumir para os colegas ou para a família? Jaqueline*, 21, amiga de Cláudio, conhece bem as dificuldades de ser LÉSBICA na adolescência. Há quatro anos, quando estava no ensino fundamental, ela e uma amiga se apaixonaram. Na escola, era quase imperceptível. Elas conversavam, trocavam cartinhas, mas nada que as outras colegas não fizessem. Após a aula, iam juntas para casa, conversando. Um dia, a tia de Jaqueline, professora de português no colégio, viu as namoradas de mãos dadas. Foi um problemão! "Ela me deu uma semana para eu contar pro meu pai, senão ela mesma contaria. E disse que preferia que eu fosse qualquer coisa, menos aquilo." Na hora de abrir o jogo com o pai, foi mais difícil ainda. "Ele disse que a casa era dele e as regras também. Se quisesse ficar lá, teria que aceitar. Então saí de casa. Depois de um ano, a gente se encontrou e conversou. Ele disse que me respeitaria, contanto que eu não levasse ninguém lá para casa. Hoje as coisas estão melhorando," conta Jaqueline. O vestibulando Lucas Goldim, 18, que estudou em três colégios particulares do DF, explica a diferença entre se abrir em casa ou no colégio. "Contar para a família é mais difícil do que para amigos, porque se tudo der errado com amigos, ok. Mas com a família, não. É uma relação diária. Já pensou quanto tempo vocês podem ter que ficar de cara fechada na mesma casa?". O garoto começou a se afirmar na escola, para alguns amigos e professores. Depois, em sites de relacionamento, como Orkut, Twitter e Formspring. Até que tomou coragem e contou para a irmã. "Na aula, sempre rolam piadinhas, xingamentos. Quando as pessoas ainda não têm certeza, ficam querendo provocar. Depois que descobrem, ficam curiosas, mas deixam os comentários maldosos de lado. O que rola é que, quando sabem que você é gay ou LÉSBICA, sempre que o assunto vem à tona, você fica com medo de virar o centro das atenções." *personagens com menos de 18 anos ou que não quiseram se identificar receberam nomes fictícios para essa reportagem. |
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