Trata-se de mais uma ofensiva do conservadorismo do Vaticano que adquiriu, sob a gestão do ex-cardeal de Munique, sagrado Papa em 2005, contornos mais definitivos. Essa nova onda de ataques tem na mira o avanço dos direitos de homossexuais e a cooptação para as hostes católicas de quadros descontentes de Igrejas mais avançadas, como a Anglicana.
Nos Estados Unidos, o arcebispo de Nova York, Timothy Dalan se tornou um dos principais críticos do avanço da agenda da cidadania LGBT no Governo Obama, ameaçando inclusive precipitar um conflito nacional, com o Governo do democrata, impulsionado pela Igreja Católica. Como recompensa, Thimoty será sagrado cardeal pelo Papa, em fevereiro.
No Brasil, após a decisão do Supremo Tribunal Federal, em maio de 2011, que equiparou as uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo às uniões entre heterossexuais, a CNBB, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, reunida em sua 49ª Assembléia Geral, afirmou que a união entre pessoas do mesmo sexo não se equipara à entidade familiar, entendida pela Igreja como a união entre homem e mulher. Ainda durante a assembléia, ocorrida em Aparecida, interior de São Paulo, a CNBB se adiantou ao líder da Igreja, afirmando que essa equiparação descaracteriza a identidade da família e ameaça a estabilidade da mesma.
Cooptação
Recentemente, no final de 2011, três bispos da Igreja Anglicana converteram-se para o catolicismo. Espera-se para a Páscoa a ordenação de cerca de 50 sacerdotes, que estão abandonando o anglicanismo. Trata-se de um duro golpe na estrutura da Igreja Anglicana dado pelo Vaticano, visando a cooptação de quadros conservadores, descontentes com a Igreja inglesa pela ordenação de sacerdotisas e a nomeação de bispos homossexuais. Assumidos.
A estratégia do Vaticano foi formalizada em 2009, quando Bento XVI aprovou documento facilitando a conversão de autoridades religiosas anglicanas ao catolicismo, permitindo a manutenção de algumas tradições, como a existência de sacerdotes casados. O anúncio foi feito pelo cardeal William Levada, substituto de Ratzinger como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, órgão que sucedeu o Tribunal da Santa Inquisição e que fora dirigido por Ratzinger, antes de sua nomeação como papa.
Contraponto
A fala de Bento XVI vem logo após discurso do Secretário Geral da ONU, Ban Ki-moon no qual o representante das Nações Unidas, convoca governantes, educadores e lideranças a combater a homofobia. O discurso de Ban Ki-moon foi proferido em 08 de dezembro de 2011, em um evento em Nova York, sede da arquidiocese de Thimoty Dalan, sobre discriminação e violência com base na orientação sexual e identidade de gênero.
Em 17 de julho de 2011 o Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou resolução sobre a existência de leis discriminatórias contra LGBT em diversos países do mundo. A resolução foi apresentada pela África do Sul, em conjunto com Brasil e mais 39 países.
Para onde caminha a Igreja?
Os novos rumos da Igreja Católica, sob o papado de Joseph Ratzinger, aquele que proferiu voto de silêncio ao sacerdote brasileiro Leonardo Boff, quando Prefeito do novo Tribunal do Santo Ofício, apontam para uma Igreja cada vez mais distante de suas bases e dos avanços da sociedade. Essas opções políticas não permitem vislumbrar uma recuperação da perda de respeito e, principalmente, de fiéis, que a Igreja de Roma vem sofrendo há décadas.
Esse direcionamento da Igreja, de ampliar a ofensiva contra os direitos humanos e importar quadros reacionários de outras organizações religiosas aponta no sentido contrário ao de reconhecer os próprios atos que realmente ameaçaram a humanidade, como a Inquisição, o apoio à escravidão e os acordos com Adolf Hitler na Alemanha Nazista. De ameaças à humanidade, como se sabe, a Igreja entende bem.
O avanço dos direitos LGBT e o casamento gay, inversamente do que diz o Papa, só ameaça à hipocrisia da própria Igreja, na medida em que a Santa Sé teme ver uma debandada geral de seus bispos e padres para fora do armário.
Alessandro Melchior é Conselheiro de Juventude da Presidência da República pela ABGLT
Alessandro Melchior
Twitter: @alemelc
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