Homossexuais e aids no Brasil: até onde vai essa omissão?
Artigo Publicado na Agência de Notícias da Aids
São cidadãos presentes em todas as comunidades, de todas as idades, raças, estratos sociais, profissões e regiões do país, são jovens, adolescentes, idosos, HIV-positivos, profissionais do sexo, usuários de drogas, casados com mulheres, detentos etc.
Muitos frequentam bares, baladas, saunas, cinemas, banheiros públicos, parques, mas grande parte deles está diluída na população em geral. Nem sabemos ao certo como chegar até eles.
Parados no tempo, não desenvolvemos modelos de prevenção que consideram o impacto desigual da infecção pelo HIV nas diferentes formas de viver a homossexualidade. Não há no Brasil política pública de prevenção adaptada às novas gerações, às maneiras atuais de afirmação de identidades homossexuais, aos novos comportamentos e estilos de vida que influenciam a gestão do risco.
O fato é que é o amplo conhecimento por parte dos homossexuais sobre as formas de infecção pelo HIV não se traduz na adoção de comportamentos seguros. É parcial o raciocínio de que há complacência dos homossexuais, que, em plena era do tratamento potente, não viveram pessoalmente a severidade das primeiras fases epidemia da aids. Também é parcial a visão de que a discriminação, somente ela, impede os gays de acessarem a prevenção.
As relações sexuais entre homens muitas vezes são espontâneas, passageiras, escondidas, anônimas. Por uma questão de cultura dessas pessoas, não só porque são excluídos e discriminados. Há dificuldade em fazer sexo seguro consistente, permanente, ao longo de toda a vida. É difícil propor e aceitar a utilização do preservativo, por exemplo, num contexto de múltiplos parceiros.
Ao optar por uma política substitutiva que só enxerga a vulnerabilidade social dos gays, o Brasil não promoveu um programa integral de saúde pública, nem sequer absorveu evidências internacionais que dão pistas para aprimorar as mensagens e instrumentos de prevenção. Sabe-se que fatores como exclusão social, depressão e auto-estima abalada estão ligados à infecção pelo HIV entre homossexuais; que a realização de seguidos testes com resultados negativos conduz à falsa noção de uma certa “imunidade” em relação ao vírus; que o uso de álcool ou de drogas antes da relação sexual leva à perda do controle da situação e ao sexo de maior risco; que a Internet é facilitadora de práticas sexuais desprotegidas entre os gays e, por isso, um campo de prevenção prioritário.
Vários países promovem hoje debates que talvez sejam difíceis de o Brasil assimilar, mas não é correto deixar de disponibilizar as informações. A França discute programas de prevenção para gays baseados na redução de danos e na hierarquização de riscos. Para deter a epidemia, a Suíça defende o acesso precoce e contínuo dos homossexuais HIV-positivos à terapêutica antirretroviral. A Austrália levanta que a circuncisão pode proteger os homens homossexuais que têm preferência por sexo insertivo. Nos Estados Unidos, as autoridades sanitárias preferem levar a público uma situação até mais alarmante que a nossa, pois lá um em cada cinco homossexuais é portador do HIV, quase a metade ignora ser soropositivo e a taxa de infecção entre homens gays subiu 17% desde 2005, conforme estudo do CDC publicado em setembro de 2010. E, diferente do Brasil, vários países divulgam aos homossexuais a possibilidade de acessarem os medicamentos antirretrovirais imediatamente após a exposição sexual ao risco.
Não será possível, de um dia para o outro, recuperar mais de uma década perdida. Mas é hora de abrir a discussão e tomar medidas concretas, inovar na prevenção (a ser liderada pelas prefeituras, não só pelas ONGs), fazer aumentar a testagem voluntária entre os gays, diminuir o diagnóstico tardio por meio do teste rápido (feito nas unidades públicas, por profissionais do SUS), ampliar a insuficiente distribuição de preservativos e gel lubrificante íntimo, respeitar e incluir os homossexuais que vivem com HIV como parte da solução.
As medidas voltadas para os jovens homossexuais são as mais urgentes. Não podemos permitir no Brasil que o HIV seja um ritual de passagem para cada nova geração de homossexuais, como está acontecendo, por paralisia e omissão.
A proibição de doar sangue imposta pelo próprio Ministério da Saúde e a não concretização de projetos de lei que instituiriam a união civil e a criminalização da homofobia, além da identificação dos gays como vilões e culpados pela disseminação do HIV, são faces do mesmo preconceito que dificulta olhar de frente para um problema de saúde pública de tamanha magnitude.
Devemos quebrar barreiras e mudar a história da prevenção do HIV entre os homossexuais no Brasil, até agora um caminho de ações dispersas e erráticas.
Mário Scheffer é presidente do Grupo Pela Vidda-SP.
Nota pessoal: Esse texto deve ser lido e discutido por isso estou reproduzindo aqui, quero saber o que vocês acham.
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