É positivo que as urnas tenham forçado Serra e Dilma a mostrar mais a cara e formular compromissos de governo. É mais fácil para o político trair promessas verbais, assopradas no calor da carreata, do que cartas públicas à nação. O Brasil não deu um cheque em branco a Lula – terá sido, no máximo, um cheque pré-datado e ao portador, caso sua candidata vença no dia 31 de outubro.
Quem diria que uma ex-ministra caída em desgraça no governo do PT se tornaria a maior responsável pelas olheiras fundas e arroxeadas de Dilma no domingo após a eleição?
Começaram, ali, as cenas constrangedoras. Lula não apareceu ao lado de Dilma no discurso da “derrota”. O candidato a vice, Michel Temer, do PMDB, parecia estar num velório – mas já sibilava a cobrança do poder compartilhado. Era um bando de engravatados num cortejo fúnebre. A maquiagem pesada da petista não escondia o abatimento, Dilma mancava com a torção do tornozelo. Achei que ela tinha chorado.
A bateria de críticas à criatura partiu do criador – como se o presidente nada tivesse a ver com o resultado. Dilma tem de descer do salto alto, abandonar o púlpito, ignorar o marketing, misturar-se à multidão, dizer que é contra o aborto, esquecer a plataforma do PT sobre o assunto, mostrar-se mais humilde, religiosa, atrair Marina Silva de volta, abraçar as árvores, os pobres. Tem de respeitar a imprensa. Não é mole não. Os governadores aliados criticaram o destempero recente de Lula. Antes, aplaudiam babando.
Serra redescobriu o esquecido Fernando Henrique e seu legado. Aécio Neves, já triplamente vitorioso em Minas, redescobriu Serra. Itamar Franco, eleito senador na cola de Aécio, redescobriu sua verve: “Seja mais Serra e menos marketing”, disse ao tucano.
No terreno minado do PV, os verdes deram entrevistas grupais, bradando ao microfone. Marina precisou enquadrar a fome dos companheiros por cargos. Eles ameaçaram não seguir sua orientação. Mas foi o discurso inteligente e inovador de Marina que mudou o jogo e valorizou a sigla. Uma forma diferente de fazer política, lembram?
“Eu me sinto traído”, disse Lula em 2005, referindo-se aos companheiros aloprados do mensalão. Com o PT, afirmou, tinha desejado “construir um instrumento político que pudesse ser diferente de tudo que estava aí”. Mas traiu a si mesmo. Posou rindo com Collor. Alguém lembra o rosto compungido do vice José Alencar? Lula sustentou Sarney, apoiou Renan Calheiros e engoliu Temer.
O que se faz agora com o aborto é uma das maiores hipocrisias eleitorais da história. Nem Dilma nem Serra jamais defenderam o aborto em si. Ambos têm posição parecida e alinhada com as democracias europeias, entre elas um dos países católicos por excelência, a Itália. PSDB e PT já defenderam a descriminalização do aborto. O PV também. Serra e Dilma gostariam que o Brasil debatesse o aborto à luz da saúde pública, para evitar a prisão ou a morte de mulheres pobres em clínicas clandestinas. Lula cansou de defender o mesmo. Está quietinho.
A coisa é tão complicada que levou Serra a cometer uma gafe: “Nunca disse que sou contra o aborto, porque sou a favor. Ou melhor, eu nunca disse que era a favor do aborto porque sou contra o aborto. Sou contra”.
Há muitos motivos para votar ou não votar em Dilma ou em Serra. E não é a religião que os distingue. É inacreditável que uma manobra tão primária ofenda o Estado laico e o eleitor inteligente. Dilma não é uma feiticeira do século XXI. Mas, com medo, posa de carola, refém de padres e pastores. Nossos candidatos agora são verdes e beatos desde criancinhas. Com isso, traem suas convicções. Provavelmente, veremos Serra e Dilma rezando no próximo debate. Haja fé.
Leia ainda neste blog:
CORRUPÇÃO- REPASSANDO DA LISTA DE DISCUSSÀO. Ana Bt sobre as eleições:
www.epoca.com.br
Olá nilo geronimo borgna,
Você postou o seguinte comentário no site de Época.
" Suas sempre maravilhosas crônicas têm o dom de expor todos os meu pensamentos. Tanto que quase sempre faço menção e meu blog, pondo link para vc. Desta vez superaste, conforme pode ver meu pequeno artigo no mesmo. Depois da eleição tendo Visto que Marina ficou em 3 lugar pendia a votar no Serra, mais depois de pesquisas verifiquei que em São Paulo, tambem não está tão livre de suas corrupoções, conforme post em blog. Estou tão decepcionado que pendo a anular meu voto, Não é possível que todos os políticos não se tocam e vivem se metendo em confusões, se essas confusões fossem apenas por comentários vá lá, mas usar prestigios plítico para fzer seus conchavos e ganhar uma graninha, assim não dá! Como diria Boris Casoi "E UMA VERONHA!!!!" http://ativismocontraaidstb.blogspot.com"
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