11/06/2010
Em vez de pílula, tabelinha
Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 14 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismo
cristianes@edglobo.com.br
Adolescentes (e pós-adolescentes) gostam de viver perigosamente? Não sei se gostam, mas não tenho dúvidas de que é assim que vivem. A adolescência é uma fase desconfortável, cheia de inseguranças e impulsos que quase sempre produzem enrascadas. Às vezes, as confusões provocam ferimentos emocionais leves. Como, por exemplo, brigar com a melhor amiga por causa de um namorado. Em outras vezes, o produto da impulsividade dura para sempre. É o caso de uma gravidez – ou de um aborto.
O “viver perigosamente” repercute em vários campos da vida. Mas é na sexualidade que produz os efeitos mais radicais e irreversíveis. Andei pensando nisso há alguns dias quando li o resultado de uma ampla pesquisa sobre sexualidade realizada nos Estados Unidos. Duas mil e oitocentas adolescentes de 15 a 19 anos foram entrevistadas pessoalmente em suas casas entre 2006 e 2009. A pesquisa foi coordenada pelo Centro de Controle de Doenças e Prevenção (CDC).
O que mais chamou minha atenção foi descobrir que a velha tabelinha (a tentativa de estabelecer quais são os dias férteis e não fazer sexo nesses dias) ainda faz a cabeça da garotada. Em 2002, apenas 11% das meninas declararam usar esse método para evitar gravidez. No ano passado, o índice havia subido para 17%. Isso é que é viver perigosamente! A tabelinha é uma roleta russa. Falha em 25% das vezes. “Esse dado é especialmente preocupante”, diz a cientista social Joyce Abma, a autora do estudo. “Ele pode ajudar a explicar por que os índices de gravidez na adolescência não estão caindo no mesmo ritmo do início dos anos 90”.
O estudo revelou que 42% das adolescentes já haviam feito sexo pelo menos uma vez. E apontou mais uma tendência preocupante. Cerca de 64% dos rapazes adolescentes disseram não ver problemas no fato de uma garota se tornar mãe solteira (em 2002, o índice era de 50%). Mais de 70% das garotas acham que ser mãe solteira é OK (entre 2002, o índice encontrado foi de 65%).
Não é preciso refletir muito para perceber o potencial explosivo dessas convicções: a garotada transa cada vez mais cedo, usa tabelinha e não se assusta com a possibilidade de ter que criar uma criança sozinha. Parece não ter ideia das perdas que uma gravidez precoce provoca. Com raras exceções, mães-meninas largam os estudos, não progridem na profissão e demoram a conquistar a independência financeira (se é que conquistam).
Os pesquisadores se perguntam o que está por trás desse comportamento. Não têm as respostas, mas desconfiam que uma espécie de glamourização da gravidez precoce esteja influenciando as garotas americanas. No período em que a pesquisa foi feita pelo menos três histórias de gravidez adolescente ganharam grande destaque na mídia. Bristol Palin, a filha de 17 anos da candidata à vice-presidência dos EUA Sarah Palin, teve um bebê e não se casou. Assim como Jamie Lynn Spears, 16 anos, irmã da cantora Britney Spears. O terceiro fato que pode ter influenciado a opinião das adolescentes americanas é o sucesso do filme Juno, que ganhou o Oscar de melhor roteiro original em 2008. O filme é uma comédia inteligente sobre uma adolescente que fica grávida do colega da escola e decide levar a gestação adiante e entregar o bebê para adoção. Não vou contar o fim da história, mas (diferentemente do que costuma acontecer na vida real) o final é feliz. Quem não assistiu ao filme, pode conferir um trailer (em inglês) aqui.
É estranho perceber que o uso de tabelinha cresce entre as meninas americanas no ano em que a pílula anticoncepcional completa 50 anos. A pílula permitiu que as mulheres tomassem as rédeas de sua sexualidade. A partir dos anos 60, elas puderam dissociar o sexo da gravidez. Conquistaram o direito de transar quando bem entendessem sem correr o risco de engravidar.
Agora uma parcela das meninas da geração Twitter manda essa conquista às favas e corre para o anticoncepcional da vovó. Abraça a tabelinha, o único método anticoncepcional aceito pelo Vaticano (a Igreja prega a abstinência sexual entre os solteiros, mas recomenda a tabelinha aos casados que não queiram ter filhos).
O que leva essa parcela considerável de meninas (quase 20% delas) a agir assim? Estão mais caretas? Mais naturebas? Ou, simplesmente, mais inconsequentes? Não sei se o mesmo fenômeno ocorre no Brasil. Como toda onda teen lançada nos Estados Unidos não demora a chegar por aqui, acho que esse fenômeno merece ser observado.
Não são poucas as garotas brasileiras (adolescentes ou jovens) que descuidam da contracepção. Muitas não tomam anticoncepcional regularmente. Acham que podem ser salvas pela pílula do dia seguinte a cada relação sexual desprotegida. A pílula do dia seguinte deixa de ser um recurso emergencial para se tornar um hábito.
Esse tipo de pílula é composta de doses elevadas de hormônios. Quando é usada freqüentemente (quase como se fosse um contraceptivo comum) altera o ciclo menstrual. Fica quase impossível calcular o período fértil. Também pode provocar dores de cabeça, sensibilidade nos seios, náuseas e vômitos.
A pílula não é abortiva, como muita gente pensa. Ela impede a fertilização do óvulo pelo espermatozóide e deveria ser prescrita pelo médico e ingerida até 72 horas após a relação sexual desprotegida. Mas a maioria das jovens recorrem às farmácias e acabam seguindo recomendações de balconistas.
Tomar a pílula do dia seguinte como se fosse uma pílula convencional é viver perigosamente. Tão perigosamente quanto recorrer à tabelinha em pleno século XXI.
Cortesia: Clipping Bem Fam. Extra
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