Rede de atenção à hepatite C, doença pouco divulgada, que não apresenta sintomas e tem mais impacto na saúde pública do que a aids, é desafio mundial
A hepatite C já causa mais mortes do que a aids nos Estados Unidos, segundo relatório do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês, órgão do Departamento de Saúde e Serviços Humanos) publicado no fim de fevereiro no Annals of Internal Medicine. A pesquisa americana concluiu que a taxa de mortalidade por hepatite C aumentou de 3 por 100 mil em 1999 para 5 por 100 mil em 2007, enquanto a por doenças relacionadas à aids caiu de 6 por 100 mil para 4 por 100 mil no mesmo período. Apesar de localizada espacialmente, a pesquisa aponta uma possível tendência em países que investiram para oferecer diagnóstico e tratamento públicos para portadores do HIV, o que aumentou o tempo de vida pós-infecção. A hepatite C, por outro lado, ainda não conta com assistência semelhante em grande parte do mundo, incluindo o Brasil. Entre outras razões, pesa o fato de se tratar de uma doença silenciosa e silenciada — que não apresenta sintomas e é muito pouco divulgada.
“É uma questão mundial, cuja rede de atenção está na fase de organização”, avalia o coordenador da área de Cuidado e Qualidade de Vida do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, Ronaldo Hallal. “Mesmo o Reino Unido, referência em sistema de saúde, conseguiu diagnosticar e tratar poucos até agora”.
A visibilidade e a mobilização em torno da doença são novidades: “É recente essa movimentação mais ampla dos organismos internacionais e dentro dos próprios países para enfrentar a hepatite C”, diz Hallal. Nesse meio tempo, a doença segue cercada por desconhecimento.
O plano de enfrentamento do governo americano reconhece que grande parte dos seus profissionais de saúde não conhece a doença.
São cinco os principais tipos de hepatite viral: A, B, C, D e E. No Brasil, as quatro primeiras são as mais frequentes (ver matéria e quadro na pág.12). “As infecções por hepatite B e C são dez vezes mais numerosas que as por HIV, portanto, em termos de saúde pública, o impacto delas é muito maior”, compara a pesquisadora do Laboratório de Hepatites Virais do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) Lia Lewis.
“O problema da hepatite C é justamente o fato de ser silenciosa”, diz. Explica-se: a doença é assintomática e a maioria dos infectados não sabe de sua condição; logo, não procura assistência. E, em termos de mídia, pouco se fala sobre ela. “É raro um paciente chegar ao nosso ambulatório conhecendo a hepatite C”, conta Lia.
Problema de saúde pública Entre 130 milhões e 170 milhões de pessoas, o
equivalente a 3% da população mundial, estão infectadas com o vírus da hepatite C no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), que trata a doença como um grave problema de saúde pública. A cada ano,são registrados de 3 milhões a 4 milhões de novos casos e 350 mil mortes. Alta prevalência é encontrada no Egito (22%), Paquistão (4,8%) e China (3,2%), especialmente em decorrência do uso de seringas contaminadas.
No Brasil, foram confirmados 69.952 casos entre 1999 e 2010, de acordo com o Boletim Epidemiológico de Hepatites Virais 2011, do Ministério da Saúde. Desse total, 98,3% são crônicos. A hepatite C foi a causa básica de 14.873 mortes no país de 2000 a 2010, superando os óbitos por hepatite B (4.978), A (608), D (264) e E (48).
Quando levadas em conta as causas associadas, chega-se ao número de 27.231 mortes por hepatite C, 8.641 por B, 819 por A, 377 por D e 81 por E.
Entre 65% e 75% das infecções por hepatite C aconteceram durante procedimentos em hospitais, clínicas ou consultórios médicos e odontológicos, como transfusão de sangue ou de hemoderivados, transplante de órgãos, injeção com seringa e ferimentos causados por seringas contaminadas, informa Lia. “No passado, em algumas unidades de hemodiálise, chegou-se a identificara doença em quase 100% dos pacientes”, conta.
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