Parentes de vítimas da ditadura tentam mudar Comissão da Verdade
Associações e familiares de perseguidos pela ditadura militar lançam manifesto contra votação 'urgentíssima' do projeto que cria a Comissão da Verdade. Grupo, que faz périplo na Câmara dos Deputados nesta terça-feira (20), não aceita proposta original do governo e reclama que tramitação acelerada impede alterações. Os militantes defendem que o texto do projeto precisa ser alterado para garantir que a Comissão não se transforme em um instrumento inócuo.
Os militantes defendem que o texto do projeto precisa ser alterado para garantir que a Comissão não se transforme em um instrumento inócuo, como dizem no manifesto “Mudar o PL 7.376 para que a Comissão da Verdade apure os crimes da Ditadura Militar com autonomia e sem sigilo”, lançado na segunda-feira (19/9).
Caso o projeto vá à votação em regime de urgência urgentíssima, será praticamente impossível mudar o texrto original elaborado pelo governo.
“Não queremos que o PL 7.376 seja aprovado na versão atual, sem emendas, como se fosse uma unanimidade. Aliás, partidos como o DEM e o PSDB só concordam com este projeto porque ele é completamente inócuo e incapaz de revelar à sociedade os crimes cometidos pela ditadura militar”, afirma o jornalista Pedro Pomar, signatário do manifesto.
O avô do jornalista, que era dirigente do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), foi fuzilado pelo exercito em 1976, no episódio que ficou conhecido como “Massacre da Lapa”. O pai de Pomar também foi preso e torturado pelo regime.
De acordo com Pomar, o projeto possui uma série de problemas que comprometem o que deveria ser a verdadeira função de uma Comissão da Verdade. “É inadmissível, por exemplo, que a comissão possua apenas sete membros para investigar os 42 anos propostos pelo projeto, em um país de dimensões continentais com o Brasil, em um prazo de apenas dois anos. Nós defendemos que o foco da Comissão deva ser de 1964 a 1985, que é o verdadeiro período da ditadura milita"Mudar o PL 7.376 para que a Comissão da Verdade apure os crimes da Ditadura Militar com autonomia e sem sigilo"r”, afirma.
O movimento critica ainda a possibilidade de a Comissão ser composta por indicados do presidente da República.
“A Comissão deveria prever uma composição de membros da sociedade civil. Da forma que está, a presidenta pode, em última instância, nomear militares que participaram da Ditadura, além de delegados da Polícia Federal, agentes da Agência Brasileira de Informações (Abin) e funcionários ligados ao Executivo. Qual seria a autonomia desta Comissão?”, questiona.
O jornalista afirma que o manifesto questiona também a exigência, prevista no PL, do sigilo das informações apuradas e dos arquivos consultados, da falta de autonomia financeira para fazer os gastos necessários para apurar à Verdade e, ainda, da proibição de iniciativas de encaminhar os resultados e apurações para as autoridades competentes, com vistas à punição dos culpados. “Se essa Comissão não puder revelar a verdade e nem punir os culpados, para que ela servirá?”, provoca.
Veja abaixo a íntegra do manifesto:
O PL 7.376/2010, que cria a Comissão Nacional da Verdade, está prestes a entrar na pauta da Câmara dos Deputados em regime de urgência urgentíssima.
A presidenta Dilma Roussef pretende anunciar à Assembléia Geral das Nações Unidas a aprovação desse projeto.
Contudo, a aprovação do PL 7.376/2010 sem qualquer alteração, como quer a presidenta, terá como resultado uma Comissão Nacional da Verdade enfraquecida, incapaz de revelar à sociedade os crimes da Ditadura Militar que governou o país entre 1964 e 1985.
Nós, representantes de associações de ex-presos e perseguidos políticos, grupos de familiares de vítimas da Ditadura Militar, grupos de direitos humanos e outras entidades engajadas na luta pela democratização do Brasil, pressionaremos o Parlamento e lutaremos até o fim para sejam alterados diversos dispositivos deletérios do PL 7.376/2010.
Caso esses dispositivos sejam mantidos no texto, farão da Comissão Nacional da Verdade uma farsa e um engodo.
O texto atual do projeto estreita a margem de atuação da Comissão, dando-lhe poderes legais diminutos, fixando um pequeno número de integrantes, negando-lhe orçamento próprio; desvia o foco de sua atuação ao fixar em 42 anos o período a ser investigado (de 1946 a 1988!), extrapolando assim em duas décadas a já extensa duração da Ditadura Militar; permite que militares e integrantes de órgãos de segurança sejam designados membros da Comissão, o que é inaceitável.
Além disso, o texto atual do PL 7.376/2010 impede que aComissão investigue as responsabilidades pelas atrocidades cometidas e envie as devidas conclusões às autoridades competentes, para que estas promovam a justiça.
Reiteramos, assim, as seguintes considerações, que constam de documento com milhares de assinaturas, encaminhado em junho deste ano à presidenta Dilma Roussef:
Para que tenhamos uma Comissão que efetive a Justiça:
―o período de abrangência do projeto de lei deverá ser restrito ao período de 1964 a 1985;
―a expressão “promover a reconciliação nacional” seja substituída por “promover a consolidação da Democracia”, objetivo mais propício para impedir a repetição dos fatos ocorridos sob a ditadura civil-militar;
―no inciso V, do artigo 3º, deve ser suprimida a referência às Leis: 6.683, de 28 de agosto de 1979; 9.140, de 1995; 10.559, de 13 de novembro de 2002, tendo em vista que estas leis se reportam a períodos históricos e objetivos distintos dos que devem ser cumpridos pela Comissão Nacional da Verdade e Justiça.
―o parágrafo 4°, do artigo 4°, que determina que “as atividades da Comissão Nacional da Verdade não terão caráter jurisdicional ou persecutório”, deve ser substituído por nova redação que delegue à Comissão poderes para apurar os responsáveis pela prática de graves violações de direitos humanos no período em questão e o dever legal de enviar suas conclusões para as autoridades competentes;
Para que tenhamos uma Comissão de verdade:
―o parágrafo 2°, do artigo 4º que dispõe que “os dados, documentos e informações sigilosos fornecidos à Comissão Nacional da Verdade não poderão ser divulgados ou disponibilizados a terceiros, cabendo a seus membros resguardar seu sigilo”, deve ser totalmente suprimido pela necessidade de amplo conhecimento pela sociedade dos fatos que motivaram as graves violações dos direitos humanos;
―o artigo 5°, que determina que “as atividades desenvolvidas pela Comissão Nacional da Verdade serão públicas, exceto nos casos em que, a seu critério, a manutenção do sigilo seja relevante para o alcance de seus objetivos ou para resguardar a intimidade, vida privada, honra ou imagem de pessoas”, deve ser modificado, suprimindo-se a exceção nele referida, estabelecendo que todas as atividades sejam públicas, com ampla divulgação pelos meios de comunicação oficiais.
Para que tenhamos uma Comissão da Verdade legítima:
―os critérios de seleção e o processo de designação dos membros da Comissão, previstos no artigo 2º, deverão ser precedidos de consulta à sociedade civil, em particular aos resistentes (militantes, perseguidos, presos, torturados, exilados, suas entidades de representação e de familiares de mortos e desaparecidos);
―os membros da Comissão não deverão pertencer ao quadro das Forças Armadas e órgãos de segurança do Estado, para que não haja parcialidade e constrangimentos na apuração das violações de direitos humanos que envolvem essas instituições, tendo em vista seu comprometimento com o principio da hierarquia a que estão submetidos;
―os membros designados e as testemunhas, em decorrência de suas atividades, deverão ter a garantia da imunidade civil e penal e a proteção do Estado.
Para que tenhamos uma Comissão com estrutura adequada:
―a Comissão deverá ter autonomia e estrutura administrativa adequada, contando com orçamento próprio, recursos financeiros, técnicos e humanos para atingir seus objetivos e responsabilidades. Consideramos necessário ampliar o número atual de sete (7) membros integrantes da Comissão, conforme previsto no Projeto Lei 7.376/2010.
Para que tenhamos uma verdadeira consolidação da Democracia:
―concluída a apuração das graves violações e crimes, suas circunstâncias e autores, com especial foco nos casos de desaparecimentos forçados ocorridos durante o regime civil-militar, a Comissão de Verdade e Justiça deve elaborar um Relatório Final que garanta à sociedade o direito à verdade sobre esses fatos. A reconstrução democrática, entendida como de Justiça de Transição, impõe enfrentar, nos termos adotados pela Escola Superior do Ministério Público da União, “o legado de violência em massa do passado, para atribuir responsabilidades, para exigir a efetividade do direito à memória e à verdade, para fortalecer as instituições com valores democráticos e garantir a não repetição das atrocidades”.
A presidenta Dilma Roussef poderá passar à história como aquela que ousou dar início a uma investigação profunda dos crimes da Ditadura Militar, como subsídio para a punição dos agentes militares e civis que praticaram torturas e assassinatos e promoveram o terrorismo de Estado, bem como sustentáculo indispensável da construção da memória, verdade e justiça em nosso país.
Esperamos que ela faça a escolha certa. Esperamos que o PL 7.376/2010 seja retirado de pauta para que possa sofrer emendas e, desse modo, surja uma Comissão Nacional da Verdade digna desse nome.
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