União estável é o mesmo que casamento gay?
Carlos Henrique Caetano, Campinas (SP)* |
Recentemente, o Congresso da Argentina aprovou o casamento gay. A presidente Cristina Kirchner afirmou: "Foi um triunfo da sociedade. Houve quem quisesse transformar a questão num problema religioso, mas a discussão é estritamente sobre princípios de direitos civis". A aprovação, no entanto, não foi um presente do governo à população homossexual, mas fruto da organização e da luta do movimento GLBT argentino. No dia da votação (que durou quatorze horas) milhares de manifestantes acamparam em frente ao Congresso com bandeiras e cartazes, pressionando os parlamentares.
E no Brasil?
Não há nenhum avanço legal, no Brasil, que se identifique com as bandeiras de luta do movimento GLBT. Lobistas católicos e evangélicos ainda têm grande força e a experiência de dois mandatos de um governo que se diz progressista com relação aos direitos humanos não foi suficiente para criar algo efetivo com relação à população GLBT. O movimento, no Brasil, organiza paradas de orgulho gay, levanta bandeiras a favor da união civil e, especialmente, da criminalização da homofobia. A discussão deixa de lado outros elementos: além da união civil, homossexuais também querem direito à previdência social, herança, partilha de bens, adoção e todos os outros direitos civis que são concedidos aos casais heterossexuais.
Nos debates midiáticos que preparam telespectadores e internautas para as eleições brasileiras de 2010, jornalistas têm insistido em formular perguntas sobre o tema. Marina Silva foi uma das primeiras a se manifestar quando, na semana do orgulho gay, declarou ao portal UOL ser contra o casamento gay. A ex-ministra do governo Lula e atual candidata do Partido Verde à Presidência disse que considera o casamento como uma instituição de pessoas de sexos diferentes, “pensada há milhares de anos”. Mais tarde, em entrevista ao Portal Terra, Marina disse entender o casamento como um sacramento religioso e defendeu a união civil de bens para homossexuais.
A candidata do PT, Dilma Rousseff, seguiu a mesma linha de Marina. No programa Roda Viva da TV Cultura, disse ser favorável somente à união civil porque considera o casamento como uma questão religiosa: “eu, como indivíduo, jamais me posicionaria sobre o que uma religião deve ou não fazer. Temos que respeitar”. José Serra (PSDB) não trouxe novidade aos argumentos defendidos pelas companheiras de debate e, durante sabatina realizada pelo portal da Record, disse que a palavra “casamento” depende de cada religião e não é relevante. De maneira um tanto confusa, afirmou que “hoje já vale a união civil para efeitos civis de herança”. Plínio, do PSOL, concorda com os colegas e disse ao R7 que é favorável somente à União Civil porque o casamento é instituição religiosa.
Casamento versus União Estável
O Estado reconhece dois tipos de união civil: o casamento e a união estável. Os presidenciáveis Marina, Dilma, Serra e Plínio são contra o primeiro tipo. Devem ser a favor do segundo, embora não deixem isso claro e sempre façam discursos superficiais a respeito do tema. Para não perderem o voto dos 45% que são contra o casamento, dizem que essa é uma questão religiosa e para agradar aos outros 55% dizem ser a favor da união estável. A Constituição Federal de 1988 mostra, no parágrafo primeiro do artigo 226, que o casamento não é religioso, “é civil e gratuita a celebração”, um procedimento jurídico ministrado num cartório por um juiz de paz.
Na união estável a pessoa continua solteira e o sobrenome do cônjuge não pode ser acrescentado ao seu nome. Nesse tipo de União, a herança não é exclusividade do cônjuge e filhos, mas pode ser requerida por irmãos e outros parentes próximos. Para viajar a alguns países, os imigrantes adeptos da união estável são obrigados a fazer seus pedidos em separado. Para que seja possível ter o sobrenome do cônjuge, transmitir-lhe a herança e solicitar visto para viagens em conjunto, não basta registrar a união estável, é necessário que se realize o casamento (com registro gratuito no cartório, diferente da União Estável, em que se cobra uma taxa). O casamento religioso, por sua vez, só ganha status de união civil com a presença do juiz de paz. Ele está submetido ao registro civil.
O candidato do PSTU, Zé Maria, deixou claro em entrevistas que é favorável ao casamento gay. O partido defende a extensão de todos os benefícios sociais concedidos aos casais heterossexuais (contrato de união civil, previdência social, herança, partilha de bens, etc) aos casais homossexuais que vivam em igual situação. Em um de seus programas para a televisão, o PSTU mostrou em rede nacional, no horário nobre da televisão, sua posição diante da opressão sofrida pelos homossexuais: causando grande repercussão, a peça de menos de um minuto exibiu o beijo gay que tantas vezes foi banido da teledramaturgia brasileira, associando as cenas de casais homossexuais em demonstrações públicas de carinho a frases como “não há capitalismo sem homofobia”.
O PSTU também defende o direito à adoção, o acesso ao crédito por casais do mesmo sexo, licença maternidade e paternidade, creches, reconhecimento do nome social de travestis e transgêneros em documentos e órgãos públicos e privados, uma rede de saúde 100% pública e laica que atenda às especificidades dos GLBT’s. Exige também a retirada da resolução da Anvisa que proíbe homossexuais de doarem sangue, a inclusão da educação sexual nas escolas e cursos de formação de professores e a criminalização da homofobia.
A criminalização da homofobia, no entanto, pode cair no mesmo erro da Lei Maria da Penha, que criminalizou a violência sofrida pelas mulheres, mas não é instrumento eficiente na luta contra o machismo. A luta contra a homofobia tem que erguer a bandeira da paridade de direitos entre homossexuais e heterossexuais. O partido acredita que somente por meio da organização é que homossexuais conseguirão realizar a superação da realidade de opressão a que estão submetidos, mas lembra que será impossível imaginar que todo o sofrimento desaparecerá somente por meio dessa luta específica, já que será necessário mudar a estrutura de exploração para que uma transformação seja deveras realizada. A luta pela conquista de direitos GLBT’s contra a opressão está vinculada à construção do socialismo.
*colaboraram Kátia Sartori e Alain Patrick “Tocha”
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