Carta aberta a Alexandre Garcia
“Em resposta a uma ética da exclusão, estamos todos desafiados a praticar uma ética da solidariedade” (Betinho)
Prezado Alexandre Garcia,
Sou Toni Reis, professor, especialista em sexualidade humana, mestre em filosofia na área de ética e sexualidade, e doutorando na área de educação sexual. Trabalho com HIV/aids desde 1985. Defendo a liberdade, a igualdade e o respeito à diversidade humana. Defendo também a livre expressão da imprensa, desde que não incite preconceito, discriminação e violência.
Você é um dos jornalistas mais renomados do Brasil na área política, reconhecido e premiado nacional e internacionalmente. Você é um grande formador de opinião e com certeza já está na história do jornalismo brasileiro.
Contudo, chegou até mim a sua fala na CBN no dia 7 de maio, aqui transcrita:
“... o Ministério da Saúde está estimulando agora a pessoa com HIV a engravidar. Eu duvido que o MS vá fazer uma ‘cesária’ pela terceira vez em uma mulher com HIV e respingar sangue nele (MS) para ver o que vai acontecer. É uma maluquice, estão fazendo brincadeira com a saúde...” (http://cbn.globorad io.globo. com/colunas/ mais-brasilia/ MAIS-BRASILIA. htm)
Sinto-me obrigado a escrever esta carta como consequência de suas declarações. Nas palavras da minha falecida mãe, quando eu errava, ela falava para mim “você está jogando água fora da bacia”. No meu entendimento, como pessoa que está trabalhando com a questão do HIV/aids desde 1985, quero dizer que você jogou água fora da bacia e respingou a água suja do preconceito em muita gente. Quero dizer que atitudes como esta reforçam o preconceito e o estigma contra as pessoas que vivem com HIV/aids.
Relembro o Art. 2º do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, que diz “a divulgação de informação, precisa e correta, é dever dos meios de comunicação pública.” Com esta frase você fez um desserviço à profissão de jornalista e, pior, expressou uma visão anticientífica e infundada, que incentiva condutas discriminatórias e leva informações errôneas à população em geral, além de ser machista em culpar a mulher e negar-lhe os direitos sexuais e reprodutivos. Infelizmente, não é a primeira vez que você faz esta mesma afirmação.
É preciso se basear em informações atualizadas. Foi implantado em Curitiba há 11 anos (em 1999) o pioneiro Programa Mãe Curitibana, de prevenção à transmissão vertical do HIV (da mãe HIV positiva para o bebê), de modo que caiu para em torno de 1% esta forma de transmissão. E este programa é referência e foi replicado no país inteiro. Assim, com acesso à atenção médica e medicação durante a gravidez e o parto e no período pós-parto, as mulheres HIV positivas podem engravidar e ter filhos HIV negativos. A aids é uma doença crônica que hoje tem tratamento e é um direito das mulheres HIV positivas que assim querem ter filhos. O direito à maternidade deve ser para todas as mulheres, inclusive as mulheres HIV positivas.
Para seu conhecimento, existem normas de biossegurança em todo o Sistema Único de Saúde. Todo profissional de saúde sabe que deve segui-las e utilizar os Equipamentos de Proteção Individual (EPI) com todos os usuários, de forma indiferenciada. Caso haja um acidente, há tratamento emergencial.
No início dos anos 1980, o preconceito quando a aids surgiu era tanto que foi chamada de “câncer gay” Eu como gay na época me senti o próprio sinônimo da doença. Para vencer minha ignorância, fui me informar, estudar e percebi que eu estava sendo iludido por uma mídia despreparada e preconceituosa. Felizmente, parte da mídia já mudou.
O Ministério da Saúde, através do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, vem cumprindo – sim – seu dever constitucional, e tem sido referência mundial na assistência e na prevenção do HIV/Aids, por ter uma política baseada nos direitos humanos, na dignidade humana e no respeito aos direitos sexuais e reprodutivos.
Sua fala não foi de bom tom. Sério, Alexandre Garcia, profissional que admiro. Sugiro a você buscar informações corretas sobre o assunto.Estamos à disposição. Quero dizer que hoje no Brasil temos em torno de 700 organizações não governamentais que trabalham com o HIV/aids e os direitos humanos das pessoas que vivem com HIV/aids. Queremos contar com você como aliado para defender os direitos humanos, inclusive os direitos sexuais e reprodutivos, de todas as pessoas, em especial as mulheres que vivem com HIV/aids.
As pessoas vivendo com HIV/aids, assim como todo mundo, merecem respeito, dignidade e carinho. Por um mundo sem violência, sem discriminação e sem preconceito.
Nas palavras do Betinho, “a aids não é mortal, mortais somos todos nós. A aids terá cura, e o remédio hoje é a solidariedade.”
Alexandre Garcia, convido você a ser solidário às pessoas que vivem com HIV/aids.
Curitiba, 08 de maio de 2010
Toni Reis
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