Claricina Ribeiro Assis no quintal de sua casa própria. Ela está feliz com a aquisição, mas reclama das condições do imóvel
Pelas regras do Minha Casa, Minha Vida, as famílias que ganham até três salários mínimos pagam prestações de até 10% de sua renda, durante no máximo dez anos. Quem ganha entre três e dez mínimos recebe do governo um subsídio de R$ 17 mil ou R$ 23 mil, dependendo da região do país onde mora, para comprar sua casa. A partir de uma avaliação do imóvel feita por técnicos, a Caixa paga o valor à construtora da obra. Depois, desconta o subsídio de R$ 17 mil ou R$ 23 mil e financia o resto para o comprador. Assim, quem compra uma casa de R$ 50 mil paga apenas R$ 33 mil de financiamento.
O programa é uma injeção direta de dinheiro público no mercado. Mas, como toda intervenção na economia, ela provoca efeitos nem sempre desejáveis. O dinheiro novo e a pressa do governo em atingir metas fizeram os preços de terrenos em áreas pobres disparar desde o ano passado. Na região de Santo Antônio do Descoberto, onde mora Claricina, um lote de aproximadamente 300 metros quadrados – ideal para construir imóveis para o programa – era vendido por R$ 2 mil há um ano. Hoje, custa cerca de R$ 12 mil – e está difícil encontrar quem quer vender. “A construção de casa popular é um negócio tão bom que até dono de supermercado está entrando e contratando a gente”, afirma o pedreiro José Nílton Lima, que trabalha para construtoras locais e não tem ficado sem serviço.
Há 3.256 empresas habilitadas a construir para o Minha Casa Minha Vida. Outras 943 têm propostas em avaliação pelo banco. A Caixa fecha, em média, 2.100 contratos por dia pelo programa. O corretor de imóveis Lênio Diniz Neto, que trabalha na região de Valparaíso, Goiás, no entorno de Brasília, partiu para o ramo da construção. “Levantei 18 casas na região, e todas foram vendidas”, diz Neto. “A lucratividade na construção da casa pode chegar a 100%. Que aplicação vai me render isso?”
O governo tem tido dificuldade de construir casas em grandes regiões metropolitanas, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, por causa da escassez de terrenos. O preço de terrenos mais adequados para projetos do Minha Casa Minha Vida subiu tanto que torna a construção inviável em alguns lugares. Na periferia de São Paulo, o preço do metro quadrado dobrou em um ano.
Um conjunto habitacional no Rio de Janeiro ocupado por moradores beneficiados pelo Minha Casa Minha Vida. O governo tem pressa, mas está longe de cumprir a meta de construção de moradias para famílias com renda de até três salários mínimos
O mercado imobiliário é uma área dinâmica, mas delicada, da economia de qualquer país. A crise financeira que abateu o mundo a partir de 2008 e ainda provoca efeitos na Europa e nos Estados Unidos nasceu de distorções no mercado imobiliário. Programas de incentivo para compra de imóveis nos Estados Unidos levaram à abertura de linhas de crédito nos bancos. Com dinheiro fácil em caixa, os bancos passaram a emprestar dinheiro sem critério. Ao mesmo tempo, criaram produtos financeiros sofisticados, derivativos chamados de “subprime”, baseados nesses financiamentos. s Quando a inadimplência atingiu níveis insuportáveis, o sistema implodiu. Milhares de americanos faliram, o preço dos imóveis despencou – e não se recuperou até hoje – e grandes bancos quebraram por conta de bilhões de dólares investidos nos produtos financeiros lastreados nos títulos podres.
As diferenças para o que ocorre no Brasil são enormes, mas o exemplo serve de alerta. O aumento no valor dos imóveis provocado pelo financiamento do Minha Casa Minha Vida pode levar a um crescimento na inadimplência se não houver fiscalização rígida. Como muitas pessoas beneficiadas pelo programa são profissionais autônomos e não têm renda garantida, dependem do bom desempenho da economia para manter o poder de compra. Caso essas pessoas deixem de pagar e a Caixa precise retomar o imóvel, dificilmente recuperará o dinheiro. A Caixa afirma que a inadimplência no Minha Casa Minha Vida é de 1,37%, uma das menores do Sistema Financeiro Habitacional.
A pressa do governo em entregar casas também está sendo aproveitada pelas construtoras e prejudicando os compradores. Na ânsia de receber logo o dinheiro da Caixa, construtoras têm entregado casas malfeitas. A poucas quadras do imóvel da cozinheira Claricina Ribeiro Assis, a aposentada Maria Castro da Silva, de 80 anos, só consegue entrar em casa, construída num terreno inclinado, pelos fundos. A pressa da construtora em finalizar a casa foi tão grande que não foi feita escada ou rampa pela frente. Até agora, as 600 mil moradias contratadas pelo governo representam 60% da meta traçada para o Minha Casa Minha Vida. De acordo com a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), o governo deverá contratar 850 mil unidades até dezembro.
Recentemente, o governo anunciou o lançamento do Minha Casa Minha Vida 2. A previsão é investir cerca de R$ 70 bilhões para construir mais 1 milhão de imóveis até 2014. Uma das promessas da candidata petista ao Planalto, Dilma Rousseff, é incluir móveis e eletrodomésticos no Minha Casa Minha Vida 2 e dotar as casas de aquecedores solares para baratear a conta de luz. Mas, em alguns Estados, a primeira versão do programa ainda engatinha. As contratações de imóveis para pessoas que ganham até três salários mínimos, onde está a maior parte da população sem moradia, não chegam a 10% da meta.
Após as perguntas feitas por ÉPOCA sobre as distorções no Minha Casa Minha Vida, a Caixa tomou providências em relação ao programa. A chefia do banco desencadeou uma varredura em projetos pelo país. Foram feitos questionamentos à área responsável pelas avaliações. Quando foi procurada por ÉPOCA sobre o caso das casas em Santo Antônio do Descoberto, a Caixa disse que não havia financiado a construção dos imóveis. O financiamento teria sido feito pelas construtoras e que as operações representariam uma “parcela mínima de operações no contexto do volume total de financiamentos no âmbito do Minha Casa Minha Vida”. Apesar de minimizar o problema, a Caixa decidiu descredenciar construtoras responsáveis pelas obras em Santo Antônio do Descoberto, Goiás. Técnicos da Caixa também visitaram a casa de Claricina Ribeiro Assis e resolveram o problema da falta de água no banheiro. “Agora estou esperando arrumar as paredes”, afirma Claricina. “Sonho também com o dia em que teremos asfalto aqui.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário