Prevenção das DST/Aids: aguardando o próximo carnaval chegar
Em 2010, o Departamento Nacional de DST, Aids e Hepatites Virais promoveu uma campanha nacional de prevenção às DST/aids durante o carnaval. Essa campanha foi direcionada aos jovens gays e outros homens que fazem sexo com homens (HSH) e jovens mulheres. Essas duas populações têm mostrado taxas de infecção preocupantes em relação às encontradas nas demais categorias populacionais e faixas etárias.
A escolha desse público alvo, a partir dos dados apontados acima, não foi feita aleatoriamente. De fato, para a definição de uma campanha de prevenção às DST/aids, seja para o público em geral, seja para populações específicas, deve-se ater a dois elementos essenciais: os dados e tendências epidemiológicas e as informações provenientes das pesquisas de comportamento. Esses dois elementos justificam a escolha feita em 2010.
No Carnaval de 2011, a campanha de prevenção foi direcionada apenas às jovens mulheres, de 13 a 19 anos. Para compreender essa opção, é preciso entender:
A) Se as situações que levaram à escolha do público anterior foram alteradas (dados epidemiológicos, cenários que configuram as condições de vulnerabilidade e comportamentos) ou não justificam o investimento realizado na campanha anterior;
B) Ou se o que mudou foi a estratégia das campanhas para populações específicas produzidas pelo Departamento Nacional de DST/aids e Hepatites Virais, e a metodologia usada para combater a epidemia nessas populações.
Essas duas alternativas não se complementam e são excludentes, uma em relação à outra. Vejamos o primeiro caso.
Segundo a UNAIDS (2007) são vários os ensinamentos que podem ser extraídos desse quarto de século da epidemia de Aids: “Por um lado, que a infecção e a doença não impactam aleatoriamente, mas sim em pessoas e grupos cujas situações são mais vulneráveis. Por outro lado, que a epidemia e a resposta a ela mostraram uma relação direta entre a proteção da saúde e a proteção dos direitos humanos ou, inversamente, entre piores índices de saúde e violação dos direitos humanos”.
A maior vulnerabilidade à infecção de DST/aids de gays e outros HSH tem sido atribuída a fatores estruturais (características culturais, sociais, políticas, legais e organizacionais) que contribuem para a marginalização deste segmento. Estes fatores operam em níveis societais diferentes e, com maior ou menor proximidade, influenciam o risco individual e configuram a vulnerabilidade social à infecção (Projeto Interagir, ABGLT).
A homofobia tem sido apontada, pelo Governo e pelos movimentos sociais, como um dos pilares da vulnerabilidade de gays, outros HSH e travestis. Em pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo, 92% dos entrevistados concordam ser o Brasil um país preconceituoso contra gays. Nessa mesma pesquisa, 26% afirmaram ter preconceito contra gays e 29% contra travestis. Em pesquisa realizada em 2003 (cit. FPA), sobre discriminação e preconceito racial, 90% reconheciam a existência de racismo no Brasil, mas só 4% dos entrevistados de cor não negra afirmaram ser preconceituosos em relação aos negros. A maior aceitação da homofobia pela sociedade, configura esse cenário, em que ela pode ser livremente admitida sem risco de qualquer repressão. A violência, como forma violação de direitos, também é marcante nessa população. Em pesquisa realizada com os participantes da 10ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo (APOGLBT 2007), 59% dos entrevistados entre 16 e 29 anos afirmaram ter sofrido agressões verbais por conta de sua sexualidade. Entre os entrevistados de 19 a 21 anos, 20% informaram ter sofrido agressões físicas. Entre os jovens entre 16 a 18 anos, 10% informa ter sofrido algum tipo de violência sexual. Na mesma pesquisa, 32% dos entrevistados do sexo masculino, informaram ter sofrido algum tipo de discriminação por professores ou colegas, na escola ou universidade. Dados da UNESCO (Juventudes e Sexualidades, 2006) alertam que em algumas capitais, mais de 40% dos alunos não gostariam de ter homossexuais como colegas de classe.
Em que pesem os vários dados já apontados existentes, inclusive os epidemiológicos, informados pelo próprio Departamento Nacional de DST/aids, encontrados em várias publicações, especialmente no Plano Nacional de Enfrentamento da Epidemia de Aids e das DST entre Gays, outros HSH e Travestis, que destaca, entre outros, que na categoria etária geral, a taxa de incidência de aids entre gays e outros HSH é 11 vezes maior que no restante da população, sendo que a amostragem utilizada aponta que o número global de HSH no país é muito menor que o da população em geral, tornando, portanto, esses números ainda mais impactantes, não conseguimos vislumbrar iniciativas realmente eficazes no combate à epidemia nesse segmento.
Não sendo uma realidade totalmente nova, podemos encontrar indícios dessa tendência de aumento da epidemia em jovens gays e outros HSH já na década de 90. Da série de notificações de HIV em gays e outros HSH com 23 anos ou mais de 1996 a 2000, passou-se de 3.832 para 3.565 casos. Enquanto isso, no mesmo período, na faixa de HSH com menos de 23 anos, passou-se de 315 para 365 casos. Na mesma ocasião, foi apontado que gays mais jovens realizam menos testes anti-HIV, sendo que 63% dos que têm até 23 anos já realizaram a testagem contra 80% dos maiores de 24 anos (Dráurio Barreira, 2001). Ainda segundo Paulo Roberto Teixeira (2001/MS), de 1995 a 1998 a taxa de crescimento de HIV em HSH com mais de 24 anos foi de 13,5% enquanto naqueles com idade abaixo de 24 anos, essa taxa foi de 23%.
Como foi visto, a realidade da epidemia de aids não aponta para um recrudescimento dos casos em jovens gays e outros HSH. A homofobia, a partir dos vários levantamentos existentes, também não caminha no sentido de sua redução, como elemento definidor de acesso e garantia de direitos. Em 2009, o movimento social organizado realizou o 1º Encontro Nacional de Jovens Gays e outros HSH, para discutir e apontar formas de combate à epidemia. O entendimento desse encontro foi o de que diversos elementos estruturais que configuram esse cenário de vulnerabilidade continuam cada vez mais presentes e não são acompanhados de respostas adequadas por parte do Governo, em suas variadas áreas de atuação e responsabilidade.
As situações que justificaram a escolha da população de gays e outros HSH como público alvo da campanha de prevenção do carnaval 2010 continuam presentes e não exibem uma tendência que que no leve a relativizar o problema.
Resta-nos, portanto, o entendimento de que o Ministério da Saúde, ou não considera mais o problema como um dos principais “nós” encontrados na política de prevenção das DST e Aids no país ou mudou sua estratégia de ação nas campanhas de massa, e não trabalhará mais com públicos alvo diversificados.
Nesse caso, aguardamos a campanha que o Ministério está preparando para quando o próximo Carnaval chegar.
* Alessandro Melchior
Coordenou a Comissão Municipal de DST/aids de São José do Rio Preto, é coordenador da Associação de Populações Vulneráveis e representante da ABGLT no Conselho Nacional de Juventude.
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