Revista Época
Um drama como o de Realengo pode ter fortes sequelas – até para quem viu de longeCamila Guimarães e Eliseu Barreira Junior
SUPERPROTEÇÃO
Elifas Pereira Filho, a mulher, Silvania, e os filhos Murilo e Henrique, em 2008. Após a morte de Henrique, Elifas busca Murilo todos os dias na escola
Um dia depois do massacre na escola Tasso da Silveira, no Rio de Janeiro, a menina Pamela Ferreira, de 13 anos, disse que não quer mais voltar para a escola. “Tenho medo que aconteça de novo”, afirmou.
Pamela não teve contato com o assassino – estava no 4o andar do prédio, para onde conseguiu fugir com outros colegas. Ela não viu ninguém ser morto, mas perdeu uma amiga no tiroteio – Larissa, atingida dois lances de escada abaixo. E mostra sintomas comuns a quem passou por um forte estresse.
Em maior ou menor grau, todos os alunos da escola, e até pessoas que acompanharam o drama à distância, estão sujeitos ao estresse pós-traumático. É como se a intensidade dos sentimentos fosse capaz de fazer os 12 minutos do massacre se arrastar durante anos. Trata-se de um fenômeno já bem estudado, em episódios similares em outros países.
Em 2007, oito anos depois de sair ilesa do massacre da escola Columbine, nos Estados Unidos, Regina Rohde deu uma declaração na TV americana sobre como foi sua recuperação. Ela contou que levou muito tempo para parar de imaginar que qualquer pessoa na rua poderia atacá-la. “Demorou anos para eu conseguir retomar a rotina sem constantemente ficar olhando a meu redor. E a sensação de plena segurança nunca mais voltou.”
As sequelas são parecidas com as sofridas por quem passou por um sequestro ou tenha sido vítima de uma catástrofe natural, como a que matou quase 1.000 pessoas na região serrana do Rio de Janeiro, em janeiro. O medo de voltar para a escola é uma fobia típica de estresse agudo, a resposta mais rápida que algumas vítimas podem apresentar. Medo de que aconteça de novo, medo de que aconteça no trabalho dos pais, no parque, no shopping. Essas fobias podem vir acompanhadas de pesadelos, insônia, dificuldade de concentração, profunda tristeza. “São reações esperadas nos primeiros 30 dias”, afirma Cláudia Sodré Vieira, psicóloga e coordenadora do Instituto Karunã, especializado em atendimento psicológico em situações de emergência.
É possível que um acontecimento tão chocante deixe marcas até em quem não o presenciou. Crianças e adolescentes que assistiram ao drama pela TV têm forte empatia com as vítimas. Eles têm a mesma idade, frequentam o mesmo ambiente escolar e podem passar a acreditar que correm o mesmo risco. É preciso ficar atento.
“Pode ser que alguns tenham pesadelos e problemas para dormir e que até sintam, por um tempo, tristeza mesmo”, afirma Tai Castilho, terapeuta especialista em relacionamentos familiares. Os pais são fundamentais para ajudá-los a se sentir seguros novamente. A regra de ouro é falar sobre o assunto – em vez de tentar escondê-lo ou minimizá-lo. “A família tem de ser acolhedora”, diz.
Dizer que as reações são esperadas não é o mesmo que dizer que não devemos no preocupar com elas. Algumas pessoas podem até conseguir superar essa primeira fase do estresse pós-traumático sozinhas, mas, se o trauma passar desse período, vira doença. Os sintomas se tornam mais intensos e podem evoluir para depressão e síndrome do pânico, por exemplo – e durar anos.
A publicitária Karina Vadasz, de 33 anos, e suas irmãs fizeram muita terapia para conseguir lidar com a morte de sua mãe, Hermè Luísa Jatobá Vadasz, uma das três pessoas que morreram depois de ser baleadas pelo estudante de medicina Mateus da Costa Meira numa sala de cinema num shopping de São Paulo, em 1999. Karina diz que a perda da mãe é um trauma que nunca será superado. “Ainda sentimos dor e revolta. É difícil aceitar a maneira como ela foi tirada da gente”, diz. Ela conta que demorou um ano para conseguir entrar numa sala de cinema depois da morte da mãe.
É claro que nem todos os sobreviventes seguirão esse mesmo roteiro de reações. A resposta à morte e a uma experiência traumática é muito individual, depende de fatores como ambiente familiar e se a criança já tinha alguma outra patologia que a torna mais frágil. De qualquer forma, a fragilidade emocional é quase inevitável imediatamente após o episódio – e com sentimentos que têm muito a ver com a sensação de falta de segurança.
COMO FALAR COM AS CRIANÇAS Os conselhos de especialistas para abordar a tragédia em casa
CONVERSE
É pouco provável que os maiores não tenham ficado sabendo do que aconteceu. Comece perguntando como a criança se sente e se tem alguma dúvida.
SE ELA NÃO SABE, NÃO CONTE
Entre os menores até 7 ou 8 anos, é possível que a notícia não tenha se espalhado. Você não precisa contar. Fale com a escola para combinar estratégias de protegê-los do assunto.
RESPEITE O EXAGERO
Durante a conversa, não minimize a dor ou o sentimento da criança, mesmo que pareça exagero. Não é. Lembre-se de que o ataque aconteceu contra um grupo com o qual ela se identifica
TRANQUILIZE
É importante frisar que o episódio foi isolado e dificilmente acontecerá de novo, por isso, não é preciso ter medo. Quantas vezes ela não foi ao parque e se divertiu ? Quantas vezes não foi à escola e deu tudo certo ?
ACEITE A REPETIÇÃO
É normal que o assunto seja recorrente por um ou dois dias. Se houver atividades relacionadas ao assunto na escola, até uma semana. Tenha paciência e dialogue.
EVITE A SUPEREXPOSIÇÃO
Uma maneira de não estender o assunto além do necessário é desligar a TV e evitar que vídeos e fotos do massacre na internet sejam revistos exaustivamente
OBSERVE
Transtornos do sono,dores de cabeça, reclusão, ansiedade e menor rendimento na escola podem ser sinaisde trauma. Pense em procurar juda especilaizada
DISCUTA EM SALA
O assunto pode e deve ser tratado em sala de aula. Especialistas dizem que é um bom momento para atividades sobre porte de armas e segurança pública
Elifas Pereira Filho, de 48 anos, perdeu seu filho Henrique de Carvalho Pereira, de 22 anos, em outubro do ano passado. Henrique foi golpeado na cabeça em dezembro de 2009 com um taco de beisebol em uma grande livraria de São Paulo por um rapaz que tem doença mental e escolheu sua vítima aleatoriamente. Após o episódio, Elifas passou a buscar o filho mais novo, Murilo, de 17 anos, todos os dias na escola, que fica em Santo André. “Estamos nos desdobrando até ter um pouco de confiança na vida novamente”, afirma ele. “Dizem que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, mas eu prefiro não acreditar.”
A sensação de insegurança pode ser insistente e, no pior dos casos, ter forte influência na vida adulta dessas crianças. Isso é particularmente verdade para os menores, crianças de até 11 anos. “Elas ainda estão no período de formação de suas personalidades”, diz Cláudia. “Um episódio como esse mexe nas bases, e elas podem se tornar adultos mais suscetíveis.” Isso significa que elas podem ter maior tendência para desenvolver outras patologias no futuro, já que sua resistência a situações traumáticas foi minada, e podem se tornar pessoas com ansiedade crônica.
Junto com as fobias podem aparecer casos em que o distúrbio psicológico acabe gerando alterações cognitivas. Muitas das crianças traumatizadas podem apresentar problemas de aprendizado – simplesmente porque estão ansiosas demais para se concentrar. “É preciso observar a reação de cada uma, porque as respostas são diferentes”, diz Suely Guimarães, doutora em psicologia e professora da Universidade de Brasília (UnB). O fato de o episódio traumático ter acontecido justamente na escola ajuda a agravar esse quadro.
Especialistas dizem que é preciso organizar uma intervenção coletiva para quem vivenciou o terror dentro da escola – e também para a comunidade no entorno.
Alunos, educadores, funcionários, pais, familiares, vizinhos, quem estava só passando e parou para ajudar. Em níveis de intensidade diferentes, até pais com filhos em outras escolas do bairro podem ter medo de mandá-los para lá nos próximos dias. “Cada um viveu o terror de forma individual. Compartilhar essas histórias ajuda a legitimar o que todo mundo está sentindo”, diz Maria Helena Franco, coordenadora do laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto, da PUC-SP. Para os alunos que sobreviveram, perceber o apoio da comunidade é importante para superar os traumas. “É a escola que tem de protagonizar esse diálogo”, afirma Osmar Luvison Pinto, psicanalista e supervisor escolar. “Seu papel é devolver aos alunos o espaço de segurança que lhes foi roubado.
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