Explicação sobre o blog "Ativismocontraaidstb"


Aproveito para afirmar que este blog NÃO ESTÁ CONTRA OS ATIVISTAS, PELO CONTRÁRIO.

Sou uma pessoa vivendo com HIV AIDS e HOMOSSEXUAL. Logo não posso ser contra o ativismo seja ele de qualquer forma.

QUERO SIM AGREGAR(ME JUNTAR A TODOS OS ATIVISTAS)PARA JUNTOS FORMARMOS UMA força de pessoas conscientes que reivindicam seus direitos e não se escondam e muito menos se deixem reprimir.

Se por aí dizem isso, foi porque eles não se deram ao trabalho de ler o enunciado no cabeçalho(Em cima do blog em Rosa)do blog.

Espero com isso aclarar os ânimos e entendimentos de todos.

Conto com sua atenção e se quiser, sua divulgação.

Obrigado, desculpe o transtorno!

NADA A COMEMORAR

NADA A COMEMORAR
NADA A COMEMORAR dN@dILM@!

#CONVITE #ATOpUBLICO DE #DESAGRAVO AO FECHAMENTO DAS #EAT´S

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

#CONVITE #ATOpUBLICO DE #DESAGRAVO AO FECHAMENTO DAS #EAT´S

SEGUNDA-FEIRA 10:00hS
EAT Luis Carlos Ripper - Rua Visconde de Niterói, 1364 - Bairro Mangueira.
Caro Companheiro (a), Venha participar, com sua presença, dia 18 de fevereiro, às 10hrs da manhã de um "abraço" ao prédio da nossa querida EAT - Escola das Artes Técnicas Luis Carlos Ripper que, junto com a EAT Paulo Falcão ( Nova Iguaçu) foi fechada por uma arbitraria decisão governamental. Participe deste ato de desagravo ao fechamento de duas escolas públicas, reconhecidas e premiadas internacionalmente que, há dez anos, levam educação de excelência ao povo. ... Compartilhe este convite com todos aqueles que, como você esta comprometidos com a educação verdadeiramente de qualidade. >> Assine a petição para não deixar o governo do estado acabar com duas escolas de excelência!! << http://www.avaaz.org/po/petition/Pelo_manutencao_das_EATS_e_de_sua_Metodologia/?cqMRZdb Saiba mais: http://sujeitopolitico.blogspot.com.br/

ESTE BLOG ESTA COMEMORANDO!!!

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3 anos de existência com vocês...

Ativismo Contra Aids/TB

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Texto do voto do Relator Exm Sr Ministro Aires Britto:

 u


                     VOTO
   O Senhor Ministro Ayres Britto (Relator):
   Começo este voto pelo exame do primeiro
pedido    do   autor    da    ADPF    nº    132-RJ,
consistente na aplicação da técnica da
“interpretação conforme à Constituição” aos
incisos II e V do art. 19, mais o art. 33,
todos do Decreto-Lei nº 220/1975 (Estatuto
dos Servidores Públicos Civis do Estado do
Rio de Janeiro). Técnica da “interpretação
conforme” para viabilizar o descarte de
qualquer     intelecção     desfavorecedora      da
convivência       estável       de      servidores
homoafetivos, em comparação com a tutela
juridicamente conferida à união igualmente
estável de servidores heterossexuais. O que,
em princípio, seria viável, pois entendo que
os dispositivos em foco tanto se prestam
para     a     perpetração       da     denunciada
discriminação      odiosa     quanto      para    a
pretendida      equiparação        de      direitos
subjetivos.     E    o     fato     é    que    tal
plurissignificatividade ou polissemia desse
ou daquele texto normativo é pressuposto do
emprego dessa técnica especial de controle
de constitucionalidade que atende pelo nome,
justamente, de      “interpretação conforme à
Constituição”,      quando uma das vertentes
hermenêuticas se põe em rota de colisão com
o Texto Magno Federal.
   2.   Devo     reconhecer,     porém,     que   a
legislação fluminense, desde 2007 (art. 1º
                                                  1
da Lei nº 5.034/2007), equipara “à condição
de companheira ou companheiro (...) os
parceiros                      homoafetivos                        que              mantenham
relacionamento civil permanente, desde que
devidamente comprovado, aplicando-se, para
configuração deste, no que couber, os
preceitos legais incidentes sobre a união
estável de parceiros de sexos diferentes”1.
Sendo que tal equiparação fica limitada ao
gozo de benefícios previdenciários, conforme
se vê do art. 2º da mesma lei, assim
redigido:                        “aos              servidores                         públicos
estaduais, titulares de cargo efetivo, (...)
o direito de averbação, junto à autoridade
competente, para fins previdenciários, da
condição de parceiros homoafetivos”. O que
implica, ainda que somente quanto a direitos
previdenciários, a perda de objeto dessa
presente ação. Perda de objeto que de logo
assento quanto a esse específico ponto. Isso
porque a lei em causa já confere aos
companheiros                          homoafetivos                     o         pretendido
reconhecimento jurídico da sua união.
        3. Já de pertinência ao segundo pedido do
autor da mesma ADPF 132, consistente no
reconhecimento da incompatibilidade material
entre os citados preceitos fundamentais da
nossa                 Constituição                         e           as             decisões
administrativas e judiciais que espocam em
diversos Estados sobre o tema aqui versado,
imperioso é dizer que tal incompatibilidade
em si não constitui novidade. É que ninguém
ignora o dissenso que se abre em todo tempo
1
  Art. 1º da Lei Estadual nº 5.034/2007, que acrescentou ao art. 29 da Lei nº 285, de 03 de dezembro de
1979 (Lei que dispõe sobre o regime previdenciário dos servidores públicos do Estado do Rio de Janeiro),
o seguinte parágrafo: §7º - “Equiparam-se à condição de companheira ou companheiro de que trata o
inciso I deste artigo, os parceiros homoafetivos, que mantenham relacionamento civil permanente,
aplicando-se para configuração deste, no que couber, os preceitos legais incidentes sobre a união estável
entre parceiros de sexos diferentes”.
                                                                                                       2
e lugar sobre a liberdade da inclinação
sexual das pessoas, por modo quase sempre
temerário (o dissenso) para a estabilidade
da vida coletiva. Dissenso a que não escapam
magistrados    singulares     e   membros    de
Tribunais Judiciários, com o sério risco da
indevida    mescla      entre    a    dimensão
exacerbadamente subjetiva de uns e de outros
e a dimensão objetiva do Direito que lhes
cabe aplicar.
   4. Seja como for, o fato é que me foi
redistribuída a ADI 4.277, versando o mesmo
tema central da ADPF nº 132. Dando-se, por
efeito   mesmo    dessa    distribuição,    uma
convergência de objetos que me leva a
subsumir ao mais amplo regime jurídico da
ADI os pedidos insertos na ADPF, até porque
nela mesma, ADPF, se contém o pleito
subsidiário do seu recebimento como ADI. Por
igual, entendo francamente encampados pela
ADI nº 4.277 os fundamentos da ADPF em tela
(a de nº 132-DF). Fundamentos de que se fez
uso tanto para a pretendida “interpretação
conforme” dos incisos II e V do art. 19 e do
art. 33 do Decreto-Lei nº 220/1975 (Estatuto
dos Servidores Públicos Civis do Estado do
Rio de Janeiro) quanto para o art. 1.723 do
Código      Civil       brasileiro,       assim
vernacularmente posto: “É reconhecida como
entidade familiar a união estável entre o
homem e a mulher, configurada na convivência
pública, contínua e duradoura e estabelecida
com o objetivo de constituição de família”.
É o que me basta para converter a ADPF em
ADI e, nessa condição, recebê-la em par com
a ADI nº 4.277, a mim distribuída por
prevenção. Com o que este Plenário terá bem
                                              3
mais abrangentes possibilidades de, pela
primeira vez no curso de sua longa história,
apreciar o mérito dessa tão recorrente
quanto        intrinsecamente          relevante
controvérsia em torno da união estável entre
pessoas do mesmo sexo, com todos os seus
consectários jurídicos. Em suma, estamos a
lidar com um tipo de dissenso judicial que
reflete o fato histórico de que nada
incomoda   mais    as    pessoas    do   que   a
preferência    sexual   alheia,     quando   tal
preferência já não corresponde ao padrão
social da heterossexualidade.        É a perene
postura de reação conservadora aos que, nos
insondáveis domínios do afeto, soltam por
inteiro as amarras desse navio chamado
coração.
   5. Em outras palavras, conheço da ADPF nº
132-RJ      como       ação       direta      de
inconstitucionalidade. Ação cujo centrado
objeto consiste em submeter o art. 1.723 do
Código   Civil    brasileiro    à   técnica   da
“interpretação conforme à Constituição”. O
que vem reprisado na ADI nº 4.277-DF,
proposta, conforme dito, pela Exma. Sra.
Vice-Procuradora Geral da República, Débora
Duprat, no exercício do cargo de Procurador
Geral, e a mim redistribuída por prevenção.
E assim procedo com base nos seguintes
precedentes deste nosso Tribunal: ADPF-QO 72
e   ADPF  178),    dos    quais   seleciono   as
seguintes passagens:
            “(...)Assim sendo, demonstrada a
         impossibilidade de se conhecer da
         presente    ação    como   ADPF,   pela
                                               4
existência de outro meio eficaz,
sendo evidente o perfeito encaixe
de seus elementos ao molde de
pressupostos da ação direta de
inconstitucionalidade        e,    ainda,
demonstrando-se          patente        a
relevância     e     a   seriedade     da
situação      trazida      aos     autos,
referente a conflito surgido entre
dois Estados da federação, resolvo
a    presente     questão     de    ordem
propondo o aproveitamento do feito
como        ação         direta        de
inconstitucionalidade,          a     ela
aplicando, desde logo, o rito do
art. 12 da Lei nº 9.868/99” (ADPF-
QO    72,     Min.     Relatora     Ellen
Gracie)”.
   “Porém, em pedido subsidiário, a
Procuradoria-Geral       da     República
requer o conhecimento da presente
ADPF     como     ação     direita     de
inconstitucionalidade, com pedido
de interpretação conforme do art.
1.723 do Código Civil.
   Assim sendo, e com base na
jurisprudência desta Corte (ADPF-QO
n° 72, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ
2.12.2005), conheço da ação como
ação               direta              de
inconstitucionalidade, cujo objeto
é o art. 1.723 do Código Civil.”
(ADPF 178, Min. Gilmar Mendes, no
exercício da Presidência.”
                                        5
   6.   Indicados    tais    fundamentos,    devo
acrescentar,    ainda    como    preliminar    de
mérito, que tenho por satisfeito o requisito
da pertinência temática para a propositura
da primeira ação de controle concentrado de
constitucionalidade.      Requisito      que   se
constitui    em    “verdadeira      projeção   do
interesse de agir no processo objetivo, que
se traduz na necessidade de que exista uma
estreita relação entre o objeto do controle
e os direitos da classe representada pela
entidade    requerente”     (ADI-MC     4.356/CE,
Relator Ministro Dias Toffoli). É que, no
caso da ação proposta pelo Governador do
Estado do Rio de Janeiro, tal unidade
federada só pode reconhecer e efetivar os
direitos de seus servidores se vier a
trabalhar com elementos conceituais que já
se encontram positivados na Constituição e
no Código Civil, nessa ordem. É como dizer:
a correta aplicação das normas estaduais
inerentes à união duradoura entre pessoas do
mesmo    sexo     reclama,      para      a   sua
concretização, a incidência de institutos de
Direito Constitucional e de Direito Civil,
como,   verbi    gratia,    os   institutos    da
família, do casamento, da entidade familiar,
da união estável e da adoção. Entendimento
que   se   coaduna    com    a   “posição    mais
abrangente”     da     legitimação      para    a
propositura da ADI e da ADPF, conforme tese
pioneiramente esgrimida pelo Min. Sepúlveda
Pertence e versada com pena de mestre pela
Ministra Ellen Gracie no julgamento da ADI-
MC   2396.   Já   no    plano   da    habilitação
processual ativa do Procurador-Geral da
República em tema de ADI, a reconhecida
finalidade    institucional      do    Ministério
                                                6
Público em defesa de toda a ordem jurídica
(caput do art. 127 da Constituição Federal)
o torna imune a qualquer exigência de
adequação temática entre o que postula em
sede      de      controle      abstrato     de
constitucionalidade e o que se põe como
finalidade da instituição por ele presentada
(é o que se tem chamado de habilitação
universal, porquanto adrede chancelada pela
Constituição). Conheço também da ADI nº
4.277-DF, por conseqüência.
   7. Pronto! Não havendo outra questão
preliminar remanescente, passo ao voto que
me cabe proferir quanto ao mérito da causa.
E, desde logo, verbalizo que merecem guarida
os pedidos formulados pelos requerentes de
ambas as ações. Pedido de “interpretação
conforme à Constituição” do dispositivo
legal impugnado (art. 1.723 do Código
Civil), porquanto nela mesma, Constituição,
é que se encontram as decisivas respostas
para o tratamento jurídico a ser conferido
às uniões homoafetivas que se caracterizem
por   sua    durabilidade,    conhecimento   do
público (não-clandestinidade, portanto) e
continuidade,     além     do    propósito   ou
verdadeiro anseio de constituição de uma
família.
   8. Ainda nesse ponto de partida da
análise meritória da questão, calha anotar
que    o    termo    “homoafetividade”,    aqui
utilizado para identificar o vínculo de
afeto e solidariedade entre os pares ou
                                              7
parceiros do mesmo sexo, não constava dos
dicionários da língua portuguesa. O vocábulo
foi cunhado pela vez primeira na obra “União
Homossexual, o Preconceito e a Justiça”, da
autoria                da         desembargadora                       aposentada                     e
jurista Maria Berenice Dias, consoante a
seguinte passagem: “Há palavras que carregam
o estigma do preconceito. Assim, o afeto a
pessoa                   do             mesmo               sexo                chamava-se
'homossexualismo'.                                        Reconhecida                                 a
inconveniência do sufixo 'ismo', que está
ligado a doença, passou-se a falar em
'homossexualidade',                                    que            sinaliza                     um
determinado jeito de ser. Tal mudança, no
entanto, não foi suficiente para pôr fim ao
repúdio                social              ao          amor          entre             iguais”
(Homoafetividade: um novo substantivo)”.
       9.         Sucede               que           não         foi          somente                 a
comunidade                     dos         juristas,                 defensora                   dos
direitos subjetivos de natureza homoafetiva,
que popularizou o novo substantivo, porque
sua utilização corriqueira já deita raízes
nos dicionários da língua portuguesa, a
exemplo do “Dicionário Aurélio”2. Verbete de
que me valho no presente voto para dar
conta, ora do enlace por amor, por afeto,
por intenso carinho entre pessoas do mesmo
sexo, ora da união erótica ou por atração
física entre esses mesmos pares de seres
humanos.                         União,                    aclare-se,                            com
perdurabilidade                             o            bastante                  para               a
constituição de um novo núcleo doméstico,
2
  “Homoafetividade 1.Qualidade ou caráter de homoafetivo. 2. Relação afetiva e sexual entre pessoas do
mesmo sexo. Homoafetivo 1. Que diz respeito à afetividade e a sexualidade entre pessoas do mesmo
sexo. 2. Realizado entre as pessoas do mesmo sexo: casamento homoafetivo.3. Relativo ou pertencente a,
ou próprio de duas pessoas que mantém relação conjugal, ou que pretendem fazê-lo: direito
homoafetivo.” (Dicionário Aurélio, 5ª Edição, fl. 1105).
                                                                                                       8
tão socialmente ostensivo na sua existência
quanto vocacionado para a expansão de suas
fronteiras                    temporais.                    Logo,              vínculo              de
caráter privado, mas sem o viés do propósito
empresarial, econômico, ou, por qualquer
forma, patrimonial, pois não se trata de u’a
mera               sociedade de fato ou interesseira
parceria mercantil. Trata-se, isto sim, de
um voluntário navegar por um rio sem margens
fixas e sem outra embocadura que não seja a
experimentação de um novo a dois que se
alonga tanto que se faz universal. E não
compreender isso talvez comprometa por modo
irremediável                         a        própria                 capacidade                    de
interpretar os institutos jurídicos há pouco
invocados, pois − é Platão quem o diz -,
“quem não começa pelo amor nunca saberá o
que é filosofia”. É a categoria do afeto
como pré-condição do pensamento, o que levou
Max Scheler a também ajuizar que “O ser
humano,                antes              de        um        ser           pensante                ou
                                                              3
volitivo, é um ser amante” .
        10.          Com          esta             elucidativa                     menção            à
terminologia em debate, que bem me anima a
cunhar, por conta própria, o antônimo da
heteroafetividade,                                   passo                 ao           enfoque
propriamente constitucional do mérito das
ações. Isto para ajuizar, de pronto, que a
primeira                 oportunidade                       em          que          a      nossa
Constituição Federal emprega o vocábulo
“sexo” é no inciso IV do seu art. 3º4. O
artigo,                 versante                   sobre              os          “objetivos
3
  Textos recolhidos de ensaio escrito por Sérgio da Silva Mendes e a ser publicado no XX Compedi, com
o nome de “Unidos pelo afeto, separados por um parágrafo”, a propósito, justamente, da questão
homoafetiva perante o §3º do art. 226 da CF) ,
4
  “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
(...)
IV − promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação”.
                                                                                                     9
fundamentais” da nossa República Federativa;
o inciso, a incorporar a palavra “sexo” para
emprestar a ela o nítido significado de
conformação               anátomo-fisiológica
descoincidente entre o homem e a mulher.
Exatamente como se verifica nas três outras
vezes    em     que    o   mesmo    termo    é
constitucionalmente usado (inciso XLVIII do
art. 5º, inciso XXX do art. 7º e inciso II
do § 7º do art. 201).
   11. Trata-se, portanto, de um laborar
normativo    no    sítio  da   mais    natural
diferenciação entre as duas tipologias da
espécie humana, ou, numa linguagem menos
antropológica e mais de lógica formal,
trata-se de um laborar normativo no sítio da
mais elementar diferenciação entre as duas
espécies do gênero humano: a masculina e a
feminina.    Dicotomia   culturalmente    mais
elaborada que a do macho e da fêmea, embora
ambas as modalidades digam respeito ao mesmo
reino animal, por oposição aos reinos
vegetal e mineral.
   12. Prossigo para ajuizar que esse
primeiro trato normativo da matéria já
antecipa que o sexo das pessoas, salvo
expressa    disposição    constitucional    em
contrário, não se presta como fator de
desigualação jurídica. É como dizer: o que
se tem no dispositivo constitucional aqui
reproduzido em nota de rodapé (inciso IV do
art 3º) é a explícita vedação de tratamento
discriminatório ou preconceituoso em razão
                                             10
do sexo dos seres humanos. Tratamento
discriminatório ou desigualitário sem causa
que, se intentado pelo comum das pessoas ou
pelo    próprio   Estado,     passa    a   colidir
frontalmente com o objetivo constitucional
de “promover o bem de todos” (este o
explícito objetivo que se lê no inciso em
foco).
   13.     “Bem     de      todos”,      portanto,
constitucionalmente       versado      como    uma
situação jurídica ativa a que se chega pela
eliminação do preconceito de sexo. Se se
prefere, “bem de todos” enquanto valor
objetivamente posto pela Constituição para
dar sentido e propósito ainda mais adensados
à vida de cada ser humano em particular, com
reflexos     positivos     no     equilíbrio    da
sociedade. O que já nos remete para o
preâmbulo     da    nossa     Lei    Fundamental,
consagrador        do        “Constitucionalismo
fraternal” sobre que discorro no capítulo de
nº VI da obra “Teoria da Constituição”,
Editora      Saraiva,      2003.       Tipo     de
constitucionalismo, esse, o fraternal, que
se volta para a integração comunitária das
pessoas (não exatamente para a “inclusão
social”), a se viabilizar pela imperiosa
adoção de políticas públicas afirmativas da
fundamental igualdade civil-moral (mais do
que    simplesmente     econômico-social)      dos
estratos         sociais           historicamente
desfavorecidos e até vilipendiados. Estratos
ou segmentos sociais como, por ilustração, o
dos negros, o dos índios, o das mulheres, o
dos portadores de deficiência física e/ou
mental e o daqueles que, mais recentemente,
                                                 11
deixaram      de     ser     referidos      como
“homossexuais” para ser identificados pelo
nome de “homoafetivos”. Isto de parelha com
leis e políticas públicas de cerrado combate
ao preconceito, a significar, em última
análise, a plena aceitação e subseqüente
experimentação do pluralismo sócio-político-
cultural. Que é um dos explícitos valores do
mesmo preâmbulo da nossa Constituição e um
dos fundamentos da República Federativa do
Brasil (inciso V do art. 1º). Mais ainda,
pluralismo que serve de elemento conceitual
da   própria    democracia    material   ou   de
substância, desde que se inclua no conceito
da   democracia     dita    substancialista    a
respeitosa     convivência    dos    contrários.
Respeitosa convivência dos contrários que
John Rawls interpreta como a superação de
relações    historicamente     servis    ou   de
verticalidade sem causa. Daí conceber um
“princípio de diferença”, também estudado
por Francesco Viola sob o conceito de
“similitude” (ver ensaio de Antonio Maria
Baggio, sob o título de “A redescoberta da
fraternidade na época do ‘terceiro’ 1789”,
pp.    7/24    da   coletânea     “O   PRINCÍPIO
ESQUECIDO”, CIDADE NOVA, São Paulo, 2008).
   14.    Mas   é   preciso    lembrar   que   o
substantivo “preconceito” foi grafado pela
nossa Constituição com o sentido prosaico ou
dicionarizado que ele porta; ou seja,
preconceito é um conceito prévio. Uma
formulação      conceitual     antecipada     ou
engendrada pela mente humana fechada em si
mesma e por isso carente de apoio na
realidade.    Logo,    juízo    de   valor   não
                                               12
autorizado pela realidade, mas imposto a
ela. E imposto a ela, realidade, a ferro e
fogo de u’a mente voluntarista, ou sectária,
ou   supersticiosa,    ou   obscurantista,   ou
industriada,    quando     não    voluntarista,
sectária, supersticiosa, obscurantista e
industriada ao mesmo tempo. Espécie de trave
no olho da razão e até do sentimento, mas
coletivizada o bastante para se fazer de
traço   cultural   de    toda  uma   gente   ou
população geograficamente situada. O que a
torna ainda mais perigosa para a harmonia
social e a verdade objetiva das coisas.
Donde René Descartes emitir a célebre e
corajosa    proposição    de   que    “Não   me
impressiona o argumento de autoridade, mas,
sim, a autoridade do argumento”, numa época
tão marcada pelo dogma da infalibilidade
papal e da fórmula absolutista de que “O rei
não pode errar” (The king can do no wrong”).
Reverência ao valor da verdade que também se
lê nestes conhecidos versos de Fernando
Pessoa, três séculos depois da proclamação
cartesiana: “O universo não é uma idéia
minha./A idéia que eu tenho do universo é
que é uma idéia minha”.
   15. Há mais o que dizer desse emblemático
inciso IV do art. 3º da Lei Fundamental
brasileira. É que, na sua categórica vedação
ao preconceito, ele nivela o sexo à origem
social e geográfica da pessoas, à idade, à
raça e à cor da pele de cada qual; isto é, o
sexo a se constituir num dado empírico que
nada tem a ver com o merecimento ou o
desmerecimento inato das pessoas, pois não
se é mais digno ou menos digno pelo fato de
                                              13
se   ter    nascido     mulher,    ou   homem.   Ou
nordestino, ou sulista. Ou de pele negra, ou
mulata,     ou     morena,     ou     branca,    ou
avermelhada. Cuida-se, isto sim, de algo já
alocado nas tramas do acaso ou das coisas
que só dependem da química da própria
Natureza, ao menos no presente estágio da
Ciência e da Tecnologia humanas.
   16. Ora, como essa diferente conformação
anatomo-fisiológica entre o homem e a mulher
se   revela,     usualmente,      a    partir   dos
respectivos órgãos genitais (o critério
biológico tem sido esse), cada qual desses
órgãos de elementar diferenciação entre
partes     passou     a    também     se    chamar,
coloquialmente, de “sexo”. O órgão a tomar o
nome    do     ser    em     que    anatomicamente
incrustado. Mas “sexo” ou “aparelho sexual”
como signo lingüístico de um sistema de
órgãos cumpridores das elementares funções
de estimulação erótica, conjunção carnal e
reprodução       biológica.       Três      funções
congênitas, como sabido, e que, por isso
mesmo, prescindentes de livros, escola,
cultura ou até mesmo treinamento para o seu
concreto desempenho. Donde sua imediata
definição, não propriamente como categoria
mental      ou     exclusiva       revelação     de
sentimento,     mas     como   realidade     também
situada nos domínios do instinto e não raro
com a prevalência dele no ponto de partida
das relações afetivas. “Instinto sexual ou
libido”,     como    prosaicamente      falado,   a
retratar o fato da indissociabilidade ou
unidade incindível entre o aparelho genital
da pessoa humana e essa pessoa mesma.
                                                  14
Ficando de fora da expressão, claro, as
funções meramente mecânicas de atendimento
às necessidades ditas “fisiológicas” de todo
indivíduo.
   17. Nada obstante, sendo o Direito uma
técnica de controle social (a mais engenhosa
de todas), busca submeter, nos limites da
razoabilidade e da proporcionalidade, as
relações    deflagradas      a    partir    dos
sentimentos e dos próprios instintos humanos
às normas que lhe servem de repertório e
essência. Ora por efeito de uma “norma geral
positiva” (Hans Kelsen), ora por efeito de
uma “norma geral negativa” (ainda segundo
Kelsen, para cunhar as regras de clausura ou
fechamento      do       Sistema      Jurídico,
doutrinariamente concebido como realidade
normativa que se dota dos atributos da
plenitude,      unidade       e     coerência).
Precisamente como, em parte, faz a nossa
Constituição acerca das funções sexuais das
pessoas. Explico.
   18. Realmente, em tema do concreto uso do
sexo nas três citadas funções de estimulação
erótica,   conjunção    carnal   e   reprodução
biológica, a Constituição brasileira opera
por um intencional silêncio. Que já é um
modo de atuar mediante o saque da kelseniana
norma geral negativa, segundo a qual “tudo
que não estiver juridicamente proibido, ou
obrigado,   está   juridicamente     permitido”
(regra de clausura ou fechamento hermético
do Direito, que a nossa Constituição houve
                                              15
por bem positivar no inciso II do seu art.
5º, debaixo da altissonante fórmula verbal
de que “ninguém será obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude                 de          lei”,              e       que            me         parece
consagradora do que se poderia chamar de
direito de não ter dever). É falar: a
Constituição Federal não dispõe, por modo
expresso,                     acerca                das          três             clássicas
modalidades do concreto emprego do aparelho
sexual humano. Não se refere explicitamente
à subjetividade das pessoas para optar pelo
não-uso puro e simples do seu aparelho
genital (absenteísmo sexual ou voto de
castidade),                      para              usá-lo             solitariamente
(onanismo), ou, por fim, para utilizá-lo por
modo emparceirado. Logo, a Constituição
entrega o empírico desempenho de tais
funções sexuais ao livre arbítrio de cada
pessoa, pois o silêncio normativo, aqui,
atua como absoluto respeito a algo que, nos
animais em geral e nos seres humanos em
particular, se define como instintivo ou da
própria natureza das coisas. Embutida nesse
modo instintivo de ser a “preferência” ou
“orientação” de cada qual das pessoas
naturais. Evidente! Como se dá, já de forma
até            mesmo               literal,                  com           ordenamentos
jurídicos da Comunidade Européia5. O que
5
  Resolução do Parlamento Europeu, de 08 de fevereiro de 1994: “A comunidade européia tem o dever,
em todas as normas jurídicas já adotadas e nas que serão adotadas no futuro, de dar realização ao
princípio de igualdade de tratamento das pessoas, independentemente de suas tendências sexuais”.
Resolução sobre o respeito pelos Direitos do Homem na União Européia,
de 16 de março de 2000: “Os Estados-membros são incitados a adotar
“políticas de equiparação entre uniões heterossexuais e homossexuais
designadamente, a garantirem às famílias monoparentais, aos casais não
unidos pelo matrimónio e aos do mesmo sexo, a igualdade de direitos
relativamente aos casais e famílias tradicionais, principalmente, no
que se refere a obrigações fiscais, regimes patrimoniais e direitos
sociais, e conclama todos os Estados nos quais não exista ainda esse
reconhecimento jurídico a alterarem a sua legislação no sentido do
reconhecimento            jurídico        das       uniões      sem      laços        matrimoniais
independentemente             do    sexo      dos      intervenientes,          entendendo       ser
                                                                                                  16
também se lê em Constituições como a do
Estado de Sergipe6 e do Mato Grosso7, aqui
mesmo em nosso País, que também por modo
textual                 vedam              o         preconceito                       contra              a
“orientação” sexual alheia. Que não tem nada
a ver − repita-se à exaustão - com a maior
ou menor dignidade dos seres humanos.
        19. Noutra maneira de falar sobre o mesmo
tema, tanto nos mencionados países quanto
aqui na Terra Brasilis pós-Constituição de
1988, o sexo das pessoas é um todo pró-
indiviso, por alcançar o ser e o respectivo
aparelho genital. Sem a menor possibilidade
de dissociação entre o órgão e a pessoa
natural em que sediado. Pelo que proibir a
discriminação em razão do sexo (como faz o
inciso III do art. 1º da nossa Constituição
Republicana) é proteger o homem e a mulher
como um todo psicossomático e espiritual
necessário conseguir rapidamente progressos quanto ao reconhecimento
mútuo na União Europeia destas diversas formas legais de uniões de
fato e de matrimônios entre pessoas do mesmo sexo.”
6
   ‘Art. 3º O Estado assegura por suas leis e pelos atos dos seus
     agentes, além dos direitos e garantias individuais previstos na
     Constituição Federal e decorrentes do regime e dos princípios que
     ela adota, ainda os seguintes:
(...)
II – proteção contra discriminação por motivo de raça, cor, sexo,
     idade, classe social, orientação sexual, deficiência física, mental
     ou sensorial, convicção político ideológica, crença em manifestação
     religiosa, sendo os infratores passíveis de punição por lei.”
7
   “Art. 10 – O Estado do Mato Grosso e seus Municípios assegurarão, pela lei e pelos atos dos agentes de
seus Poderes, a imediata e plena efetividade e todos os direitos e garantias individuais e coletivas, além
dos correspondentes deveres, (...), nos termos seguintes:
(...)
III – a implantação de meios assecuratórios de que ninguém será prejudicado ou privilegiado em razão de
nascimento, raça, cor, sexo, estado civil, natureza de seu trabalho, idade, religião, orientação sexual,
convicções políticas ou filosóficas, deficiência física ou mental e qualquer particularidade ou condição”
                                                                                                           17
que abarca a dimensão sexual de cada qual
deles. Por conseguinte, cuida-se de proteção
constitucional que faz da livre disposição
da sexualidade do indivíduo um autonomizado
instituto jurídico. Um tipo de liberdade que
é, em si e por si, um autêntico bem de
personalidade. Um dado elementar da criatura
humana em sua intrínseca dignidade de
universo à parte. Algo já transposto ou
catapultado para a inviolável esfera da
autonomia de vontade do indivíduo, na medida
em que sentido e praticado como elemento da
compostura anímica e psicofísica (volta-se a
dizer) do ser humano em busca de sua
plenitude existencial. Que termina sendo uma
busca de si mesmo, na luminosa trilha do
“Torna-te quem és”, tão bem teoricamente
explorada por Friedrich Nietzsche. Uma busca
da irrepetível identidade individual que,
transposta para o plano da aventura humana
como um todo, levou Hegel a sentenciar que a
evolução do espírito do tempo se define como
um caminhar na direção do aperfeiçoamento de
si mesmo (cito de memória). Afinal, a
sexualidade, no seu notório transitar do
prazer puramente físico para os colmos
olímpicos da extasia amorosa, se põe como um
plus ou superávit de vida. Não enquanto um
minus ou déficit existencial. Corresponde a
um ganho, um bônus, um regalo da natureza, e
não a uma subtração, um ônus, um peso ou
estorvo, menos ainda a uma reprimenda dos
deuses em estado de fúria ou de alucinada
retaliação perante o gênero humano. No
particular, o derramamento de bílis que
tanto prejudica a produção dos neurônios é
coisa dos homens; não dos deuses do Olimpo,
menos ainda da natureza. O que, por certo,
                                           18
inspirou Jung (Carl Gustav) a enunciar que
“A homossexualidade, porém, é entendida não
como     anomalia     patológica,     mas    como
identidade     psíquica   e,    portanto,    como
equilíbrio específico que o sujeito encontra
no seu processo de individuação”. Como que
antecipando um dos conteúdos do preâmbulo da
nossa Constituição, precisamente aquele que
insere “a liberdade” e “a igualdade” na
lista dos “valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos
(...)”.
   20.     Nesse    fluxo    de    interpretação
constitucional das coisas, vê-se que estamos
a lidar com normas que não distinguem a
espécie feminina da espécie masculina, como
não excluem qualquer das modalidades do
concreto uso da sexualidade de cada pessoa
natural.    É   ajuizar:   seja    qual   for   a
preferência      sexual    das     pessoas,     a
qualificação dessa preferência como conduta
juridicamente lícita se dá por antecipação.
Até porque, reconheçamos, nesse movediço
terreno da sexualidade humana é impossível
negar que a presença da natureza se faz
particularmente forte. Ostensiva. Tendendo
mesmo a um tipo de mescla entre instinto e
sentimento que parece começar pelo primeiro,
embora sem o ortodoxo sentido de pulsão. O
que já põe o Direito em estado de alerta,
para    não    incorrer    na    temeridade    de
regulamentar o factual e axiologicamente
irregulamentável.      A  não   ser    quando   a
sexualidade de uma pessoa é manejada para
negar a sexualidade da outra, como sucede,
por exemplo, com essa ignominiosa violência
a que o Direito apõe o rótulo de estupro. Ou
                                                19
com o desvario ético-social da pedofilia e
do incesto. Ou quando resvalar para a zona
legalmente proibida do concubinato.
        21. Óbvio que, nessa altaneira posição de
direito fundamental e bem de personalidade,
a preferência sexual se põe como direta
emanação do princípio da “dignidade da
pessoa humana” (inciso III do art. 1º da
CF), e, assim, poderoso fator de afirmação e
elevação pessoal. De auto-estima no mais
elevado ponto da consciência. Auto-estima,
de sua parte, a aplainar o mais abrangente
caminho                     da            felicidade,                          tal              como
positivamente                         normada              desde              a        primeira
declaração                       norte-americana                           de          direitos
humanos (Declaração de Direitos do Estado da
Virgínia, de 16 de junho de 17768) e até
hoje                  perpassante                          das                  declarações
constitucionais do gênero. Afinal, se as
pessoas de preferência                                            heterossexual só
podem                se            realizar                 ou            ser            felizes
heterossexualmente,                                  as           de            preferência
homossexual seguem na mesma toada: só podem
se realizar ou ser felizes homossexualmente.
Ou “homoafetivamente”, como hoje em dia mais
e mais se fala, talvez para retratar o
relevante fato de que o século XXI já se
marca pela preponderância da afetividade
sobre a biologicidade. Do afeto sobre o
biológico, este último como realidade tão-
somente                 mecânica                ou        automática,                       porque
independente da vontade daquele que é posto
8
  “Art. 1º - Todos os homens nascem igualmente livres e independentes, têm direitos certos, essenciais e
naturais dos quais não podem, por nenhum contrato, privar nem despojar sua posteridade: tais são o
direito de gozar a vida e a liberdade com os meios de adquirir e possuir propriedades, de procurar obter a
felicidade e a segurança”
                                                                                                       20
no mundo como conseqüência da fecundação de
um individualizado óvulo por um também
individualizado espermatozóide.
   22. Muito bem. Consignado que a nossa
Constituição      vedou     às    expressas    o
preconceito     em     razão     do    sexo    e
intencionalmente nem obrigou nem proibiu o
concreto uso da sexualidade humana, o que se
tem como resultado dessa conjugada técnica
de normação é o reconhecimento de que tal
uso faz parte da autonomia de vontade das
pessoas naturais, constituindo-se em direito
subjetivo   ou     situação    jurídica   ativa.
Direito potestativo que se perfila ao lado
das clássicas liberdades individuais que se
impõem ao respeito do Estado e da sociedade
(liberdade de pensamento, de locomoção, de
informação,    de    trabalho,    de   expressão
artística, intelectual, científica e de
comunicação, etc). Mais ainda, liberdade que
se concretiza:
            I - sob a forma de direito à
         intimidade, se visualizada pelo
         prisma da abstenção, ou, então, do
         solitário desfrute (onanismo);
            II – sob a forma de direito à
         privacidade, se a visualização já
         ocorrer pelo ângulo do intercurso
         ou emparceirado desfrute (plano da
         intersubjetividade,                 por
         conseguinte).
                                               21
   23. Não pode ser diferente, porque nada
mais   íntimo    e   mais    privado   para   os
indivíduos do que a prática da sua própria
sexualidade. Implicando o silêncio normativo
da nossa Lei Maior, quanto a essa prática,
um   lógico    encaixe    do    livre   uso   da
sexualidade humana nos escaninhos jurídico-
fundamentais da intimidade e da privacidade
das pessoas naturais. Tal como sobre essas
duas figuras de direito dispõe a parte
inicial do art. 10 da Constituição, verbis:
“são invioláveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas”.
Com o aporte da regra da auto-aplicabilidade
possível das normas consubstanciadoras dos
direitos e garantias fundamentais, a teor do
§1º do art. 5º da nossa Lei Maior, assim
redigido:    “As    normas     definidoras   dos
direitos   e    garantias     fundamentais   têm
aplicabilidade imediata”.
   24. Daqui se deduz que a liberdade sexual
do ser humano somente deixaria de se
inscrever no âmbito de incidência desses
últimos      dispositivos        constitucionais
(inciso X e §1º do art. 5º), se houvesse
enunciação    igualmente    constitucional    em
sentido diverso. Coisa que não existe. Sendo
certo que o direito à intimidade diz
respeito ao indivíduo consigo mesmo (pense-
se na lavratura de um diário), tanto quanto
a privacidade se circunscreve ao âmbito do
indivíduo em face dos seus parentes e
pessoas mais chegadas (como se dá na troca
de e-mails, por exemplo).
                                               22
   25. Faço uma primeira síntese, a título
de fundamentação de mérito do presente voto.
Ei-la:
            I - a Constituição do Brasil
         proíbe,    por   modo    expresso,    o
         preconceito em razão do sexo ou da
         natural diferença entre a mulher e
         o homem. Uma proibição que nivela o
         fato de ser homem ou de ser mulher
         às contingências da origem social e
         geográfica das pessoas, assim como
         da idade, da cor da pele e da raça,
         na acepção de que nenhum desses
         fatores acidentais ou fortuitos se
         põe como causa de merecimento ou de
         desmerecimento intrínseco de quem
         quer que seja;
            II - Não se prestando como fator
         de    merecimento     inato     ou   de
         intrínseco desmerecimento do ser
         humano,    o   pertencer      ao   sexo
         masculino ou então ao sexo feminino
         é apenas um fato ou acontecimento
         que se inscreve nas tramas do
         imponderável. Do incognoscível. Da
         química da própria natureza. Quem
         sabe,   algo   que    se    passa   nas
         secretíssimas     confabulações      do
         óvulo feminino e do espermatozóide
         masculino que o fecunda, pois o
         tema se expõe, em sua faticidade
         mesma, a todo tipo de especulação
         metajurídica. Mas é preciso aduzir,
         já agora no espaço da cognição
         jurídica propriamente dita, que a
                                               23
vedação de preconceito em razão da
compostura    masculina      ou    então
feminina das pessoas também incide
quanto à possibilidade do concreto
uso da sexualidade de que eles são
necessários portadores. Logo, é tão
proibido discriminar as pessoas em
razão da sua espécie masculina ou
feminina   quanto     em    função    da
respectiva preferência sexual. Numa
frase: há um direito constitucional
líquido e certo à isonomia entre
homem e mulher: a)de não sofrer
discriminação pelo fato em si da
contraposta    conformação      anátomo-
fisiológica; b) de fazer ou deixar
de   fazer     uso     da    respectiva
sexualidade; c) de, nas situações
de uso emparceirado da sexualidade,
fazê-lo com pessoas adultas do
mesmo sexo, ou não; quer dizer,
assim como não assiste ao espécime
masculino o direito de não ser
juridicamente       equiparado        ao
espécime feminino − tirante suas
diferenças     biológicas −, também
não      assiste        às       pessoas
heteroafetivas      o direito de se
contrapor    à     sua     equivalência
jurídica     perante            sujeitos
homoafetivos.    O    que    existe    é
precisamente o contrário: o direito
da mulher a tratamento igualitário
com os homens, assim como o direito
dos   homoafetivos      a    tratamento
isonômico com os heteroafetivos;
                                       24
    III – cuida-se, em rigor, de um
salto normativo da proibição de
preconceito para a proclamação do
próprio direito a uma concreta
liberdade do mais largo espectro,
decorrendo tal liberdade de um
intencional mutismo da Constituição
em tema de empírico emprego da
sexualidade humana. É que a total
ausência de previsão normativo-
constitucional sobre esse concreto
desfrute da preferência sexual das
pessoas faz entrar em ignição,
primeiramente,           a         regra
universalmente válida de que “tudo
aquilo       que       não       estiver
juridicamente        proibido,        ou
obrigado,       está      juridicamente
permitido” (esse o conteúdo do
inciso II do art. 5º da nossa
Constituição); em segundo lugar,
porque nada é de maior intimidade
ou de mais entranhada privacidade
do   que   o    factual     emprego   da
sexualidade humana. E o certo é que
intimidade    e    vida    privada   são
direitos individuais de primeira
grandeza      constitucional,        por
dizerem respeito à personalidade ou
ao modo único de ser das pessoas
naturais. Por isso mesmo que de sua
rasa e crua desproteção jurídica,
na matéria de que nos ocupamos,
resultaria brutal intromissão do
Estado no direito subjetivo a uma
troca de afetos e satisfação de
desejos tão in natura que o poeta-
cantor Caetano Velloso bem traduziu
                                       25
na metafórica locução “bruta flor
do querer”. E em terceiro lugar, a
âncora normativa do §1º do mesmo
art. 5º da Constituição;
    IV – essa liberdade para dispor
da própria sexualidade insere-se no
rol dos direitos fundamentais do
indivíduo,   expressão    que  é   de
autonomia    de    vontade,    direta
emanação do princípio da dignidade
da pessoa humana e até mesmo
“cláusula pétrea”, nos termos do
inciso IV do §4º do art. 60 da CF
(cláusula que abrange “os direitos
e garantias individuais” de berço
diretamente constitucional);
   V – esse mesmo e fundamental
direito de explorar os potenciais
da própria sexualidade tanto é
exercitável no plano da intimidade
(absenteísmo sexual e onanismo)
quanto da privacidade (intercurso
sexual ou coisa que o valha). Pouco
importando, nesta última suposição,
que o parceiro adulto seja do mesmo
sexo, ou não, pois a situação
jurídica em foco é de natureza
potestativa (disponível, portanto)
e de espectro funcional que só pode
correr    parelha    com    a   livre
imaginação      ou     personalíssima
alegria amorosa, que outra coisa
não é senão a entrega do ser humano
às   suas   próprias   fantasias   ou
expectativas    erótico-afetivas.   A
sós, ou em parceria, renove-se o
juízo. É como dizer: se o corpo se
                                    26
divide em partes, tanto quanto a
alma se divide em princípios, o
Direito só tem uma coisa a fazer:
tutelar a voluntária mescla de tais
partes e princípios numa amorosa
unidade.    Que    termina   sendo    a
própria simbiose do corpo e da alma
de   pessoas    que   apenas   desejam
conciliar pelo modo mais solto e
orgânico possível sua dualidade
personativa em um sólido conjunto,
experimentando     aquela    nirvânica
aritmética amorosa que Jean-Paul
Sartre sintetizou na fórmula de
que: na matemática do amor,          um
mais um... é igual a um;
   VI – enfim, assim como não se
pode separar as pessoas naturais do
sistema de órgãos que lhes timbra a
anatomia e funcionalidade sexuais,
também não se pode excluir do
direito à intimidade e à vida
privada dos indivíduos a dimensão
sexual do seu telúrico existir.
Dimensão que, de tão natural e até
mesmo instintiva, só pode vir a
lume       assim        por        modo
predominantemente        natural      e
instintivo    mesmo,    respeitada    a
mencionada liberdade do concreto
uso da sexualidade alheia. Salvo se
a nossa Constituição lavrasse no
campo da explícita proibição (o que
seria   tão    obscurantista     quanto
factualmente      inútil),    ou     do
levantamento de diques para o fluir
da sexuada imaginação das pessoas
                                      27
         (o     que      também       seria     tão
         empiricamente        ineficaz       quanto
         ingênuo     até,      pra     não    dizer
         ridículo). Despautério a que não se
         permitiu a nossa Lei das Leis. Por
         conseqüência, homens e mulheres: a)
         não podem ser discriminados em
         função do sexo com que nasceram; b)
         também não podem ser alvo de
         discriminação pelo empírico uso que
         vierem     a     fazer      da     própria
         sexualidade; c) mais que isso, todo
         espécime feminino ou masculino goza
         da fundamental liberdade de dispor
         sobre o respectivo potencial de
         sexualidade,         fazendo-o        como
         expressão do direito à intimidade,
         ou então à privacidade (nunca é
         demais repetir). O que significa o
         óbvio reconhecimento de que todos
         são iguais em razão da espécie
         humana de que façam parte e das
         tendências ou preferências sexuais
         que lhes ditar, com exclusividade,
         a própria natureza, qualificada
         pela                                 nossa
         Constituição      como     autonomia    de
         vontade.      Iguais     para     suportar
         deveres,     ônus    e    obrigações    de
         caráter jurídico-positivo, iguais
         para titularizar direitos, bônus e
         interesses      também      juridicamente
         positivados.
   26. Se é assim, e tratando-se de direitos
clausulados como pétreos (inciso IV do §4º
do artigo constitucional de nº           60), cabe
                                                  28
perguntar se a Constituição Federal sonega
aos parceiros homoafetivos, em estado de
prolongada ou estabilizada união, o mesmo
regime   jurídico-protetivo    que    dela   se
desprende    para    favorecer     os    casais
heteroafetivos em situação de voluntário
enlace    igualmente     caracterizado     pela
estabilidade.   Que, no fundo, é o móvel da
propositura das duas ações constitucionais
sub judice.
   27. Bem, para responder a essa decisiva
pergunta, impossível deixar de começar pela
análise do capítulo constitucional que tem
como seu englobado conteúdo, justamente, as
figuras jurídicas da família, do casamento
civil, da união estável, do planejamento
familiar e da adoção. É o capítulo de nº
VII, integrativo do título constitucional
versante sobre a “Ordem Social” (Título
VIII). Capítulo nitidamente protetivo dos
cinco mencionados institutos, porém com
ênfase para a família, de logo aquinhoada
com a cláusula expressa da especial proteção
do Estado, verbis: “A família, base da
sociedade, tem especial proteção do Estado”
(caput do ar. 226). Em seqüência é que a
nossa   Lei    Maior    aporta    consigo    os
dispositivos que mais de perto interessam ao
equacionamento das questões de que tratam as
duas ações sob julgamento, que são os
seguintes: a) “O casamento é civil e
gratuita a sua celebração” (§1º); b) ”O
casamento religioso tem efeito civil, nos
termos da lei” (§2º); c) “Para efeito de
proteção do Estado, é reconhecida a união
estável entre o homem e a mulher como
                                              29
entidade familiar, devendo a lei facilitar a
sua conversão em casamento” (§3º); d)
“Entende-se, também, como entidade familiar
a comunidade formada por qualquer dos pais e
seus descendentes” (§4º); e) “Os direitos e
deveres referentes à sociedade conjugal são
exercidos igualmente pelo homem e pela
mulher” (§5º); f) “O casamento civil pode
ser dissolvido pelo divórcio” (§6º); g)
“Fundado nos princípios da dignidade da
pessoa humana e da paternidade responsável,
o planejamento familiar é livre decisão do
casal,   competindo   ao   Estado   propiciar
recursos educacionais e científicos para o
exercício desse direito, vedada qualquer
forma coercitiva por parte de instituições
oficiais ou privadas” (§7º); h) “O Estado
assegurará a assistência à família na pessoa
de cada um dos que a integram, criando
mecanismos para coibir a violência no âmbito
de suas relações” (§8º);    i)”A adoção será
assistida pelo poder público, na forma da
lei, que estabelecerá casos e condições de
sua efetivação por parte de estrangeiros”
(§5º do art. 227); j) “Os filhos, havidos ou
não da relação do casamento, ou por adoção,
terão os mesmos direitos e qualificações,
proibidas        quaisquer        designações
discriminatórias relativas à filiação” (§6º
do art. 227).
   28. De toda essa estrutura de linguagem
prescritiva   (“textos   normativos”,   diria
Friedrich Müller), salta à evidência que a
parte mais importante é a própria cabeça do
art. 226, alusiva à instituição da família,
pois somente ela − insista-se na observação
                                            30
- é que foi contemplada com a referida
cláusula da especial proteção estatal. Mas
família em seu coloquial ou proverbial
significado   de    núcleo    doméstico,    pouco
importando   se    formal    ou    informalmente
constituída, ou se integrada por casais
heterossexuais ou por pessoas assumidamente
homoafetivas.    Logo,    família     como   fato
cultural e espiritual ao mesmo tempo (não
necessariamente como fato biológico). Tanto
assim que referida como parâmetro de fixação
do salário mínimo de âmbito nacional (inciso
IV do art. 7º) e como específica parcela da
remuneração     habitual      do      trabalhador
(“salário-família”,      mais      precisamente,
consoante o inciso XII do mesmo art. 5º),
sem que o Magno Texto Federal a subordinasse
a outro requisito de formação que não a
faticidade em si da sua realidade como
autonomizado conjunto      doméstico. O mesmo
acontecendo     com     outros      dispositivos
constitucionais, de que servem de amostra os
incisos XXVI, LXII e LXIII do art. 5º;
art.191; inciso IV e §12 do art. 201; art.
203; art. 205 e inciso IV do art. 221, nos
quais permanece a invariável diretriz do
não-atrelamento da formação da família a
casais   heteroafetivos      nem    a    qualquer
formalidade cartorária, celebração civil ou
liturgia religiosa; vale dizer, em todos
esses preceitos a Constituição limita o seu
discurso ao reconhecimento da família como
instituição privada que, voluntariamente
constituída entre pessoas adultas, mantém
com o Estado e a sociedade civil uma
necessária relação tricotômica. Sem embargo
de, num solitário parágrafo §1º do art. 183,
referir-se à dicotomia básica do homem e da
                                                31
mulher, mas, ainda assim: a)como forma
especial    de   equiparação     da   importância
jurídica do respectivo labor masculino e
feminino; b) como resposta normativa ao fato
de que, não raro, o marido ou companheiro
abandona o lar e com mais facilidade se
predispõe a negociar seu título de domínio
ou de concessão de uso daquele bem imóvel
até então ocupado pelo casal. Base de
inspiração ou vetores que já obedecem a um
outro tipo de serviência a valores que não
se      hierarquizam       em       função      da
heteroafetividade ou da homoafetividade das
pessoas.
    29.    Deveras,    mais    que   um    singelo
instituto de Direito em sentido objetivo, a
família é uma complexa instituição social em
sentido subjetivo. Logo, um aparelho, uma
entidade, um organismo, uma estrutura das
mais permanentes relações intersubjetivas,
um aparato de poder, enfim. Poder doméstico,
por evidente, mas no sentido de centro
subjetivado     da    mais    próxima,     íntima,
natural, imediata, carinhosa, confiável e
prolongada forma de agregação humana. Tão
insimilar    a    qualquer    outra    forma    de
agrupamento humano quanto a pessoa natural
perante outra, na sua elementar função de
primeiro e insubstituível elo entre o
indivíduo e a sociedade. Ambiente primaz,
acresça-se, de uma convivência empiricamente
instaurada por iniciativa de pessoas que se
vêem   tomadas     da   mais    qualificada    das
empatias, porque envolta numa atmosfera de
afetividade,        aconchego       habitacional,
concreta     admiração     ético-espiritual      e
propósito         de        felicidade         tão
                                                 32
emparceiradamente      experimentada      quanto
distendida no tempo e à vista de todos. Tudo
isso permeado da franca possibilidade de
extensão   desse    estado   personalizado    de
coisas a outros membros desse mesmo núcleo
doméstico, de que servem de amostra os
filhos (consangüíneos ou não), avós, netos,
sobrinhos e irmãos. Até porque esse núcleo
familiar é o principal lócus de concreção
dos direitos fundamentais que a própria
Constituição designa por “intimidade e vida
privada” (inciso X do art. 5º), além de, já
numa dimensão de moradia, se constituir no
asilo “inviolável do indivíduo”, consoante
dicção do inciso XI desse mesmo artigo
constitucional.     O    que    responde    pela
transformação     de    anônimas     casas    em
personalizados lares, sem o que não se tem
um igualmente personalizado pedaço de chão
no mundo. E sendo assim a mais natural das
coletividades    humanas    ou   o   apogeu   da
integração comunitária, a família teria
mesmo    que   receber     a    mais    dilatada
conceituação jurídica e a mais extensa rede
de proteção constitucional. Em rigor, uma
palavra-gênero, insuscetível de antecipado
fechamento conceitual das espécies em que
pode culturalmente se desdobrar.
   30. Daqui se desata a nítida compreensão
de que a família é, por natureza ou no plano
dos fatos, vocacionalmente amorosa, parental
e   protetora    dos    respectivos     membros,
constituindo-se, no espaço ideal das mais
duradouras,     afetivas,      solidárias     ou
espiritualizadas relações humanas de índole
privada. O que a credencia como base da
                                               33
sociedade, pois também a sociedade se deseja
assim    estável,     afetiva,     solidária    e
espiritualmente estruturada (não sendo por
outra razão que Rui Barbosa definia a
família como “a Pátria amplificada”).         Que
termina sendo o alcance de uma forma
superior     de     vida    coletiva,      porque
especialmente inclinada para o crescimento
espiritual    dos    respectivos    integrantes.
Integrantes humanos em concreto estado de
comunhão     de     interesses,      valores    e
consciência da partilha de um mesmo destino
histórico. Vida em comunidade, portanto,
sabido    que    comunidade    vem    de   “comum
unidade”. E como toda comunidade, tanto a
família como a sociedade civil são usinas de
comportamentos          assecuratórios         da
sobrevivência, equilíbrio e evolução do Todo
e de cada uma de suas partes. Espécie de
locomotiva social ou cadinho em que se
tempera    o    próprio    caráter     dos   seus
individualizados membros e se chega à serena
compreensão de que ali é verdadeiramente o
espaço do mais entranhado afeto e desatada
cooperação. Afinal, é no regaço da família
que desabrocham com muito mais viço as
virtudes      subjetivas      da      tolerância,
sacrifício e renúncia, adensadas por um tipo
de    compreensão     que   certamente     esteve
presente na proposição spnozista de que,
“Nas coisas ditas humanas, não há o que
crucificar, ou ridicularizar. Há só o que
compreender”.
   31. Ora bem, é desse anímico e cultural
conceito de família que se orna a cabeça do
art. 226 da Constituição. Donde a sua
                                                34
literal    categorização    com   “base    da
sociedade”. E assim normada como figura
central ou verdadeiro continente para tudo o
mais, ela, família, é que deve servir de
norte para a interpretação dos dispositivos
em que o capítulo VII se desdobra, conforme
transcrição acima feita. Não o inverso.
Artigos que têm por objeto os institutos do
casamento civil, da união estável, do
planejamento familiar, da adoção, etc.,
todos eles somente apreendidos na inteireza
da respectiva compostura e funcionalidade na
medida   em   que   imersos   no   continente
(reitere-se o uso da metáfora) em que a
instituição da família consiste.
   32. E se insistimos na metáfora do
“continente” é porque o núcleo doméstico em
que a família se constitui ainda cumpre
explícitas funções jurídicas do mais alto
relevo individual e coletivo, amplamente
justificadoras da especial proteção estatal
que lhe assegura o citado art. 226. Refiro-
me a preceitos que de logo tenho como
fundamentais   pela   sua   mais   entranhada
serventia para a concreção dos princípios da
cidadania, da dignidade da pessoa humana e
dos valores sociais do trabalho, que são,
respectivamente, os incisos II, III e IV do
art. 1º da CF. Logo, preceitos fundamentais
por reverberação, arrastamento ou reforçada
complementaridade, a saber:
   I – “Art. 205. A educação, direito de
   todos e dever do Estado e da família,
   será promovida e incentivada com a
   colaboração da sociedade, visando ao
                                            35
   pleno desenvolvimento da pessoa, seu
   preparo para o exercício da cidadania e
   sua qualificação para o trabalho”;
   II – “Art. 227. É dever da família, da
   sociedade e do Estado assegurar à criança
   e    ao     adolescente,      com     absoluta
   prioridade, o direito à vida, à saúde, à
   alimentação, à educação, ao lazer, à
   profissionalização,       à     cultura,     à
   dignidade, ao respeito, à liberdade e à
   convivência familiar e comunitária, além
   de colocá-los a salvo de toda forma de
   negligência, discriminação, exploração,
   violência, crueldade e opressão”;
   III – “Art. 230. A família, a sociedade e
   o Estado têm o dever de amparar as
   pessoas      idosas,      assegurando      sua
   participação na comunidade, defendendo
   sua dignidade e bem-estar e garantindo-
   lhes o direito à vida” (sem os caracteres
   negritados, no original).
   33. E assim é que, mais uma vez, a
Constituição    Federal    não    faz   a   menor
diferenciação entre a família formalmente
constituída e aquela existente ao rés dos
fatos. Como também não distingue entre a
família    que    se    forma     por    sujeitos
heteroafetivos e a que se constitui por
pessoas de inclinação homoafetiva. Por isso
que,   sem   nenhuma    ginástica     mental   ou
alquimia interpretativa, dá para compreender
que a nossa Magna Carta não emprestou ao
substantivo “família” nenhum significado
ortodoxo ou da própria técnica jurídica.
                                                36
Recolheu-o     com     o     sentido     coloquial
praticamente aberto que sempre portou como
realidade do mundo do ser. Assim como dá
para inferir que, quanto maior o número dos
espaços      doméstica        e      autonomamente
estruturados,    maior     a    possibilidade    de
efetiva colaboração entre esses núcleos
familiares, o Estado e a sociedade, na
perspectiva do cumprimento de conjugados
deveres   que    são    funções     essenciais    à
plenificação da cidadania, da dignidade da
pessoa humana e dos valores sociais do
trabalho. Isso numa projeção exógena ou
extra-muros          domésticos,            porque,
endogenamente     ou    interna     corporis,    os
beneficiários imediatos dessa multiplicação
de   unidades     familiares       são   os    seus
originários      formadores,         parentes     e
agregados. Incluído nestas duas últimas
categorias dos parentes e agregados o
contingente das crianças, dos adolescentes e
dos    idosos.     Também       eles,    crianças,
adolescentes e idosos, tanto mais protegidos
quanto partícipes dessa vida em comunhão que
é, por natureza, a família. Sabido que lugar
de   crianças      e     adolescentes      não    é
propriamente o orfanato, menos ainda a rua,
a sarjeta, ou os guetos da prostituição
infantil e do consumo de entorpecentes e
drogas afins. Tanto quanto o espaço de vida
ideal para os idosos não são os albergues ou
asilos públicos, muito menos o relento ou os
bancos de jardim em que levas e levas de
seres humanos despejam suas últimas sobras
de gente. mas o comunitário ambiente da
própria família. Tudo conforme os expressos
dizeres    dos    artigos      227     e  229    da
Constituição, este último alusivo às pessoas
                                                  37
idosas, e, aquele, pertinente às crianças e
aos adolescentes.
   34. Assim interpretando por forma não-
reducionista o conceito de família, penso
que este STF fará o que lhe compete: manter
a Constituição na posse do seu fundamental
atributo da coerência, pois o conceito
contrário implicaria forçar o nosso Magno
Texto a incorrer, ele mesmo, em discurso
indisfarçavelmente       preconceituoso     ou
homofóbico. Quando o certo − data vênia de
opinião divergente - é extrair do sistema de
comandos   da   Constituição    os  encadeados
juízos que precedentemente verbalizamos,
agora arrematados com a proposição de que a
isonomia entre casais        heteroafetivos e
pares homoafetivos somente ganha plenitude
de sentido se desembocar no igual direito
subjetivo à formação de uma autonomizada
família. Entendida esta, no âmbito das duas
tipologias de sujeitos jurídicos, como um
núcleo doméstico independente de qualquer
outro e constituído, em regra, com as mesmas
notas factuais da visibilidade, continuidade
e durabilidade. Pena de se consagrar uma
liberdade    homoafetiva    pela   metade   ou
condenada a encontros tão ocasionais quanto
clandestinos ou subterrâneos. Uma canhestra
liberdade “mais ou menos”, para lembrar um
poema alegadamente psicografado pelo tão
prestigiado médium brasileiro Chico Xavier,
hoje falecido, que, iniciando pelos versos
de que “A gente pode morar numa casa mais ou
menos,/Numa rua mais ou menos,/ Numa cidade
mais ou menos”/ E até ter um governo mais ou
menos”, assim conclui a sua lúcida mensagem:
                                             38
“O que a gente não pode mesmo,/ Nunca, de
jeito nenhum,/ É amar mais ou menos,/ É
sonhar mais ou menos,/ É ser amigo mais ou
menos,/ (...) Senão a gente corre o risco de
se tornar uma pessoa mais ou menos”.
   35. Passemos, então, a partir desse
contexto normativo da família como base da
sociedade e entidade credora da especial
tutela do Estado, à interpretação de cada
qual dos institutos em que se desdobra esse
emblemático   art.   226   da    Constituição.
Institutos que principiam pelo casamento
civil, a saber:
    I – “O casamento é civil e gratuita a
   celebração”. Dando-se que “O casamento
   religioso tem efeito civil, nos termos da
   lei” (§§1º e 2º). Com o que essa figura
   do   casamento   perante    o    Juiz,   ou
   religiosamente   celebrado     com   efeito
   civil, comparece como uma das modalidades
   de constituição da família. Não a única
   forma, como, agora sim, acontecia na
   Constituição de 1967, literis: “A família
   é constituída pelo casamento e terá
   direito à proteção dos Poderes Públicos”
   (caput do art. 175, já considerada a
   Emenda Constitucional nº1, de 1969). É
   deduzir: se, na Carta Política vencida,
   toda a ênfase protetiva era para o
   casamento, visto que ele açambarcava a
   família   como    entidade,     agora,   na
   Constituição vencedora, a ênfase tutelar
   se desloca para a instituição da família
                                             39
       mesma. Família que pode prosseguir, se
       houver descendentes ou então agregados,
       com a eventual dissolução do casamento
       (vai-se o casamento, fica a família). Um
       liame já não umbilical como o que
       prevalecia na velha ordem constitucional,
       sobre a qual foi jogada, em hora mais que
       ansiada, a última pá de cal. Sem embargo
       do reconhecimento de que essa primeira
       referência ao casamento de papel passado
       traduza uma homenagem da nossa Lei
       Fundamental de 1988 à tradição. Melhor
       dizendo,                homenagem               a      uma         tradição
       ocidental                de        maior         prestígio              socio-
       cultural-religioso                           a     um       modelo             de
       matrimônio que ocorre à vista de todos,
       com pompa e circunstância e revelador de
       um pacto afetivo que se deseja tão
       publicamente conhecido que celebrado ante
       o juiz, ou o sacerdote juridicamente
       habilitado, e sob o testemunho igualmente
       formal de pessoas da sociedade. Logo, um
       pacto               formalmente                   predisposto                    à
       perdurabilidade e deflagrador de tão
       conhecidos quanto inquestionáveis efeitos
       jurídicos de monta, como, por exemplo, a
       definição do regime de bens do casal, sua
       submissão                 a      determinadas                regras            de
       direito              sucessório,                pressuposição                  de
                                                                                   9
       paternidade na fluência do matrimônio e
     9
       “Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
     I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência
conjugal;
     II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por
morte, separação judicial, nulidade e anulação do casa
     (...)”
                                                                                       40
mudança do estado civil dos contraentes,
que   de    solteiros    ou    viúvos    passam
automaticamente à condição de casados. A
justificar, portanto, essas primeiras
referências que a ele, casamento civil,
faz   a    nossa   Constituição     nos    dois
parágrafos em causa (§§1º e 2º do art.
226); ou seja, nada mais natural que
prestigiar por primeiro uma forma de
constituição da família que se apresenta
com as vestes da mais ampla notoriedade e
promessa    igualmente    pública     de   todo
empenho    pela   continuidade     do    enlace
afetivo, pois, ao fim e ao cabo, esse
tipo de prestígio constitucional redunda
em benefício da estabilidade da própria
família. O continente que não se exaure
em nenhum dos seus conteúdos, inclusive
esse do casamento civil;
 II – com efeito, após falar do casamento
civil como uma das formas de constituição
da família, a nossa Lei Maior adiciona ao
seu art. 226 um §3º para cuidar de uma
nova    modalidade    de    formação    de   um
autonomizado núcleo doméstico, por ela
batizado de “entidade familiar”. É o
núcleo doméstico que se constitui pela
“união estável entre o homem e a mulher,
devendo a lei facilitar sua conversão em
casamento”. Donde a necessidade de se
aclarar:
     II.1.    -  que    essa    referência    à
     dualidade básica homem/mulher tem
     uma lógica inicial: dar imediata
     seqüência         àquela          vertente
                                              41
constitucional     de    incentivo    ao
casamento como forma de reverência
à tradição sócio-cultural-religiosa
do mundo ocidental de que o Brasil
faz parte (§1º do art. 226 da CF),
sabido    que   o     casamento    civil
brasileiro tem sido protagonizado
por pessoas de sexos diferentes, até
hoje.    Casamento      civil,    aliás,
regrado pela Constituição Federal
sem    a    menor      referência    aos
substantivos “homem” e “mulher”;
II.2. que a normação desse novo tipo
de    união,    agora      expressamente
referida à dualidade do homem e da
mulher, também se deve ao propósito
constitucional de não perder a menor
oportunidade de estabelecer relações
jurídicas     horizontais      ou    sem
hierarquia entre as duas tipologias
do gênero humano, sabido que a
mulher que se une ao homem em regime
de   companheirismo     ou   sem   papel
passado     ainda     é     vítima    de
comentários desairosos de sua honra
objetiva, tal a renitência desse
ranço do patriarcalismo entre nós
(não se pode esquecer que até 1962,
a     mulher      era      juridicamente
categorizada     como      relativamente
incapaz, para os atos da vida civil,
nos termos da redação original do
art. 6º do Código Civil de 1916);
tanto é assim que o §4º desse mesmo
art. 226 (antecipo o comentário)
reza que “Os direitos e deveres
referentes à sociedade conjugal são
                                       42
exercidos igualmente pelo homem e
pela mulher”. Preceito, este último,
que relança o discurso do inciso I
do art. 5º da Constituição (“homens
e mulheres são iguais em direitos e
obrigações”)     para     atuar    como
estratégia de reforço normativo a um
mais    eficiente     combate    àquela
renitência   patriarcal    dos   nossos
costumes. Só e só, pois esse combate
mais   eficaz   ao    preconceito   que
teimosamente       persiste        para
inferiorizar a mulher perante o
homem   é   uma   espécie    de   briga
particular ou bandeira de luta que a
nossa Constituição desfralda numa
outra esfera de arejamento mental da
vida brasileira, nada tendo a ver
com a dicotomia da heteroafetividade
e da homoafetividade. Logo, que não
se faça uso da letra da Constituição
para matar o seu espírito, no fluxo
de uma postura interpretativa que
faz ressuscitar o mencionado caput
do art. 175 da Constituição de
1967/69. Ou como diz Sérgio da Silva
Mendes, que não se separe por um
parágrafo (esse de nº 3) o que a
vida uniu pelo afeto. Numa nova
metáfora, não se pode fazer rolar a
cabeça do artigo 226 no patíbulo do
seu parágrafo terceiro;
 II.3.     que      a      terminologia
“entidade familiar” não significa
algo diferente de “família”, pois
não há hierarquia ou diferença de
qualidade jurídica entre as duas
                                      43
formas de constituição de um novo
núcleo doméstico. Estou a dizer: a
expressão “entidade familiar” não
foi usada para designar um tipo
inferior     de    unidade      doméstica,
porque apenas a meio caminho da
família que se forma pelo casamento
civil. Não foi e não é isso, pois
inexiste essa figura da sub-família,
família de segunda classe ou família
“mais ou menos” (relembrando o poema
de Chico Xavier). O fraseado apenas
foi usado como sinônimo perfeito de
família, que é um organismo, um
aparelho, uma entidade, embora sem
personalidade        jurídica.       Logo,
diferentemente do casamento ou da
própria união estável, a família não
se define como simples instituto ou
figura    de     direito     em    sentido
meramente     objetivo.      Essas    duas
objetivas figuras de direito que são
o casamento civil e a união estável
é que se distinguem mutuamente, mas
o resultado a que chegam é idêntico:
uma nova família, ou, se se prefere,
Uma nova “entidade familiar”, seja a
constituída por pares homoafetivos,
seja    a      formada      por     casais
heteroafetivos.       Afinal,      se    a
família, como entidade que é, não se
inclui    no     rol    das     “entidades
associativas” (inciso XXI do art. 5º
da   CF),     nem    se   constitui     em
“entidade de classe” (alínea b do
inciso   XXI    do    mesmo    art.   5º),
“entidades     governamentais”      (ainda
esse art. 5º, alínea A do inciso
                                         44
LXXII),      “entidades      sindicais”
(alínea c do inciso III do art.
150),   “entidades    beneficentes   de
assistência social” (§7º do art.
195), “entidades filantrópicas” (§1º
do art. 199), ou em nenhuma outra
tipologia    de    entidades    a   que
abundantemente se reporta a nossa
Constituição, ela, família, só pode
ser uma “entidade ... familiar”. Que
outra entidade lhe restaria para
ser? Em rigor, trata-se da mesma
técnica redacional que a nossa Lei
das Leis usou, por exemplo, para
chamar de “entidades autárquicas”
(inciso I do §1º do art. 144) as
suas “autarquias” (§3º do art. 202).
Assim   como    chamou   de   “entidade
federativa” §11 do art. 100) cada
personalizada unidade política da
nossa “Federação” (inciso II do art.
34). E nunca apareceu ninguém, nem
certamente     vai    aparecer,    para
sustentar a tese de que “entidade
autárquica” não é “autarquia”, nem
“entidade     federativa”     é    algo
diferente de “Federação”. Por que
entidade familiar não é família? E
família   por    inteiro    (não   pela
metade)?
II.4. que as diferenças nodulares
entre “união estável” e “casamento
civil”   já   são    antecipadas   pela
própria   Constituição,     como,   por
ilustração, a submissão da união
estável à prova dessa estabilidade
(que só pode ser um requisito de
                                      45
natureza temporal), exigência que
não é feita para o casamento. Ou
quando a Constituição cuida da forma
de dissolução do casamento civil
(divórcio),     deixando     de   fazê-lo
quanto à união estável (§6º do art.
226). Mas tanto numa quanto noutra
modalidade de legítima constituição
da família, nenhuma referência é
feita     à      interdição,      ou    à
possibilidade,de protagonização por
pessoas do mesmo sexo. Desde que
preenchidas, também por evidente, as
condições legalmente impostas aos
casais heteroafetivos. Inteligência
que se robustece com a proposição de
que não se proíbe nada a ninguém
senão em face de um direito ou de
proteção de um interesse de outrem.
E   já   vimos     que   a    contraparte
específica ou o focado contraponto
jurídico dos sujeitos homoafetivos
só    podem      ser    os     indivíduos
heteroafetivos, e o fato é que a
tais   indivíduos      não    assiste   o
direito à não-equiparação jurídica
com os primeiros. Visto que sua
heteroafetividade em si não os torna
superiores em nada. Não os beneficia
com a titularidade exclusiva do
direito    à    constituição     de   uma
família.     Aqui,    o    reino    é  da
igualdade pura e simples, pois não
se pode alegar que os heteroafetivos
perdem se os homoafetivos ganham. E
quanto à sociedade como um todo, sua
estruturação é de se dar, já o
dissemos,        com       fincas      na
                                        46
    fraternidade, no pluralismo e na
    proibição do preconceito, conforme
    os expressos dizeres do preâmbulo da
    nossa Constituição.
III – salto para o §4º do art. 226,
apenas para dar conta de que a família
também se forma por uma terceira e
expressa    modalidade,     traduzida    na
concreta existência de uma “comunidade
formada por qualquer dos pais e seus
descendentes”.   É   o   que    a  doutrina
entende por “família monoparental”, sem
que se possa fazer em seu desfavor,
pontuo,       qualquer        inferiorizada
comparação com o casamento civil ou
união estável. Basta pensar no absurdo
que seria uma mulher casada enviuvar e
manter consigo um ou mais filhos do
antigo   casal,   passando     a  ter   que
suportar o rebaixamento da sua família à
condição de “entidade familiar”; ou
seja, além de perder o marido, essa
mulher perderia o status de membro de
uma consolidada família. Sua nova e
rebaixada posição seria de membro de uma
simplória “entidade familiar”, porque
sua antiga família morreria com seu
antigo marido. Baixaria ao túmulo com
ele. De todo modo, também aqui a
Constituição é apenas enunciativa no seu
comando, nunca taxativa, pois não se
pode recusar a condição de família
monoparental   àquela   constituída,    por
exemplo, por qualquer dos avós e um ou
mais netos, ou até mesmo por tios e
sobrinhos. Como não se pode pré-excluir
                                          47
da adoção ativa pessoas de qualquer
preferência     sexual,    sozinhas     ou   em
regime de emparceiramento.
     36.    Por    último,     anoto    que   a
Constituição Federal remete à lei a
incumbência       de     dispor     sobre     a
assistência do Poder Público à adoção,
inclusive pelo estabelecimento de casos
e   condições     da   sua    (dela,    adoção)
efetivação por parte de estrangeiros
(§5º do art. 227); E também nessa parte
do   seu   estoque     normativo     não   abre
distinção     entre    adotante    “homo”    ou
“heteroafetivo”. E como possibilita a
adoção por uma só pessoa adulta, também
sem distinguir entre o adotante solteiro
e o adotante casado, ou então em regime
de união estável, penso aplicar-se ao
tema o mesmo raciocínio de proibição do
preconceito e da regra do inciso II do
art. 5º da CF, combinadamente com o
inciso IV do art. 3º e o §1º do art. 5º
da Constituição. Mas é óbvio que o
mencionado regime legal há de observar,
entre    outras     medidas    de   defesa    e
proteção do adotando, todo o conteúdo do
art.    227,     cabeça,     da    nossa    Lei
Fundamental.
     37. Dando por suficiente a presente
análise    da    Constituição,     julgo,    em
caráter        preliminar,        parcialmente
prejudicada a ADPF nº 132-RJ, e, na
parte remanescente, dela conheço como
ação direta de inconstitucionalidade. No
mérito, julgo procedentes as duas ações
em causa. Pelo que dou ao art. 1.723 do
                                              48
Código Civil interpretação conforme à
Constituição para dele excluir qualquer
significado que impeça o reconhecimento
da união contínua, pública e duradoura
entre   pessoas   do  mesmo   sexo   como
“entidade familiar”, entendida esta como
sinônimo     perfeito   de     “família”.
Reconhecimento   que  é   de  ser   feito
segundo as mesmas regras e com as mesmas
conseqüências     da    união     estável
heteroafetiva.
    É como voto.
                                        49


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