Comentei
no Twitter que, em quatro séculos, as maiores evoluções dos ruralistas são o uso da motosserra, da espingarda calibre 12 e da caminhonetes 4×4 em vez do machado, do bacamarte e da liteira.
A isso podemos somar outros tantos sinais da “modernização” da grande burguesia agrária no Brasil, mas nada mudou em relação às suas práticas.
Há quatro séculos os senhores da Casa Grande tiravam seus lucros do Plantation, sistema baseado nas monoculturas de exportação.
Hoje os agroboys desfilam em reluzentes carros importados, mas obtêm seus ganhos exatamente da mesma forma de 400 anos atrás: monoculturas de exportação às custas de um tripé interligado entre si: trabalho escravo, semi-escravo ou de remuneração miserável; devastação ambiental em larga escala, ao arrepio da legislação; e usurpação da terra valendo-se da violência no campo (seja nos rincões do Pará ou na periferia de Ribeirão Preto, a “Califórnia brasileira”) contra quem não aceita servir de engrenagem para esse sistema.
Tais práticas são apenas as consequências práticas do caráter da classe.
No presente, eles ainda possuem isenção de impostos e podem se dar ao luxo de aplicar calote em cima de calote nos cofres públicos.
— A primeira coisa que eu faço quando recebo o dinhêro é separá o da prestação. Mas o dotô recebe o dele e a primeira coisa que faz é comprá camioneta importada e mandá os fio estudá no istrangeiro.
O relato acima é de um agricultor familiar do interior de Goiás. Pobre, porém digno e decente. Talvez, se fosse “esperto”, como os seus vizinhos que vez por outra levantam a poeira na estrada em frente à sua casa, fosse rico embora devedor de dívidas para as quais sempre se dá um jeito de fazer uma “renegociação”, nome que os ruralistas usam para se referir aos calotes.
Ontem, na noite/madrugada em que alcançaram mais uma vitória histórica na longa trajetória de dobrar o Estado aos seus interesses, os ruralistas deram duas lições de conceitos básicos da política.
No plenário da Câmara que votava o novo Código Florestal, uma maioria folgada dentre 513 parlamentares aprovou uma proposta — a emenda 164, que a presidenta Dilma, segundo o deputado Cândido Vaccarezza, considera “uma vergonha” (e eu assino embaixo) — que faria os donatários das capitanias hereditárias sentirem profundo orgulho.
Na galeria e no plenário, ruralistas foram maioria. (Foto: JBatista/Agência Câmara)
A emenda da vergonha deveria trazer em seu caput: “a terra é nossa e fazemos com ela o que quisermos, na hora que quisermos, do jeito que quisermos”. Seria mais sincero.
Além da anistia aos desmatadores, a proposta transfere aos estados a competência de legislar sobre questões fundamentais para a proteção ambiental. Para quem tem como prática usual o suborno (ou a compra mesmo) de “autoridades” do poder público, é muito mais fácil enfrentar o poder de fiscalização menor, em âmbito estadual/municipal, do que se arriscar com órgãos federais que — ainda muito devagar, registre-se — têm avançado no cumprimento do seu papel fiscalizador.
Para os senhores de escravos modernos, ambientalistas não passam de “almofadinhas” (como disse um deputado na tribuna da Câmara, com a baba escorrendo pelos cantos da boca) que querem “entregar as riquezas” do Brasil aos países ricos, uma tese tão estúpida e surreal quanto a mentira** que coloca os grandes produtores como responsáveis pela comida que chega à nossa mesa.
Nesse contexto, uma das coisas mais tristes e bizarras foi ver gente como Paulo Henrique Amorim — o blogueiro apoiador de boas causas, inclusive do MST, de maior audiência do Brasil — aderir a essa tese pseudonacionalista e germinada no seio de grupos ultraconservadores que consideram os seus interesses como os interesses do País. As lições
Em plenário, arena de disputa no âmbito do Estado, os ruralistas ilustraram muito bem o significado do conceito (de base marxista) de correlação de forças. Base do governo? Centro-esquerda? Nada disso. Na hora em que interesses verdadeiramente de classe estão em jogo, prevalecem os vínculos de classe.
Entretanto, não foi só isso. Nas galerias, lugar reservado ao público, à sociedade civil, a maior parte das cadeiras estava ocupada por va$$aloshegemonia do pensamento conservador não apenas no debate ambiental, mas no conjunto de grandes questões em discussão. Que o digam os defensores (entre os quais me incluo) da aprovação do PLC-122, que torna crime a homofobia. apoiadores dos ruralistas. Ainda que argumentem sobre o dinheiro da CNA/UDR, a situação foi simbólica para representar a
Estas lições oferecidas pelo episódio Código Florestal são para todos. Especialmente para aqueles que, embora imbuídos das melhores intenções e dos mais nobres objetivos, descolam-se da realidade para sentar na cômoda poltrona da crítica generalizada, que constrói pouco, mas serve para deixar a própria consciência leve.
Sobre o deputado Aldo Rebelo (PCdoB), repito apenas o também já registrei no Twitter: ver um comunista tratado como herói e carregado nos braços dos ruralistas, a pior escória que existe nesse país, me lembra um ditado popular já usado por Eduardo Galeano: “o poder é como o violino: pega-se com a esquerda, mas toca-se com a direita”.
Enfim, como já disse o André Deak num texto que distribuíamos aos calouros de Comunicação da UFMA na minha época de movimento estudantil: “o barquinho segue”.
Rogério Tomaz Jr.
Brasília, 25 de maio de 2011.
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*A Comissão Pastoral da Terra (CPT), órgão da CNBB, acompanha e analisa há várias décadas a violência no meio rural e produz anualmente o relatório Conflitos no Campo. Só no Pará, mais de 900 líderes ou militantes populares foram assassinados nos últimos trinta anos. Anteontem, outros dois foram vítimas da solução tradicional dos ruralistas, desde o século XVI. Leia aqui sobre o assassinato de José Cláudio Ribeiro da Silva e sua esposa, Maria do Espírito Santo, executados em Nova Ipixuna, sudeste do Pará, por pistoleiros indubitavelmente a serviços de grandes latifundiários do estado.
Diante da consumação do massacre da motosserra na Câmara, Paulo Adário (Greenpeace) disse no Twitter, ontem à noite: “Brasil acordou hoje com assassinato de + dois líderes extrativistas no Pará e foi dormir com assassinato do Código Florestal.”
**Ao contrário do que diz a turma do Aldo e da Kátia Abreu, mais de 2/3 dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros são produzidos pela agricultura familiar. Duvida? Então informe-se. Deixo, por exemplo, uma notícia da Agência Sebrae:
Agricultura familiar responde por 70% dos alimentos do país
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