29/01/2010 - 1h20
Com um discurso de repúdio a qualquer forma de discriminação, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, participou na noite dessa sexta-feira, em São Paulo, da cerimônia de entrega do prêmio “Vidas em Crônica”, concurso literário que selecionou histórias de travestis e transgêneros que convivem com problemas relacionados à aids. Padilha disse que enquanto chefiar a pasta da saúde terá como meta o cumprimento da carta de compromissos contra a aids, preparada pela sociedade civil organizada.|BR>
Elaborada pelo Fórum de organização não governamentais ligadas ao co-bate desse epidemia no Estado de São Paulo no ano passado, a carta exige da presidenta a regularização das compras de emergência de medicamentos antirretrovirais para prevenir eventuais falta de remédios; investimento na indústria farmacêutica nacional; diminuição no número de mortes por aids no País (11 mil por ano); entre outras ações (Saiba mais aqui). “Essa é a palavra da presidenta Dilma”, reforçou Padilha.
Segundo o ministro, a estabilização da prevalência de HIV no país (cerca de 0,6% dos adultos) não pode ser considerada uma situação favorável. “Ainda temos muitas dificuldades para chegar naquelas populações mais vulneráveis”, lamentou.
Citando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidenta Dilma Rousseff, como exemplos de pessoas que já sofreram estigma, o primeiro por não ter feito faculdade e a segunda por ser a primeira mulher a presidir o Brasil, Padilha disse que o atual governo não aceitará preconceitos. “O que faz o ser humano ser menos capaz é ter preconceito”, afirmou.
Acompanhado do Diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatites virais, Dirceu Greco, Padilha premiou com um netbook cada uma das seis travestis vencedoras do “Vidas em Crônica”.
O evento ocorrido na Casa da Rosas teve por objetivo marcar o Dia da Visibilidade Trans (Travestis e Transgêneros), celebrado neste sábado, 29 de janeiro.
Estiveram no ato Keila Simpon, uma das coordenadoras da Articulação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra); Toni Reis, Presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais (ABGLT); Pedro Chequer, Diretor do Programa Conjunto das Nações Unidas para o HIV e Aids (Unaids); Artur Kalichman, coordenador-adjunto do Programa Estadual DST/Aids de São Paulo, Élcio Gagizi, que a partir de fevereiro coordenará o Programa Municipal de DST/Aids de São Paulo, entre outros.
”Vidas em Crônica”
Promovido pelo Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, este concurso está na sua terceira edição, sendo que na primeira, as narrativas abordaram diferentes segmentos da sociedade que vivem com HIV; e na segunda, apenas jovens com essa mesma realidade.
Entre os critérios de seleção, foram avaliados a adequação ao tema, o respeito aos direitos humanos e a criatividade. Leia a seguir um pouco das histórias das vencedoras:
- Beth, 45 anos, Goiânia (GO) – é psicóloga clínica e trabalha no Centro de Referência da Promoção da Igualdade, onde faz atendimento a travestis e transexuais. Trecho da história: “Cheiro do Látex”. “Andar pelas ruas a fazia pensar que não é a prática sexual que caracteriza o preconceito e a discriminação, mas sim, sua aparência e sua transformação do masculino para o feminino”.
- Lyah, 29 anos, Belém (PA) – “A violência e o medo da morte me conduziam a estados de alerta. No entanto, a sensação de invulnerabilidade sexual impedia que eu fosse capaz de me proteger. Saía com vários homens e sentia prazeres diversos. Mas a possibilidade de sentir o prazer pleno resultou na descoberta de minha sorologia positiva”.
- Raíssa, 35 anos, Belém (PA) - “Aos seis anos ingressei na escola, era um novo horizonte. Porém, aos poucos esse encantamento foi se tornando tristeza, pois percebia que meus desejos se voltavam ao sexo oposto e, por isso, passei a sofrer bulling. Diante disso abandonei os estudos”. Raíssa já foi pra São Paulo de carona, se prostituiu, ficou presa no Carandiru. Retornou a Belém, onde se envolveu com a militância e é presidente da Associação das Travestis e Transexuais do Pará.
- Patrícia, 38 anos, Presidente Prudente (SP) - “Com 17 anos fui morar em SP e comecei a me prostituir, ficando nessa vida por pouco tempo, uns 3 anos, lá conheci uma pessoa que dizia ser muito bom e carinhoso e que me daria tudo. Mas ao conviver com ele, no dia a dia, percebi que estava sendo mais uma vítima dele, ele me abusava sexualmente, me agredia fisicamente e verbalmente”. “Ele me mostrou a foto de suas duas filhas pequenas. Continuamos a se ver e se falar e em menos de três meses já estávamos namorando. Desse tempo, conheci a família e as duas filhas dele, antes de termos relação sexual, falamos sobre doenças sexualmente transmissíveis e no decorrer da conversa ele assumiu a doença pra mim – ele é soropositivo. Vivemos juntos a 12 anos, somos uma família feliz”.
- Daniele, 25 anos, Santo André (SP) - “Peguei HIV quando estava presa, me relacionei com um rapaz que era portador há mais de 20 anos. Na cadeia só tem valor quem é homem, a gente que é mulher não serve pra nada. Lá dá muito medo da reação das pessoas, não dá pra gritar, fugir, não tem pra onde correr. Meu medo era que esse rapaz pudesse fazer alguma coisa de ruim pra mim. Então transei sem camisinha. Foi uma vez só, nunca gostei dele”.
“Já fui agredida muitas vezes, tenho o rosto todo deformado. Às vezes junta 4, 5, 6, até 7 homens para agredir a gente, sem a gente fazer nada”.
- Bruna, 35 anos, São José do Rio Preto (SP) - “Quando cheguei, passava das 22 horas e a fome começou a apertar, e o que fazer? Não demorou muito e eu encontrei uma travesti. Neste momento, compreendi que não havia outra opção além da prostituição, algo totalmente novo na minha vida. Meu primeiro programa foi com um senhor que aparentava seus 45 anos. Apesar da sua gentileza, não gostei de ele ter dispensado o uso do preservativo”.
Dia da Visibilidade Trans
Em parceria com o Ministério da Saúde, travestis e transgêneros criaram em 2004 a primeira campanha nacional de prevenção em saúde dessa população. O slogan foi "Travesti e respeito: já está na hora dos dois serem vistos juntos. Em casa. Na boate. Na escola. No trabalho. Na vida".
Desde então, o dia 29 de janeiro passou a ser reconhecido como o Dia da Visibilidade Trans.
Segundo Dirceu Greco, apesar das travestis ser um dos segmentos da sociedade mais vulneráveis à infecção do HIV, não há dados para estimar a soroprevalência nesta população. "Devido ao grande preconceito, o processo de identificação das travestis é muito difícil, mas estamos trabalhando junto com a sociedade civil para que as travestis se emancipem. Com isso, elas estarão mais presentes no sistema de saúde, e, por consequência, conseguiremos contabilzar melhor a prevalência do HIV entre elas", explicou.
Lucas Bonanno
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