A saga de uma mãe em busca do filho desaparecido
O baleiro Fábio Eduardo Santos de Souza passava por baixo da roleta do ônibus ansioso. Tinha combinado de se encontrar com Ana Carla na Festa Junina de Queimados, Baixada Fluminense. Iria curtir a folia mesmo a contragosto da mãe, dona Izildete Silva dos Santos. Já no local, deve ter se sentido constrangido com a abordagem feita pelo policial militar Walter Mario Valim. O PM o insultou e pediu seus documentos.
Fábio, negro, baixa instrução, já estava acostumado com a polícia. Certa vez, ainda criança, andava com a bicicleta que ganhou da mãe, quando PMs o acusaram de tê-la roubado. Izildete teve que buscá-la na delegacia mostrando a nota fiscal.
Sob olhares de todos na festa, Walter e outros três policiais liberaram o rapaz de 20 anos. Ele e o amigo Rodrigo Abílio decidiram ir embora após o sufoco e foram levar Ana Carla e mais uma menina em casa. Sem saber, foram seguidos. Ana e a amiga ficaram no pátio de casa observando eles dobrarem a esquina. Foram testemunhas da nova abordagem dos policiais. Viram os dois serem atirados dentro da Blazer da PM e desaparecerem da favela. Ao saber da notícia, dona Izildete correu para procurar o filho na festa. Desde aquele 9 de junho de 2003 só encontra relatos.
Apesar da queda do número de autos de resistência, os desaparecimentos seguem num patamar estável: são mais de 5.400 por ano, ou 15 diários. Fábio queria entrar para o quartel. Era forte e saudável. Vendia balas pela manhã e à tarde levava o irmão Flávio Jorge, deficiente mental, na escola Abelinha Faceira. À noite estudava, estava na 8ª série. Dona Izildete conta que os policiais que faziam a segurança em Queimados extorquiam drogas das crianças do tráfico. Ela garante que seus filhos não eram envolvidos com o “movimento”. “E como eles estavam sempre sem nada para oferecer à polícia, sobrava pra eles!”, declara indignada.
Izildete procurava um emprego para os filhos. Acreditava que assim conseguiria se livrar das ameaças policiais. Chegou a mandar uma carta para a então governadora do Rio, Rosinha Garotinho.
A mãe de Fábio Eduardo registrou o sumiço dos rapazes na 55ª DP de Queimados. Nos dias após o desaparecimento do filho, Izildete foi à antiga Secretaria Estadual de Direitos Humanos. Um motorista foi deslocado para acompanhá-la aos presídios do Rio de Janeiro atrás do filho. Ela conta que nunca pode descer da viatura. O motorista a levava até uma delegacia, descia do carro, e após alguns minutos voltava. “O delegado disse que não quer receber você”, era o discurso recorrente. A dona de casa também não foi recebida nas delegacias de Nova Iguaçu, Belford Roxo e Morro Agudo.
Izildete retornou sozinha à 55ª DP de Queimados para obter notícias do seu filho com o inspetor Gomes. Teve a seguinte recepção: “vai procurar o seu filho no mato e para de me perturbar”.
Voltou pra casa de mãos vazias. Enquanto cuidava do filho deficiente, uma viatura da PM parou em frente ao portão do seu barraco. “Acho melhor você parar de ir à ao Ministério Público revirar papéis. Como está o doente? É bom cuidar bem dele. Estamos de olho na sua família!”, ameaçou um dos homens.
Na mesma semana do sumiço de Fábio, Izildete recebeu uma resposta do Governo do Estado de que haveria um trabalho para o seu filho. Foi ao Palácio das Laranjeiras revoltada: “agora já é tarde, a polícia desapareceu com o Fábio!” A própria governadora, então, recebeu a mãe desolada e prometeu fazer de tudo para encontrar o menino. No entanto, assim como Fábio, os processos também desapareceram. Rosinha ofereceu o emprego aos seus outros filhos: um cargo de office-boy e ajuda de custo de R$ 320.
Ualisse, à época com 17 anos, aceitou a proposta. Com emprego ou não, ele nunca teve medo das ameaças. Mesmo sabendo que seu irmão sumiu num baile, nunca deixou de ir às festas da comunidade. Numa dessas, a história quase se repetiu. Mesmo trabalhando para o Governo do Estado, o jovem foi abordado por policiais que o levaram para um terreno baldio atrás da Igreja Assembleia de Deus do bairro. Deixaram o garoto nu:
- Fica de joelho, vagabundo. Te escora na viatura e bota a mão na cabeça!
- Por favor, me deixa ir embora, me deixa ir embora! – implorava o rapaz.
- Eu vou fazer com você o mesmo que fiz com seu irmão.
Torturaram Ualisse por mais de meia hora. O rapaz não quis entrar em detalhes. Antes que a violência tomasse maiores proporções, os PMs ouviram um barulho estranho no matagal. Foram averiguar. Nesse momento, o jovem saiu correndo, nu, em direção à casa de um amigo, que o acolheu.
Em 12 de abril de 2004, Dona Izildete solicitou inclusão no PROVITA – Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, através de uma carta enviada ao Secretário de Direitos Humanos do Rio de Janeiro. No mesmo ano, denunciou os desaparecimentos perante os membros do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Em 2005, perante o Ministério Público e à Secretaria de Segurança Pública. No dia 15 de março de 2007, o inquérito policial foi arquivado.
Dia desses, Izildete voltava de metrô para a favela. Conversava com uma desconhecida no banco ao lado. Ela contou a história de Fábio e ouviu um relato parecido. A mulher disse que também teve um filho sequestrado por policiais. Por meses o procurou por presídios do Rio. Foi ao Ministério Público. Ninguém lhe dizia nada. Quatro meses depois, ele apareceu em casa. Fora levado para Minas Gerais, estava trabalhando como escravo num canavial.
Dona Izildete está com 60 anos. Não lembra o nome desta mãe, mas agora a sua maior esperança é que o filho esteja escravizado em alguma fazenda do Brasil.
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