O
texto abaixo retransmitido, em que pese referir-se à Saúde Pública do
Rio de Janeiro, reflete uma triste realidade que, talvez em níveis
diferentes, vem lentamente se alastrando por todo o Brasil, numa espécie
de "metastase ideológica", colocando-nos numa situação de extrema
vulnerabilidade tal o grau de comprometimento dos recursos públicos e
desmonte das estruturas formais do SUS.
Roberto Pereira
ATAQUE AOS FUNDOS DE SAÚDE
José do Vale Pinheiro Feitosa
A manhã do Rio de Janeiro começou silenciosa. O Carioca dorme em razão
do atravessar das horas da noite passada em volta da Ceia de Natal. O
dia 25 de dezembro é um dos mais universais feriados do mundo Ocidental,
assim como o primeiro de janeiro: quase tudo fecha e as ruas ficam
desertas.
E foi nessa paz extraída do silêncio que a guerra se
fez na minha consciência. Há no Brasil um discurso malandro e
interesseiro, envolvendo eficiência dos recursos e meios públicos, que a
título de inovação administrativa, promove iniquidade e serve para
verdadeiros assaltos aos Fundos de Saúde. Promove-se a privatização da
gestão do Sistema Único de Saúde sob o disfarce da coisa pública,
através de Organizações Sociais e outras formas disfarçadas de promover
desigualdades.
Em 1999, primeiro ano do Governo Garotinho, a
Secretaria Estadual de Saúde começou um programa de valorização do
funcionalismo público, convocando os aprovados num concurso, que o
ex-Governador Marcelo Alencar estava deixando caducar, e diante das
despesas com pessoal, dobrou a gratificação dos servidores da saúde. Em
2012, no mês passado, encontrei um médico de renome, aposentado pela
Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, com o salário mensal de
R$ 1.640,37. Menos de três salários mínimos. Era o mesmo salário
decretado por Garotinho há treze anos.
Acontece que a mesma
fonte pagadora, o Estado do Rio de Janeiro, paga a um médico contratado
por via privada em média mais de R$ 5 mil por vinte horas de trabalho,
além dos encargos sociais por ser contrato CLT e da taxa de
administração que é um grande negócio para os amigos do poder. Como o
Governador Sérgio Cabral e o Secretário Sérgio Cortes podem justifica
uma desigualdade dessas? Será que não caberia uma lei de Anistia para os
funcionários estatutários do Rio de Janeiro em face das “torturas”
promovidas pela ditadura da privatização? Quem sabe Sobral Pinto não
precisasse voltar do além e pedir a lei de proteção aos animais para os
torturados funcionários públicos da saúde no Rio de Janeiro?
E
como o principal partido aliado de Sérgio Cabral e Sérgio Cortes, o
maior partido trabalhista do Brasil, o PT, pode aceitar uma situação
dessas? Ela existe, é real e age a cada minuto em pessoas que estão
vivendo esta iniquidade: um profissional concursado experiente tratado
como lixo da história e um jovem profissional, contratado na prática do
“mercado” de seleção e controle profissional no mínimo questionável.
No Governo Federal, em quase todos os Estados e nos Municípios, o
Sistema Único de Saúde se torna cada vez mais em um comprador de
produto. Há uma prática promovida pelo PT, PSDB, PMDB, PSB, PDT, entre
outros partidos, de extinção do funcionalismo público da saúde e uma
entrega, não ingênua, aos organizadores da farsa das Organizações
Sociais. O Ministério da Saúde é um vazio de quadros próprios: não se
faz concurso, quase todos os técnicos têm contratos precários ou através
das mais variadas práticas de disfarce da realidade para não convocar
concurso.
Há efetivamente uma trama em nome da eficiência. Não
se pode nem culpar a guerra contra os Marajás do Collor, pois a saúde
nunca foi terra desta gente, a não ser de forma incidental. Mas a
verdade é que a primeira coisa foi sufocar os quadros da saúde, não os
renovando por concurso público, rebaixando seus salários, denegrindo sua
imagem como corrupto para, depois, começarem a contratação pelas vias
transversas. O passo seguinte foi entregar as compras públicas a setores
privados e agora a menina dos olhos de Ministro e Secretários é nem ter
serviço próprio. Estão cientes de comprar serviços terceirizados sem
que existam quadros e práticas eficientes para regula-los e
controla-los.
Estamos, literalmente, retornando às práticas dos
anos 70 que começaram a destruição do INAMPS e que hoje atacam a Saúde
Suplementar. Uma prática que consiste em existir um grande fundo de
financiamento (público, privado ou coletivo) sendo atacado por inúmeros
agentes predadores de recursos, por venda de mercadorias tecnológicas
cujo objetivo é o lucro e o fetiche da mercadoria. É a festa das grandes
Corporações Multinacionais e a vilania dos profissionais de saúde.
Nessa altura não acredito em ingenuidade de nenhuma autoridade da
saúde, mas sei da perseguição criminosa aos funcionários públicos,
especialmente em seus salários e, portanto, em sua dignidade. O que
chama a atenção é a baixa resistência a essa narrativa dramática por
parte do Ministério Público, Ministério do Trabalho, Justiça do
Trabalho, Sindicatos e Conselhos de Classe. Em relação às entidades de
classe até entendo a contradição, quem ganha três ou quatro vezes mais
não pretende discutir a miséria do outro.
Existe uma farsa
intencionada a pairar sobre esta realidade: chama-se responsabilidade
fiscal. A proporção máxima que a folha de pagamento do funcionalismo
pode ter em relação às despesas públicas. Se as despesas subiram tanto
com as contrações privadas, como justificar que isso não seja despesa de
pessoal? Talvez naquele momento a prudência legislativa, ao limitar os
gastos com pessoal, tenha sido uma iniciativa para abrir esta porta da
corrupção da equidade constitucional no SUS.
A sociedade está
sendo enganada com televisões de telas planas nas esperas dos hospitais
e com seguranças vestidos de paletó azul marinho nas portas dos
elevadores. A conta é alta, em iniquidade, em gastos públicos e na
formação de uma mercantilização danosa, pois sem limites e assaltante do
patrimônio público. Basta tomar conhecimento do recente caso de Duque
de Caxias envolvendo as tais Organizações Sociais.
José do Vale Pinheiro Feitosa
Rio de Janeiro - RJ
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