Carta Aberta - VI ENAJVHA
VI ENCONTRO NACIONAL DE ADOLESCENTES E JOVENS VIVENDO COM HIV/AIDS
UM OLHAR FORA DO EIXO¹
No
Período 10 a 13 de julho, realizou-se em Brasília/DF o VI Encontro
Nacional de Adolescentes e Jovens vivendo com HIV/AIDS – ENAJVHA,
evento que reuniu jovens soropositivos e convivendo² com HIV/AIDS de
diversas partes do Brasil “para a interlocução, troca e avaliação de
experiências entre jovens vivendo com HIV e AIDS”³. Também com o
propósito de ser “um momento em que os jovens pudessem
descobrir possibilidades de atuação frente aos desafios locais,
conhecer e se articular com outros jovens e com as redes já existentes
de luta contra a epidemia”4.
Entretanto,
mais uma vez, a teoria não conseguiu ser posta em prática e um momento
que poderia ser “com” foi somente “para”, na contramão tanto do
objetivo do encontro, como da Carta de Princípios da RNAJVHA5.
Subsidiado
por diversas formas de marketing e financiamento, a verticalização na
construção do Encontro, centralizou as escolhas para a Comissão
Organizadora, excluindo sistematicamente algumas pessoas, colocando-as
à margem da
história e da própria existência enquanto integrantes da RNAJVHA. Não
havia uma resposta plausível que justificasse o motivo de deixarem de
fora da organização, as referências da RNAJVHA no CONJUVE e na CNAIDS,
além do representante amazônico (e que também não estava como delegado
no Encontro até ser incluído mediante a sugestão no regimento interno).
Assim como até hoje não se sabe o motivo dos amigos pessoais do
ex-representante nacional assumirem funções que, conforme critério de
filiação da Rede não os competia por serem adultos e convivendo.
Houve
ausência de materiais preparatórios que pudessem, desde os meios
virtuais até o presencial, oferecer elementos para a plenária “elaborar
e incitar respostas, ações e políticas públicas contra os estigmas e
impactos do HIV e AIDS”6. Além disso, ficou notório que as dinâmicas
postas no e-group e grupo da Rede no facebook tenha surtido o efeito no
Encontro Nacional. O acolhimento tinha virado o ópio da política e o
cuidado tornou-se mais ameaça que bem-querer. Parei e fiquei observando
o quanto fez-nos falta nas manhãs, aqueles momentos regado de poesia,
música ou uma dança circular... O ditado popular “colocar o carro na
frente dos bois” teve muito haver com o colocar um fórum de debate
antes da mesa de abertura. Iniciar uma discussão sem boas-vindas? Sim!
Seria um risco a integração!
No
ato do credenciamento, o primeiro desconforto aos participantes: ter
que assinar alguns recibos que foram entregues sem orientação alguma,
mas quando questionados, disseram ser ora do
UNICEF (ainda que o documento estivesse sem nenhuma logomarca desta
agência), ora do Departamento Nacional de DST, Aids e Hepatites Virais.
Interessante que ambos ao serem consultados, afirmaram desconhecer esta
solicitação. Neste meio onde uma parte ficava assustada e sem uma
resposta transparente que lhe desse a confiança, houve quem se
aproveitou disso para descaracterizar pessoas, simplesmente por
quererem saber algo legítimo e que lhes era de direito.
Fóruns
foram reduzidos para priorizar a votação do regimento interno. Durante
a leitura, um dos primeiros vetos estava na proposta do debate acerca
da organização da RNAJVHA, demostrando certa indisposição para tratar
do assunto. Desde então, notou-se que as possibilidades de diálogo
estavam comprometidas por interesses
ou presas por algo concedido. Havia uma sintonia entre @s que tinham
sido indicad@s anteriormente a algum evento com os que votavam a favor
de um grupo específico.
Não
há como deixar de perceber a diferença entre as devolutivas dos
representantes da CNAIDS e do CONJUVE, para a representação do
nacional. Enquanto estes pautaram a partir da qualidade, o último
tratou por números, como se estivéssemos fazendo prestação de contas
governamentais. Não é do conhecimento coletivo no que as inúmeras
participações em congressos, reuniões e outras atividades trouxeram de
concreto para a Rede, assim como sobre a transparência dos recursos
financeiros captados para o trabalho da RNAJVHA.
Tornou-se
perceptível que muit@s presentes estivessem ali para uma estratégia não
mais oculta há muito tempo: a escolha da nova representante da RNAJVHA.
No grupo da RNAJVHA no facebook, alguns perfis contendo na imagem a
hashtag #AgoraéEla7 já apontava o caráter eleitoreiro que nos esperava
com adesivos e vídeos publicados na internet. Aliás, a própria eleição
d@s nov@s representações fez parte de um processo que perpassou por
grande parte dos Encontros Regionais, como o Amazônico que não teve
muita coisa diferente desta edição do ENAJVHA. Seria inocência demais
pensar que a devolutiva do ex-representante nacional finalizada com um
vídeo entre ele e a atual, não tivesse nada haver com o que estava
arquitetado.
“Faz
escuro, mas eu canto8”. As palavras do poeta Thiago de Mello refletem
sinais de esperança que em meio ao inverno brasilense, apresentava
raios de sol. Não há dúvida na capacidade técnica e política de
representantes do Ministério da Saúde e das agências da ONU, dentre
outr@s parceir@s, assim como no compromisso destes/as no
desenvolvimento integral de adolescentes e jovens, em especial,
soropositiv@s. Cabe um agradecimento todo especial a estes/as
facilitadores/as convidad@s para o evento, assim como d@s
financiadores/as e de coordenações/programas estaduais e municipais de
DST/AIDS que investiram mais uma vez na estrutura e deslocamento da
maioria d@s presentes.
Questionava-se
onde foi parar a missão e as prioridades norteadoras desta
organização? E os objetivos, até que ponto foram referências? Parecia
que não estávamos numa atividade de jovens, e tampouco da RNAJVHA.
Querendo ou não, a juventude tem em si a inquietude pela mudança e isto
moveu uma parte d@s participantes para uma ação em resposta ao que
estava acontecendo. Então, outro caminho possível foi proposto entre o
grupo que se opunha: não se resumir em espectador ou a eleições de
representatividades cujo modelo fecha-se em si mesm@s, mas criar
espaços de reflexão paralelos e que pudessem encaminhar coisas
possíveis. Mais do que uma democracia representativa, buscavam uma
democracia participativa, assim como aquela que motivou multidões há
alguns dias atrás a saírem nas ruas.
Inicialmente,
compartilhou-se um pouco da realidade de cada
localidade. Não havia muito tempo, nem lugar “adequado”, mas tornamos
os intervalos, oportunidades para o entrosamento e a troca de ideias e
dos quartos nossos pontos de encontro. Permitíamo-nos escutar e
compartilhar com @ outr@ nossas experiências e pontos de vista sobre
uma determinada questão. Elaboramos uma carta à Comissão Organizadora e
as parcerias deste evento para que pudéssemos explicar o motivo de
nossa retirada do processo de votação. O documento foi lido
compassadamente em plenária, finalizando com a saída de uma parte dos
presentes no auditório. Deixamos o auditório e fomos a uma avaliação
sobre este momento e a troca de ideias sobre como potencializar nossa
atuação nas bases.
Propaga-se
que nossa saída da eleição tenha sido motivada por percas de
“cargo” ou medo. Não seria um tanto sem sentido entrar e sair “fugindo”
da plenária, depois de ter feito várias reuniões para refletir e
elencar os motivos reais de nossa retirada? Não teríamos deixado o
encontro no momento em que a proposta para discutir a organização da
Rede foi eliminada? Aliás, basta visitar o grupo da RNAJVHA no facebook
para perceber qual o tipo de contribuições de algumas pessoas que
permaneceram no auditório, para a grande maioria que se retirou.
Observemos os perfis para perceber qual público estava somente pela
parte e de quem estava afim de discutir o todo.
Concluímos
o Encontro reafirmando nossas críticas pertinentes ao modelo
pseudodemocrático com que a Rede vem se organizando nestes últimos anos
e construindo forma que se afastam
ainda mais da promoção da autonomia de jovens vivendo com HIV/AIDS nos
Estados e municípios. Não nos desligamos da RNAJVHA por acreditarmos
que este espaço também é nosso e que agora, mais do que nunca, a Rede
precisa de nosso trabalho para retomar os trilhos do que inicialmente
se propôs. E ainda que a nova representante nacional tenha sido eleita
num contexto às avessas da Carta de Princípios, não nos fecharemos ao
diálogo e possíveis parcerias, desde que pautado em valores, atitudes e
comportamentos práticos.
O
fato é que o sentimento de indignação que tomou conta das ruas, também
envolveu divers@s participantes a lutar por algo muito maior que uma
simples escolha de pessoas que poderão ou não representar o desejo
deste coletivo. Ser comparados ou não a vândalos
(mesmo não chegando a esse extremo), não é o problema. Aliás, a
centralização de poder, da cooptação de pessoas e do aparelhamento da
Rede para fins destoantes aos iniciais ainda permanecem enquanto
principais problemas a serem combatidos dentro e fora desta Rede. É por
este motivo que acreditamos ser pertinente continuar a se opor a esta
forma de ativismo, ou resumido ao virtual, ora turístico.
Mais
do que representatividades, defende-se uma democracia participativa,
pautada na descentralização, transparência e horizontalidade.
Entende-se também que a autonomia das bases e o protagonismo juvenil
precisam ser de fato respeitados e reconhecidos na prática. Não
estaremos fechad@s ao diálogo, por entender que este é uma importante
ferramenta para se alcançar avanços
possíveis e necessários, tanto para a RNAJVHA, quanto na articulação
com outros grupos da sociedade civil e órgãos governamentais. Assim
como não teremos nenhum problema em estabelecer possíveis parcerias,
que colaborem para o desenvolvimento local, desde que sejam pautados
por valores imprescindíveis para o fortalecimento desta Rede.
Como diria Betânia Ávila no VIII Fórum UNGASS AIDS – Brasil: “não há ativismo sem reflexão”.
E esta avaliação crítica e fundamentada, não vem dissociada da ideia do
bem viver, do bem conviver e do bem querer, mas se propõe justamente a
despertar um cuidado sobre esta realidade silenciada, mas evidente. É
numa época de mudanças, que buscamos outros caminhos possíveis, onde
AMOR seja de
fato o centro de todas as coisas!
1
Agradecimentos a Cleyton Aquino (PA), Diego Calisto (SP), Jeferson
Fonseca (MG), Ozéias Cerqueira (SP), Rafaela Queiroz (RJ), Rodrigo
Amorim (ES) e Welshe Shordok (MG) que estiveram durante o VI ENAJVHA e
contribuíram para que este texto pudesse expressar verdadeiramente os
fatos ocorridos, os sentimentos envolvidos e as perspectivas de uma
Rede mais justa e solidária.
2 Pessoas negativas para o HIV,
mas que tem alguma relação seja afetivo-sexual ou social com alguém
soropositiv@ ou com a causa da Aids.
4 Idem.
6 Idem.
Eduardo da Amazônia Representante Estadual da RNAJVHA / Jovens + Pará Contato: eduardopaidegua@hotmail.com
--
Atenciosamente,
Ralf Barros
Assistente Social - CRESS 5240
( 55 (27) 9907-9258 - VIVO
( 55 (27)
9247-3036 - TIM
+ ralf.barros@yahoo.com.br
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