Diante de um Estado Democrático de Direito, onde nos é assegurado a igualdade de direitos dentro de uma sociedade garantista, como assevera nossa Constituição Federal, não podemos e não devemos, calar-nos, diante do incoerente Estatuto da Família, projeto (Projeto de Lei 6583/13), que além de excludente e preconceituoso, ignora premissas máximas de nossa Magna Carta, como o princípio da igualdade, da dignidade da pessoa humana, a laicidade estatal, além de segregar âmbitos sociais de crianças que não estejam inseridas no núcleo familiar fechado e moralista, heteronormativo ou famílias monopaternais, preterindo àquelas, da extensão normativa que cria reconhecimentos e direitos sociais.
Não podemos ignorar que o conceito de família é cada vez mais plural, pois, os núcleos criados, não estão mais vinculados exclusivamente ao matrimônio e sim aos laços de afetividade. Essa nova concepção, que retrata a realidade mundial, veio estabelecer o reconhecimento ao núcleo familiar como algo mais abrangente, recepcionando famílias homoafetivas, famílias monoparentais, adoções, comprovação de paternidade via testes de DNA, a paternidade socioafetiva, famílias de casais inférteis, os vínculos de tutelas e curatelas, e outras diversas formas de relações familiares com vinculação afetiva.
Não há qualquer argumento jurídico plausível para retirar de todas essas entidades familiares o status de família e não conceder a elas de forma irrestrita todos os direitos abarcados por entidade familiar, previsto no Estatuto da Família e demais legislações.
O moralismo social e recalque fundamentalista religioso, não podem, dentro de um Estado Democrático de Direito, protegido pela laicidade do estado, legislar de forma excludente e desigual dentro de um mesmo conceito de afetividade familiar.
A compreensão socioafetiva das relações familiares é a base do Direito de Família moderno e isso não pode ser negado, devemos superar o dogmatismo acrítico do modelo monolítico e excludente, para dar vazão a aplicabilidade constitucional ampla, beneficiando os laços afetivos sobre a relação axiomática pungente equivocada de família heteronormativa exclusiva.
O conceito restritivo de família, agride de forma visceral o art. 227, CF, retirando de crianças e adolescentes que não se enquadram nesse moralismo espúrio e preconceituoso, direitos e garantias que devem ser absorvidas de forma plural e igualitária, criando uma lesão jurídica sem precedentes, autorizada pelo próprio poder público.
O retrocesso à restrição do conceito de família, além e temerário é imoral, pois, fechar os olhos descaradamente e negar proteção de todas as estruturas familiares presentes na sociedade moderna, utilizando mecanismos jurídicos que visam a concessão de direitos e garantias é rasgar as bases Constitucionais às vistas dos próprios manipuladores do direito.
Dignidade humana é o direito do ser humano, como bem asseverou Kant, e este direito está inserido no contexto de laços familiares, e isso significa que, de acordo com o IBDFAM - “Direito de Família assumiu como seu núcleo axiológico a pessoa humana como seu cerne a dignidade humana. Isso significa que todos os institutos jurídicos deverão ser interpretados à luz desse princípio, funcionalizando a família à plenitude da realização da dignidade e da personalidade de cada um de seus membros. A família perdeu, assim, o seu papel primordial de instituição, ou seja, o objeto perdeu sua primazia para o sujeito. Seu verdadeiro sentido apenas se perfaz se vinculada, de forma indelével, à concretização da dignidade das pessoas que a compõe, independentemente do modelo que assumiu, dada sua realidade plural na contemporaneidade”.
Ressaltamos que, o Estatuto da Família exclui várias entidades familiares, não apenas a homoafetiva, no entanto, aqui fazemos um parênteses exclusivamente às essas famílias.
Conforme, dados do IBGE só na região Sudeste, existem cerca de 32.202 casais homoafetivos, seguida pela Nordeste, com 12.196 casais. A Região Norte com 3.429; seguida pela Centro-Oeste, com 4.141. A Região Sul tem pouco mais de 8 mil casais homossexuais. Ou seja, mais de 60 mil casais homossexuais, identificados, sempre lembrando que existem casais que ainda não se declaram.
O discriminatório Estatuto, de súbito, já excluí todas essas entidades familiares e vai contrário à jurisprudência atual e ao entendimento do próprio STF que já reconheceu a União Homoafetiva, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que reconheceu o direito ao casamento homoafetivo e nossos Tribunais tem se inclinado em muitos casos ao direito constitucional de adoção por casais homossexuais, baseados inclusive, no art. 1º da Lei 12.010/09 - garantia à convivência familiar e art. 43 do ECA.
A instabilidade jurídica causada por esse Estatuto, vem por criar novamente lesão à direitos adquiridos legalmente, protegidos pela Constituição Federal, por casais homoafetivos e tudo que fora conquistado até o momento.
Ao ser questionado sobre a elaboração do Estatuto, o Deputado Anderson Ferreira (PR-PE), alega que não existe homossexual cristão. Precisamos esclarecer que, O Estatuto das Famílias (preferimos essa denominação), não trata de cristãos, nem de judeus, pagãos, muçulmanos, budistas, umbandistas, espíritas, ou qualquer outra religião. Somos um país Laico. E não iremos nos calar até que isso seja respeitado.
O Estatuto das Famílias, trata de núcleos sociais com vínculos de afetividade.
Aos arrepios de uma legislação coerente e legalista, fica evidente que o problema que aqui se apresenta, não é normativo, é fundado em preconceito, preceito esse, excludente e proibitivo em nossa legislação.
Não aceitamos e exigimos direitos iguais, não apenas às famílias homoafetivas, mas, à todas as famílias que não se enquadram nesse núcleo discriminatório e restrito apresentado.
Que nossa Constituição seja respeitada e se sobreponha ao fundamentalismo religioso e arcaico, que desrespeita as próprias leis formadoras de nosso Estado.
Enviado por: Patricia Mannaro
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