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sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Ela escondeu que tinha o vírus da sida(AIDS). Agora está a ser julgada

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20/08/2010

Ela escondeu que tinha o vírus da sida(AIDS). Agora está a ser julgada

Por Teresa Firmino

O caso chamou a atenção sobre a criminalização da transmissão do VIH. Há 600 pessoas condenadas pelo mundo fora. A sentença de Nadja Benaissa é lida na próxima semana

Nadja Benaissa é a vocalista de uma banda pop feminina, que faz as delícias de milhares de fãs na Alemanha. Ela e as restantes três No Angels foram descobertas há dez anos, num programa televisivo de procura de talentos, quando ficaram em primeiro lugar e bateram os 4500 concorrentes que tentaram a sorte no concurso. As No Angels tornaram-se a banda feminina com mais sucesso na Alemanha, que, entre 2000 e 2003, vendeu cinco milhões de discos.

Estava o grupo prestes a dar um concerto em Frankfurt, em Abril do ano passado, quando Nadja Benaissa foi algemada diante dos fãs e ficou detida dez dias. Acusação: a cantora, agora com 28 anos, provocou lesões físicas graves ao transmitir o VIH a um homem com quem teve relações sexuais desprotegidas, apesar de saber que estava infectada com o vírus.

O homem, identificado por Ralph S., de 34 anos, apresentou queixa contra ela. O julgamento começou na segunda-feira e hoje as audiências deverão terminar. Para a semana, na quinta-feira, será lida a sentença. A cantora incorre numa pena de prisão que, segundo a lei alemã, pode ir dos seis meses até aos dez anos, se for provado que houve propagação do vírus da SIDA.

Na lei alemã, a transmissão intencional ou negligente do VIH é considerada um dano corporal, explica o jornal The New York Times, citando informações da organização alemã de luta contra a SIDA AIDS-Hilfe. Se há ou não punição depende se a pessoa que não é portadora do vírus sabe da infecção do seu parceiro sexual e se, nesse caso, consentiu em ter relações desprotegidas. Quem está infectado, ainda segundo a lei alemã, não tem de informar o parceiro, desde que faça tudo para o proteger, por exemplo através do uso de PRESERVATIVO.

No tribunal, em Darmstadt, Nadja Benaissa chorou, pediu desculpa, disse que não queria causar-lhes qualquer mal e confessou: "Nessa altura, era descuidada. Desculpem do fundo do coração." E acrescentou: "Nunca quis que acontecesse nada disto a nenhum dos meus parceiros." Entre 2000 e 2004, a cantora teve relações sexuais com três homens, sem que os tivesse informado do seu estado de saúde, relata o jornal britânico The Guardian.

Os pontos altos e baixos da vida de Nadja, filha de pai marroquino e mãe de origem sérvia, vieram a público. "Com 12 anos, comecei a tomar drogas. Aos 14 anos, era viciada em crack", contou, acrescentado que a relação com os pais era então muito má. "Durante dois anos, vivi na rua, até que fiquei grávida aos 16 anos."

Foi nas análises de rotina, quando estava grávida, que descobriu que era seropositiva. Tinha 17 anos. Depois, a sua carreira arrancou. A banda chegou a separar-se, mas voltou a juntar-se para representar a Alemanha no Festival Eurovisão da Canção de 2008 e, no ano passado, lançou um novo álbum.

Ralph S. soube que Nadja era portadora do VIH por uma tia dela. "Fizemos sexo cinco a sete vezes, três das quais sem protecção", disse ele no tribunal. E depois de a tia dela lhe ter contado foi ao médico: "Ao fim de algumas horas, telefonou-me a dizer que devia ir vê-lo. Foi então que soube que era seropositivo."

Numa declaração, lida no tribunal pelo seu advogado, Nadja declarou ainda: "Disseram-me que probabilidade de infectar alguém ou de eu desenvolver a doença era mais ou menos zero. Por essa razão, escondi esse facto mesmo do meu grupo de amigos, porque não queria que a minha filha fosse estigmatizada. Disse aos membros da banda porque confiava neles, mas nunca o tornei público, por recear que significasse o fim da banda."

Condenado em Portugal

Acusar alguém de transmitir o vírus da SIDA não é caso isolado no mundo. Já foram condenadas cerca de 600 pessoas com VIH em mais de 40 países, e na maior parte dos casos não houve nem intenção nem transmissão da doença, escreve o Guardian. Só na última década, mais de 25 países africanos fizeram legislação específica sobre a SIDA, numa tentativa de travar a infecção. Muitas dessas leis em África, que criminalizam a transmissão do vírus, inspiraram-se na moldura penal dos Estados Unidos, onde ocorreu a maioria das acusações.

Essa moldura levou a casos como o de um homem seropositivo que foi acusado de terrorismo por ter alegadamente mordido no vizinho enquanto era espancado; ou o de um sem-abrigo condenado a 35 anos de prisão por ter cuspido num polícia quando era detido, porque o júri considerou a saliva como uma "arma mortífera", apesar de o VIH não se transmitir assim. A nova estratégia do Presidente Barack Obama para a SIDA, lançada em Julho, reconhece estes problemas: "Em muitos casos, estas leis vão contra as provas científicas sobre a transmissão do VIH e podem minar o rastreio e o tratamento."

"Sou absolutamente contra a criminalização da transmissão da infecção, excepto - e a lei portuguesa prevê isso - quando a infecção é usada conscientemente como "arma"", comenta Henrique Barros, coordenador da Comissão de Luta Contra a SIDA em Portugal.

"A relação sexual é um negócio a dois, e o outro tem de se defender. As pessoas não têm de ser violentadas na sua intimidade. Quem esteve com ela [Nadja] e não se protegeu é tão responsável como ela", refere ainda. "Se criminalizarmos a infecção, ninguém quer saber se está ou não infectado. Pensa: "Se não souber, não posso ser criminalizado"."

O que diz a lei portuguesa? "Prevê que usar uma doença contagiosa [como a tuberculose] ou transmissível [como a SIDA] para fazer mal a uma pessoa é como usar outra arma qualquer", diz Henrique Barros. Se alguém partilha uma seringa sabendo que está a passar o vírus, é um caso de polícia, exemplifica.

No Código Penal português, não há um artigo específico sobre a transmissão do VIH, mas vários artigos são susceptíveis de aplicação, explica Maria do Céu Rueff, especialista em questões jurídicas e éticas do VIH do Centro de Direito Biomédico da Faculdade de Direito de Coimbra.

O caso mais paradigmático, conta, é o de um homem com VIH que tentou, mas não conseguiu, transmitir o vírus à companheira. "Numa noite de discussão com a namorada, tentou criar-lhe escoriações na pele com uma faca da cozinha e transmitir-lhe o vírus." Neste caso, foi aplicado o artigo 283 do Código Penal, relativo ao crime de propagação de doença contagiosa, e o Tribunal Judicial da Comarca de Portimão condenou-o em primeira instância; a decisão foi depois confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora em 2000 - pela tentativa de propagar uma doença contagiosa, a pena foi de três anos e seis meses de prisão.

Mas há outros artigos susceptíveis de aplicação, como os relativos às ofensas corporais, explica Rueff. Noutros crimes, como os sexuais, o Código Penal refere o VIH e aí a pena pode ser agravada se houver passagem do vírus.

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