Dizem que mandou prender a namorada, torturar, cortar em pedaços e atirar aos cães. Ninguém em juízo perfeito suporta mais ouvir falar das crueldades diuturnamente reveladas sobre a morte da modelo Eliza Samudio, atribuída ao goleiro Bruno. Não sei se me incomodam mais os detalhes macabros do caso, avidamente esmiuçados, como aqueles sobre como os cachorros comeram o corpo da modelo, ou o ar de indiferença, de quem não tem nada a ver com isso, do antes idolatrado atleta. Espera-se que a polícia consiga desvendar rapidamente o caso, poupando a todos, especialmente as famílias dos envolvidos, de maiores sofrimentos. Vale anotar que de outro bárbaro crime, ocorrido há pouco mais de um ano na capital federal, do qual foram vítimas conhecido advogado, sua mulher e sua funcionária, até hoje se aguarda o resultado das investigações.
Surpreende saber, no entanto, que em outubro do ano passado Eliza Samudio formulou pedido de proteção à Vara de Violência Doméstica em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Afirmou que havia sido sequestrada por Bruno e temia novas agressões. O pedido tramitou pela burocracia judiciária, passando por várias mãos. Primeiro, considerou-se que o caso não era de violência doméstica, porque Bruno e Eliza não eram casados e nem viviam juntos, motivo pelo qual foi enviado para a Vara Criminal. Daí passou pela Delegacia de Polícia, virou inquérito policial, foi ao Ministério Público e culminou com um singelo e lacônico despacho: “junte-se aos autos”. Enquanto esse inquérito ainda dormitava pelas prateleiras das repartições públicas em Jacarepaguá, outro se iniciava em Minas Gerais: o que apurava a morte daquela mesma vítima que pedira proteção.
O trágico caso representa a mais cristalina imagem da negligência que ainda impera no tratamento dos casos de violência contra a mulher pelas nossas autoridades. A decisão de não apurar a notícia do crime na vara especializada em violência doméstica teve como base o fato de que o relacionamento de Eliza e Bruno fora esporádico e, embora tivessem tido um filho, não chegaram a constituir uma família. Creio que uma leitura mais detida da lei que regula os casos de violência contra a mulher teria conduzido a autoridade responsável pelo caso a conclusão diversa. A Lei nº 11.340, de 2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, foi concebida não apenas para cuidar da violência doméstica, entendida como aquela que ocorre entre quatro paredes, no ambiente familiar.
Tem a lei dimensão mais ampla, pois logo no preâmbulo está posto o seu objetivo de regulamentar também a aplicação da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, ratificada pelo Brasil em 1995. Ademais, o artigo 5º da Lei Maria da Penha considera como violência doméstica e familiar contra a mulher “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”, praticada não apenas no âmbito da família ou da unidade doméstica, como também em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Essa era, ao que tudo indica, a situação da vítima com o suposto autor ou mandante do homicídio: a existência de relação íntima de afeto, comprovada pelo nascimento do filho em comum, ainda que sem coabitação.
cortesia:Clipping Bem Fam(22/07/010)
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