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quinta-feira, 6 de maio de 2010

Depoimento de membro do GIV:

Dr. Advogado
A Ponte – Setembro a Dezembro de 1999


Descrevo a seguir em forma de romance, tragédia ou humor o meu primeiro contato e convívio a seguir com o HIV. Como acontece em certos casos, o excesso de irresponsabilidade é que permite a contaminação de parte dos portadores. Cada um a seu nível, mas de maneira irresponsável.

No meu caso, um profissional liberal de classe média, com acesso a todos os meios de comunicação e informação, sabedor da existência e risco da doença, portanto classificado no grupo de irresponsáveis esclarecidos.

Este é apenas um preâmbulo, para introduzir uma relação afetiva que desenvolvi com a doença. A partir da descoberta da doença, passei pela fase do descontrole emocional que atinge qualquer ser humano em uma situação como esta, apresentando características e efeitos variáveis para cada pessoa.

Eu sou dotado de um senso de equilíbrio muito forte, que limitou em um espaço de tempo muito pequeno para a síndrome inicial da doença. Com isso assumi a consciência de que a minha vida tomava um novo destino, e resolvi saber qual era esse destino. Tracei planos dentro da lógica jurídica “se cometestes um crime, serás julgado, condenado e pagarás por este crime”.

Cometi um crime e como único culpado somente eu devo pagar por ele. Resolvi não dividir com ninguém a luta que começaria a partir de agora com a doença, apenas com os médicos. Haveria de existir um último momento onde o segredo não poderia ser mantido, ou seja, em uma possível fase terminal, os interessados tomariam conhecimento.

Minha avó, uma negra faceira, que chegou ao Brasil ainda no regime escravocrata, falecida com aproximadamente 106 anos de idade, costumava dizer que: “é sempre bom ter o inimigo por perto, pois as suas chances de defesa são maiores”.

Resolvi tratar o vírus de meu “Melhor Inimigo”. Inimigo porque deseja o meu fim, o meu mal. Melhor porque convive dentro de mim, portanto faz parte da minha vida. Iniciamos uma relação, digamos incestuosa, pois os dois não se respeitam, não se aceitam, não se suportam, mas convivem no mesmo mundo, esperando a primeira oportunidade onde o mais forte há de desferir o golpe fatal.

Ele ainda tem a força desconhecida capaz de me mandar para o desconhecido, mas em compensação, eu tenho o livre arbítrio de não permitir o que ele mais deseja, que é disseminar-se para outras pessoas, o que da minha parte este não conseguirá. Logo se ele vencer a batalha, será o meu companheiro na viagem para o mundo de onde este veio...

Olha pessoal, a fábula sintetiza que para se ter melhores inimigos, é indispensável que se tenha melhores amigos, e para tê-los, depende sempre de nós.

Eu concluo dizendo que como portador tenho o direito de momentos de infelicidade, mas eu prefiro trocá-los por momentos de felicidade, porque a felicidade de portadores ou não é sempre o agora, não se pode esperar o amanhã, pois pode ser que este não chegue.

Depoimento retirado do site:www.giv.org.br

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