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quinta-feira, 1 de abril de 2010

Pesquisa com profissionais de saúde revela



Pesquisa com profissionais de saúde revela o quão difícil é conseguir a adesão dos pacientes com asma ao tratamento adequado As principais razões para o problema são o preconceito contra o inalador e a falta de percepção sobre a gravidade da doença

Paloma Oliveto

Publicação: 22/03/2010 07:00 Atualização: 22/03/2010 01:26

De repente, parece que não há ar suficiente para satisfazer os pulmões. Os lábios e as unhas ficam arroxeados, a respiração torna-se ofegante, a temperatura baixa e a pessoa começa a suar excessivamente. Quem já teve uma crise grave de asma sabe como é incômodo passar por essa situação. Porém, basta se sentir bem novamente para o paciente deixar o tratamento de lado — como os sintomas cessam, ele mesmo se dá alta. Esse é o fator que mais atrapalha a eficácia do controle da asma no Brasil, país que ocupa a oitava posição no ranking da doença, de acordo com uma pesquisa inédita, que ouviu 140 pessoas, entre médicos e pacientes, em Brasília, Belo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre.

Sessenta e três por cento dos profissionais de saúde ouvidos no estudo reportaram que há baixa adesão ao tratamento, sendo que, para 41% deles, os pais e pacientes não têm consciência da gravidade da doença. “As pessoas realmente não têm a percepção da gravidade. Você fala para uma mãe que o filho tem asma, ela dá o tratamento e, quando ele fica bem, acha que sarou. Mas a asma é uma condição crônica, que não tem cura, apenas controle”, afirma Zuleid Mattar, pediatra e diretora da regional de São Paulo da Associação Brasileira de Asmáticos (Abra).

A médica explica que, ao interromper o tratamento, feito à base de bronquiodilatadores e corticoides, o paciente pode ficar algum tempo sem os sintomas. Porém, eles vão voltar. “É como uma mangueira exposta ao sol. Uma hora, ela vai rachar. O mesmo acontece com o pulmão. De tanto fechar e abrir, ele perde a capacidade de se expandir. Com o tempo, nem mesmo o medicamento resolve”. alerta Zuleid. O risco de abandonar o tratamento é grande e pode resultar em morte. Uma paciente da pediatra morreu aos 13 anos porque entrou em crise durante um acampamento da escola e não estava com o inalador.

O estudo, encomendado pelo laboratório Merck Sharp & Dohme (MDS), revelou que há um forte estigma social em relação aos inaladores e nebulizadores. Vinte e nove por cento dos pacientes adultos assumiram que temem o preconceito. “Existe um mito de que a bombinha faz mal para o coração e que o medicamento vicia. Os asmáticos têm até medo de assumir a doença, preferem dizer que têm bronquite”, constata o pneumologista do Hospital Anchieta Roberto Valente. De acordo com ele, é normal sentir taquicardia logo após o uso do inalador. “As pessoas pensam que podem ter um ataque cardíaco. Acho que confundem a palavra ‘taquicardia’ com ‘ataque cardíaco’. Porém, a aceleração é transitória: quando se toma o remédio, o coração precisa bombear, e fica mais rápido. O medicamento, porém, é seguro”, afirma Zuleid Mattar.

Bronca médica
A funcionária pública Cláudia Lopes Correa, 36 anos, resistiu o quanto pôde até assumir a asma e resolver tratá-la adequadamente. Desde a adolescência, ela sofria de alergias, mas a doença só foi se manifestar há cerca de cinco anos. Antes disso, Cláudia havia tido três crises fortes, a ponto de procurar uma emergência, mas era medicada no local e depois deixava para lá. “Tive resistência sim, porque, para mim, remédio sempre foi uma coisa que você devia tomar e sarar. Levei uma chamada muito grande do meu médico, que falou que o mal do asmático é achar que está bem e protelar o tratamento”, conta.

Depois da última crise, há quatro anos, ela resolveu levar a doença a sério. Procurou um pneumologista e passou a usar os medicamentos. Desde então, Cláudia tem uma vida normal, pois, sempre que sente que a asma está chegando, já se previne aumentando a dose do remédio, sob orientação médica. Ela parou de fumar, mas não abriu mão de ter duas gatinhas em casa. Com o tratamento correto, porém, os animais não trazem problemas à saúde de Cláudia. “Hoje, eu entendo que o remédio é uma necessidade”, afirma a funcionária pública, que usa corticoides em dias alternados e, quando precisa, um inalador.

Crianças
Outro dado da pesquisa apontou que as crianças são as mais difíceis de serem tratadas. Segundo 37% dos médicos ouvidos, elas têm dificuldade para usar os inaladores e nebulizadores. Oitenta e sete por cento dos pais confessaram que os filhos nem sempre tomam o s remédios, e 29% acham que é difícil administrá-los. “Os próprios pacientes — e principalmente pais de pacientes pediátricos colocam como fatores importantes para a não adesão a dificuldade de usar inaladores e nebulizadores e o estigma social da doença, principalmente o impacto no dia a dia da criança. Esses dados chamam atenção, pois hoje existem alternativas terapêuticas que podem facilitar a adesão e a redução desses estigmas”, observa o médico Octávio Costa Filho, diretor médico da MSD.

Além de dar as costas aos remédios, muitos pacientes associam a doença a mitos que não têm fundamento qualquer. “Tem gente que apela para benzedeiros e há até mesmo aqueles que acreditam que ter jabuti em casa cura asma. Antigamente, matavam um pinto e tomavam o caldo, para se ter uma ideia”, conta o pneumologista Roberto Valente. Outro mito é o de que a natação cura a doença. Além do fato de a asma ser incurável, não é a natação em si, mas a atividade aeróbica que pode auxiliar no tratamento. “Antigamente, as pessoas nadavam no mar, ao ar livre, e isso fazia bem ao pulmão. Mas uma piscina aquecida cheia de cloro pode até piorar”, afirma a pediatra Zuleid Mattar.

Outra grande confusão, feita inclusive por alguns profissionais de saúde, é achar que rinite e asma são a mesma coisa. “Como é uma inflamação no pulmão, e o epitélio do órgão é o mesmo do nariz, a asma também costuma atacar as vias aéreas. Por isso, geralmente, quem tem asma tem rinite. Mas o contrário não é verdade”, explica a pediatra. A pesquisa da MSD detectou que 91% dos asmáticos possuem os dois problemas. “Infelizmente, ainda há um problema de diagnóstico. As pessoas chegam nas emergências e os médicos dizem que estão somente com bronquite ou um início de pneumonia. O tratamento acaba não sendo adequado”, conclui a médica.

Íntegra da entrevista com Octávio Costa Filho, diretor médico da Merck Sharp & Dohme

1) Qual resultado da pesquisa chamou mais a atenção?

Há muitos pontos nessa pesquisa que confirmam algumas crenças em relação ao tratamento da asma e em relação à percepção de médicos e pacientes sobre as principais barreiras para controlar a doença de maneira adequada. Chama a atenção o fato de quase 70% dos médicos entrevistados considerarem a baixa adesão como um fator crítico ao controle da asma. Os próprios pacientes – e principalmente pais de pacientes pediátricos - concordam com isso e ainda colocam como fatores importantes para a não adesão a dificuldade de usar inaladores e nebulizadores e o estigma social da doença (principalmente o impacto no dia a dia da criança). Esses dados chamam atenção, pois hoje existem alternativas terapêuticas que podem facilitar a adesão e a redução desses estigmas. A MSD acredita serem necessárias cada vez mais alternativas de tratamentos, com uma posologia e uma forma de administração cômoda, como o uso de comprimidos, preventivamente.

2) Um dos problemas citados é a dificuldade das crianças em usar os inaladores, enquanto que os adultos têm preconceito com o equipamento. Existe alguma pesquisa em curso para desenvolver um medicamento que possa substituir o seu uso?

Existem no mercado inúmeras opções de tratamento para a asma que não se limitam ao uso de inaladores. Esses são muito usados para o tratamento da crise. No entanto, o tratamento da asma não se limita à redução do número dessas crises. A asma é um processo inflamatório nos pulmões, cujo tratamento pode ser feito de maneira preventiva também. Há, por exemplo, medicamentos da classe dos antileucotrienos, que inibem as ações dos broncodilatadores e, consequentemente, reduzem o número de crises, idas ao pronto-socorro e despertares noturnos que, sem dúvida nenhuma, impactam diretamente na qualidade de vida do paciente com sintoma de asma.

3) O que pode ser feito para conscientizar melhor a população e mesmo a classe médica sobre a gravidade da doença e das implicações da falta de tratamento?

Muitas pessoas ainda acreditam que a asma é uma doença sazonal, que ocorre só no inverno. De fato, nessa estação é comum ocorrer uma piora nos sintomas, mas os pacientes estão expostos a agentes desencadeadores dos sinais da doença o ano todo. Isso fica claro na pesquisa: 60% dos médicos especialistas consultados, que tratam de pacientes com asma e rinite concomitantes, afirmaram que seus pacientes apresentam sintomas durante todo o ano e não somente no inverno.

Além da questão da sazonalidade, outras questões, que são muito pouco esclarecidas à população, referem-se à relação entre sintomas de asma e rinite alérgica e à questão do tratamento. Poucas pessoas sabem que os sintomas da rinite alérgica podem desencadear a asma ou a piora dos sintomas da doença. Muitos sempre relacionam a asma a uma doença que impede a realização de atividades físicas e ao uso da bombinha por exemplo. Isso não existe mais. Há ainda muito estigma em relação à doença e somente ações de educação à população podem ajudar a desfazer certos mitos. Soma-se a essas ações a necessidade do médico ajudar o paciente a identificar essas relações e orientá-lo sobre sua doença.
Fonte Correio Brasiliense.


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