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quarta-feira, 31 de março de 2010

Conheça os centenários da Sardenha

10/01/2010 - 21h01

Conheça os centenários da Sardenha e seus segredos de longevidade; leia trecho

da Livraria da Folha

Quando completam 100 anos, os habitantes da Sardenha, ilha italiana, recebem uma carta do papa felicitando a data. O jornalista Ben Hills, famoso na Austrália, foi conferir por que os moradores desse ponto do Mediterrâneo têm mais chances do que qualquer outra pessoa no mundo de chegar a um século de vida. Ele investigou a alimentação e outros hábitos da rotina dos simpáticos idosos sardos para escrever o livro "A Ilha dos Anciãos - Os Segredos dos Centenários da Sardenha"

Divulgação
Livro mostra os segredos dos centenários da Sardenha
Livro mostra os segredos dos centenários da Sardenha

Uma saudação sarda é "A kent'annos" ("Que você viva cem anos"). Não é marketing. Os habitantes de um grupo de aldeias remotas nas montanhas centrais da Sardenha têm duas ou três vezes mais probabilidade de alcançar um centenário do que qualquer outro povo da Terra. Em certo momento, cinco das 40 pessoas mais velhas do mundo viviam lá, incluindo o homem mais idoso, Antonio Todde, que morreu com 112 anos.

"Qual é o seu segredo? Será algum 'gene da longevidade' herdado de seus misteriosos ancestrais neolíticos, os construtores dos nuraghe, curiosas fortalezas de pedra que ainda montam sentinela no alto dos morros por toda a ilha? Será sua dieta frugal de produtos orgânicos, cheio de antioxidantes, como o resveratrol no potente vinho Cannonau da Sardenha? Será o legado de uma vida de trabalho duro em um ambiente puro e sem estresse, longe das chaminés da Europa industrial? Deus terá influência nisso, como acreditam muitos sardos? É a atitude deles em relação à vida, uma alegre determinação a enfrentar o que vier pela frente? Ou os calorosos laços da vida em família, as comunidades integradas em que eles vivem, em que os idosos são tratados com respeito, em vez de ser afastados em asilos? Será tudo isso? Ou nada? Simplesmente tive de ir lá para descobrir", conta o jornalista, na introdução do livro.

Ele entrevistou 24 idosos ("se somar a idade deles, chegará a quase 2 milênios e meio"), além de suas famílias, amigos, médicos, cientistas e sociólogos. Foram dois meses viajando mais de mil quilômetros, na primavera de 2007. Hills foi acompanhado pela fotógrafa Mayu Kanamori, que retratou os centenários, inclusive uma mulher na comemoração do seu 109º aniversário.

Leia abaixo um trecho do livro "A Ilha dos Anciãos - Os Segredos dos Centenários da Sardenha". "A kent'annos"

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Poderia haver alguma verdade científica na crença disseminada de que o vinho tinto --especialmente os da Sardenha-- é não apenas agradável e sociável, como também nos ajuda a viver mais? Desde tempos antigos os benefícios do vinho foram cantados por poetas, filósofos, soldados e médicos igualmente, mas até há pouco se acreditava que seus benefícios para a saúde se devessem mais ao fato de que o vinho (e a cerveja em climas mais setentrionais) tinha menor probabilidade de envenená-lo do que a água dos poços, cheia de bactérias. Em Esparta, os bebês recém-nascidos eram banhados em vinho tinto, embora, do ponto de vista gastronômico, tudo piorasse a partir daí, porque sua dieta básica era sopa feita de pão preto, sangue de porco e vinagre. Hipócrates, o pai da medicina moderna, escreveu que "o vinho é o melhor produto da humanidade porque pode ser bebido com boa e má saúde, mas moderadamente". Depende do que se quer dizer com moderadamente, é claro. Júlio César dava a seus centuriões um litro de vinho por dia para fortificá-los e protegê-los de infecção intestinal. Antes de enviá-los à batalha a ração era aumentada para dois litros por dia. Paracelso, o médico suíço do século XVI, escreveu sabiamente que "O vinho é um alimento, um remédio e um veneno. Tudo é uma questão de dose".

O primeiro estudo científico moderno que apontou os benefícios do vinho foi o de Framingham Heart, nos Estados Unidos, que teve excepcional importância porque é ao mesmo tempo o mais prolongado e um dos mais amplos estudos epidemiológicos já realizados. Ele começou em 1948 com o recrutamento de 5 mil pessoas entre 30 e 62 anos na cidade de Framingham, perto de Boston, Massachusetts, e continua sendo feito 60 anos depois. Todo ano os sobreviventes e alguns de seus filhos e netos passam por um exame médico e preenchem extensos questionários que detalham cada aspecto de seu estilo de vida, para tentar localizar os fatores do risco para doença cardíaca e derrame. Foi a partir desse estudo que os cientistas encontraram evidências de fatos que hoje consideramos estabelecidos. A pressão sanguínea alta, os altos níveis de colesterol, fumar, a obesidade, a diabetes e a falta de exercício aumentam o risco de infarto e, por extensão, de uma morte prematura. E no início dos anos 1970 o estudo Framingham mostrou pela primeira vez de maneira conclusiva que o consumo moderado de álcool era bom para as pessoas. Quem bebia sofria 56% menos mortes de doença coronariana do que quem não bebia. "Moderado" significa uma ou duas doses-padrão por dia. Mas "bebida" em uma cidade pequena da costa leste dos Estados Unidos provavelmente significará cerveja ou aguardente --e como chegamos daí ao vinho tinto?

Na década de 1980 os pesquisadores começavam a falar no chamado paradoxo francês. Dados demográficos pareciam mostrar que, apesar de ingerirem muito mais creme de leite, manteiga, queijo e outras gorduras saturadas "insalubres" - quatro vezes mais manteiga por pessoa do que os americanos--, os franceses tinham apenas um terço do índice norte-americano de morte por doença coronariana. Em 1991, o famoso programa de atualidades dos EUA "60 Minutes" salientou isso e citou estudos científicos indicando que talvez o alto consumo de vinho tinto na França --os franceses bebem quase cinco vezes mais vinho que os americanos-- fosse a chave do paradoxo. Esse programa de tevê desencadeou o maior boom na indústria vinícola americana: o consumo de vinho tinto saltou 50% quase do dia para a noite; mas ainda não sabemos se houve uma queda correspondente no número de mortes por infarto.

Naturalmente, há os que ainda discordam da tese. Alguns estudos mostraram --sacrilégio-- que pode ser o próprio álcool que inibe a doença cardíaca, e que uma lata de cerveja ou uma dose de vodca barata podem ser tão boas quanto uma taça do legendário Domaine de la Romanée-Conti 1934. Outros contestam os dados e afirmam que mais recentemente os índices de doença cardíaca na França têm se igualado aos de seus vizinhos. A França fica na verdade atrás de países como Itália, Espanha e até a Noruega, onde se bebe schnapps, na lista de longevidade da Organização Mundial de Saúde, e os homens franceses morrem mais jovens do que os de qualquer outro país europeu, mas a indústria de vinhos não vai me agradecer por divulgar essa anomalia.

Também foi indicado que outros países, como o Japão, têm índices ainda menores de doença cardíaca que a França, mas quase não consome vinho. E, talvez, se é que há um paradoxo, isso se deva a algo totalmente diferente: os franceses se demoram mais nas refeições e fazem delas uma ocasião mais social. Eles têm mais respeito por ingredientes frescos e compram menos comida industrializada, comem mais moderadamente e têm menor probabilidade de ser obesos, não consomem tanto açúcar ou gordura animal (em oposição aos laticínios), bebem muita água e caminham bastante. Tudo o que podemos dizer é que o júri ainda não decidiu se existe mesmo um Paradoxo Francês.

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"A Ilha dos Anciãos - Os Segredos dos Centenários da Sardenha"
Autor: Ben Hills
Editora: Prumo
Páginas: 312
Quanto: R$ 38,90
Onde comprar: 0800-140090 ou na Livraria da Folha

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