Não há justificativa para o circo de privilégios montado em torno de um dos assassinos do menino João Hélio, de 6 anos. Ele tinha 16 anos na época. Ficou detido três anos numa instituição para menores – o máximo previsto por lei. Ameaçou matar um funcionário numa rebelião. Hoje, tem 19 anos. A Justiça adotou o assassino e o incluiu em um programa de proteção a adolescentes ameaçados de morte. Mas voltou atrás. Ele está agora em regime de semiliberdade. É suficiente?
Do crime monstruoso o país todo se lembra, não só a família de João Hélio. Mas é importante refrescar a memória. Rendidas por assaltantes armados num cruzamento na Zona Norte do Rio ao voltar para casa após o culto semanal, a mãe e a irmã de João Hélio viram o carro sair em alta velocidade com o menino do lado de fora, batendo no asfalto, preso apenas pelo cinto de segurança abdominal. A mãe havia tentado soltá-lo, sem êxito. Se tivessem algum apreço pela vida humana, os assaltantes teriam deixado João Hélio com sua família. Ou teriam colocado o garoto de volta no assento do carro. Por 7 quilômetros, ignoraram gritos apavorados de pedestres. Abandonaram o carro e o corpo do menino numa rua sem saída, voltaram para casa, tomaram banho, jantaram e foram a uma festinha da igreja local.
Solto, a Justiça o incluiu no Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte, com o apoio da ONG Projeto Legal, coordenado por Carlos Nicodemos. Um programa público e oficial com uma sigla imensa: PPCAAM. Ele seria acolhido em imóvel do projeto, junto com sua família, com acompanhamento e avaliações periódicas. Uma inversão medonha de valores. Que recado é esse à juventude?
Como a sociedade reagiu fortemente ao disparate, a Justiça recuou. E. ficará em regime de semiliberdade – o que significa ter de voltar todas as noites a uma instituição para dormir. Assim manda a lei. Seu destino parece ser a cidade de Friburgo, na serra do Rio. A população está em polvorosa. Anunciou-se que E. terá de dormir todas as noites numa instituição para adolescentes localizada em frente a um jardim de infância. Como reagiria você, se seu filho estudasse ali?
A semiliberdade para o assassino de João Hélio continua sendo um privilégio, a meus olhos. E aos olhos de muitos países que sabem distinguir um crime comum de um homicídio bárbaro. Para quem não se lembra, a Inglaterra condenou à prisão perpétua em 1993 dois garotos de 10 anos, por terem mutilado e matado um menino de 2. Eles ficaram presos por oito anos.
“O juiz Carlos Borges, um sujeito jovem e preparado, sugeriu uma mudança interessante na legislação penal”, disse o governador do Rio, Sérgio Cabral, em entrevista a ÉPOCA após a morte de João Hélio. “Se um garoto cometer um crime, o Ministério Público avalia a gravidade. O menor responderá por esse crime ainda como menor. Mas, a partir dali, se o crime for grave, sua maioridade penal será antecipada pelo juiz. Para qualquer outro crime posterior, ele será tratado como maior.” Quando crimes monstruosos acontecem, é natural que muitos saiam clamando pela pena de morte. Sou contra a pena de morte. Sou contra por princípio, meio e fim. Tampouco acredito em prisão perpétua. Mas defendo que sejam responsabilizados criminalmente, sem privilégios, os jovens com idade para votar e ter filhos.
Adiantaria? Reduziria o total absurdo de homicídios no Brasil, 45 mil por ano? Não sei qual seria o efeito concreto sobre os números. Mas estamos falando de certo e errado. De punições que correspondam à gravidade de um crime e sirvam de exemplo. Basicamente, estamos falando de justiça.
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